Estudo do Evangelho em vídeo, Vídeo

Vós sois deuses – Espiritismo

No capítulo 10 do Evangelho de João, estudado neste vídeo, Jesus dá a famosa declaração: – “Eu e o Pai somos um”. Muitos religiosos tradicionais levam isso ao pé da letra e imaginam isso como prova de que Jesus é Deus. Mas, neste mesmo capítulo, Jesus diz “vós sois deuses”.

Nossa natureza é divina, todos somos filhos de Deus, creados à Sua imagem e semelhança, e nosso destino é sermos um com Ele.

Este é o 19° vídeo desta série de estudos sobre o Evangelho de João.

JOÃO 10

  1. Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador.
  2. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas.
  3. A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora.
  4. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz.
  5. Mas de modo nenhum seguirão o estranho, antes fugirão dele, porque não conhecem a voz dos estranhos.
  6. Jesus disse-lhes esta parábola; mas eles não entenderam o que era que lhes dizia.

Para compreendermos a alegoria apresentada por Jesus precisamos nos situar. Probaton (προβατον) se refere a qualquer animal de quatro patas, mas a criação de ovelhas era a mais comum entre os judeus.

Hoje o consumo de carne gerou uma indústria, e os animais são tratados como produtos. Um pastor de ovelhas, no tempo de Jesus, cuidava dos seus animais pessoalmente, conhecia as suas ovelhas uma por uma, algumas delas tinham nomes, e elas seguiam o pastor docilmente.

Era o pastor que as guiava até os melhores pastos e onde houvesse água, elas reconheciam o pastor pela sua voz assim como um cão conhece a voz do seu dono. Numa região em que não havia abundância nem de pasto nem de água, era comum que os pastores conduzissem seus rebanhos a lugares distantes e permanecessem algum tempo nessas regiões, reunindo os seus rebanhos à noite num mesmo curral para facilitar a sua guarda.

Então havia um porteiro, um homem responsável por manter guarda durante a
noite. Ao amanhecer os pastores chamavam as suas ovelhas e elas os seguiam imediatamente – reconheciam a voz do seu pastor e o seguiam. 

  1. Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade, em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas.
  2. Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram.
  3. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens.
  4. O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.

No versículo 7 nós temos o terceiro “Eu Sou” de Jesus. Vimos anteriormente que Jesus disse: “Eu sou o pão da vida”, “Eu sou a luz do mundo” – agora diz “Eu sou a porta das ovelhas”. No versículo 11 dirá o quarto “Eu Sou”: “Eu sou o bom pastor”.

Jesus continua a sua alegoria, na qual nós encontramos importantes simbolismos. Jesus nos falava através de símbolos. A palavra semeion (σημειων), traduzida como “sinais” ou “milagres”, muito utilizada neste Evangelho, originalmente quer dizer exatamente isso: “símbolo”.

Por que falar por meio de símbolos e não numa linguagem direta, específica? Nós criamos palavras para expressar nossas ideias, mas as ideias independem de palavras. As palavras são necessárias em nosso estágio evolutivo, mas os espíritos mais adiantados prescindem de palavras, não precisam de palavras.

Há várias ideias expressas nos ensinamentos de Jesus. Nesta parábola, por exemplo, nós encontramos vários níveis de entendimento. Não podemos subestimar a inteligência de Jesus. Se Jesus escolheu encarnar em meio ao povo judeu, há motivos para isso. E o principal motivo, no nosso entender, não é o cumprimento de profecias ou o fato dos judeus serem monoteístas.

As antigas religiões, diferentemente do que se diz, eram politeístas só na sua forma mais exterior, na sua vivência pela grande massa. Mas havia o reconhecimento de um Deus Creador, Absoluto, acima de tudo e todos.

Talvez a característica mais importante dos judeus para Jesus tenha sido o valor que eles davam às escrituras, a associação entre a religião e as escrituras. A religião era absolutamente dependente das escrituras. O Cristianismo, por ter se propagado a partir dos judeus, herdou essa característica. Jesus certamente previu isso, e pensando nisso organizou seu ensino em foram de símbolos, para que os símbolos atravessassem gerações, acompanhando o progresso da humanidade e oferecendo sempre novos ensinamentos – ou o mesmo ensinamento sob novos pontos de vista. Por isso nós percebemos vários níveis de entendimento no Evangelho, de acordo com o grau evolutivo de cada um.

  1. Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.
  2. Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas.
  3. Ora, o mercenário foge, porque é mercenário, e não tem cuidado das ovelhas.
  4. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido.
  5. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas.
  6. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.
  7. Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a tomá-la.
  8. Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este mandamento recebi de meu Pai.

Podemos entender esta alegoria de várias maneiras. Num nível terreno, Jesus é o nosso pastor e nos conduz com cuidado e intimidade. Jesus propõe uma comunhão conosco. Assim como ele conhece Deus e Deus o conhece, assim ele nos conhece e quer que o conheçamos. “Conhecer” no sentido bíblico do termo, de intimidade recíproca.

Jesus fala do ladrão que tenta roubar, matar e destruir. O ladrão é o que nos Evangelhos chamam de “satanás” ou “diabo” – que não são seres, mas as nossas próprias características negativas, originadas do orgulho e do egoísmo, o apego à materialidade.

Jesus também fala do mercenário (que seria melhor traduzido como “trabalhador assalariado”) – é aquele que trabalha não por que tenha um real interesse no seu trabalho, mas apenas em troca do seu salário. Por isso ele não se arrisca por causa das ovelhas. Quando vem o lobo, ele não o enfrenta, mas foge e deixa as ovelhas serem dispersadas.

O mercenário pode ser visto, nesta análise terrena, como os religiosos profissionais, tão comuns hoje em dia, que transformaram a religião num negócio lucrativo sem nenhum compromisso com as suas ovelhas. Neste sentido, temos que rever a tradução do versículo 11: “(…) o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” – a palavra grega traduzida como “vida” é psique (ψυχη), que às vezes é traduzida como “alma”. O verbo é thitémi (τιθημι), que quer dizer “colocar”, “aplicar”, e não didómi (διδωμι), que quer dizer “dar”. A melhor tradução então é “o bom pastor aplica a sua psique em favor das ovelhas”. Trazendo isso para os dias de hoje, o bom evangelizador é aquele que consegue aplicar o melhor da sua psique em favor do entendimento do próximo, daqueles que estejam dispostos a se espiritualizarem.

O fato de não entrar pela porta também pode ser visto como as facilidades que buscamos – os truques, as fórmulas mágicas, qualquer coisa que não exija esforço. Isso serve para nós mesmos e para as nossas atitudes em relação aos outros. É mais comum do que se pensa fazermos caridade ao contrário. Quem tem condições de fazer por si mesmo deve fazer por si mesmo – não podemos gerar facilidades artificiais para o próximo. As muletas que oferecemos roubam a capacidade do próximo de manifestar integralmente a sua força interior.

Referindo-se a esse tipo de salvação, é que Jesus disse: “(…) aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas” – apenas como exemplo: há pessoas que nos pedem oração. Se uma pessoa deposita confiança em nós para fazermos uma oração por ela, tudo bem, nós oramos por ela – mas ela também deve orar. Não se pode passar adiante a responsabilidade sobre si mesmo, não é possível terceirizar a oração.

Também é muito comum que pais façam pelos filhos o que os filhos têm condições de fazer por si mesmos. Oferecem facilidades aos filhos e depois se queixam de que eles não sabem fazer nada sozinhos. Isso é caridade ao contrário – é que ensinar os filhos pequenos dá mais trabalho do que fazer as coisas por eles. Quem planta colhe.

“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” – este versículo e os que lhe seguem fazem referência ao capítulo 34 de Ezequiel.

A expressão “dou a minha vida” é repetida nos versículos 15 e 17, onde Jesus diz: “(…)dou a minha vida para tornar a tomá-la” – essa afirmação parece não fazer o menor sentido. Mas o bom evangelizador aplica os melhores recursos da sua psique em favor do entendimento do próximo, e esses recursos retornam a ele – não se perdem, pelo contrário, se expandem, pois é dando que recebemos, e é ensinando que aprendemos.

Numa análise mais profunda, o Cristo coloca a sua vida (ou a sua “alma”) em todos os seres, pois o Cristo é a manifestação de Deus no mundo sensível e Deus está em tudo e em todos. E quando as creaturas de Deus, após bilhões de anos de evolução, desenvolvem o seu Cristo interno, acontece a conexão ou a reconexão com o Cristo cósmico, com a manifestação de Deus no Universo.

É este o simbolismo da cura do cego de nascença com saliva e pó da terra. Jesus, que representa o Cristo, a manifestação de Deus no mundo sensível, misturou a sua saliva, a sua substância essencial, ao pó da terra, e untou os olhos do cego. O Evangelho é composto por símbolos. Uma interpretação terrena, superficial, não se sustenta por muito tempo.

No versículo oito, por exemplo, Jesus diz: Todos quantos vieram antes de mim são ladrões e salteadores; mas as ovelhas não os ouviram” – algumas traduções tentam amenizar o teor dessa declaração, mas o texto grego é claro: προ εμου quer dizer “antes de mim”.

Jesus está dizendo que todos que vieram antes dele são ladrões e salteadores. Pode-se alegar que Jesus esteja se referindo aos falsos messias que se apresentaram por aquele tempo, mas a sua declaração abrangeria também Moisés e aos profetas. E, no entanto, Jesus serve-se deles, dos seus exemplos, das suas leis e ensinamentos.

Como temos sustentado ao longo deste estudo, os discursos de Jesus, presentes no Evangelho de João, são palavras do Cristo. Não é o homem Jesus que fala como homem – é o Cristo, a manifestação de Deus no mundo sensível, que todos temos dentro de nós. Jesus desenvolveu plenamente o seu Cristo interno, Jesus tornou-se instrumento de Deus, veículo de manifestação de Deus, e é nesta qualidade que ele se dirige a nós.

Antes de Jesus houve outros profetas, outros avatares, grandes sábios benfeitores da humanidade. Mas não é disso que Jesus está falando. Ele fala como o Cristo, então se refere ao Cristo. Nada há de realmente verdadeiro além do Cristo. Todas as boas qualidades que desenvolvemos, o bem que fazemos, nossos aprendizados, as doutrinas que professamos, tudo isso é válido e necessário como um treinamento, como um preparo multimilenar para a descoberta e o desenvolvimento do nosso Cristo interno. Mas só o que realmente importa é o Cristo que habita dentro de nós.

Foi isso que Jesus disse a Marta, irmã de Maria e Lázaro, no Evangelho de Lucas. Jesus estava na casa de Maria e Marta. Enquanto Maria estava próxima de Jesus, ouvindo Jesus, Marta estava ocupada com as atividades domésticas, e reclama a Jesus, perguntando se ele não se importava de ver Maria parada enquanto ela cuidava dos afazeres domésticos sozinha. Jesus diz:

 “Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária; e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”. (Lucas 10:41,42)

Estamos muito longe de nos integrar ao Cristo – então é claro que todos os nossos esforços para nos elevar espiritualmente são importantes. Mas os aspectos morais dizem respeito ao nosso ego, à nossa personalidade. Os espíritos bons que conhecemos, que se comunicam nos centros espíritas ou através de livros psicografados, ainda estão ligados ao ego, à personalidade. Ainda têm um nome, ainda têm uma aparência corporal, têm seus vínculos afetivos a resolver, ainda estão ligados à materialidade, embora num grau menor que a maioria de nós.

Mas tudo isso ainda é ilusório. É a isso que Jesus chama de ladrões e salteadores. Aos aspectos materiais, ao nosso ego, ao apego às nossas opiniões, doutrinas e crenças, a tudo que ainda nos prende à matéria. Tudo isso nos rouba, nos toma à força da nossa verdadeira natureza, da nossa individualidade divina. Tudo o que vem antes do Cristo nos separa do Cristo, nos toma da nossa natureza crística.

“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas” – tanto a porta das ovelhas como o bom pastor são o Cristo. Só o que é divino pode acessar a nossa natureza divina. Tudo o que envolver o ego, a nossa personalidade egoística, que vê para fora e não para dentro, está nos roubando, nos apartando do Cristo interno.

“Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens” – entrará e sairá: terá a verdadeira liberdade. Quanto mais evoluímos mais livres somos. Podemos pensar que temos muita liberdade, mas é só ilusão. Somos escravos dos nossos hábitos, e nossos hábitos mentais ainda são muito negativos. Nosso padrão de pensamentos é limitador e cheio de medos.

“Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas” – a ovelha é o espírito, o pastor é o Cristo e o mercenário são as diversas personagens que animamos ao longo de inúmeras existências. A personagem (personalidade, ego) que é transitória, quando vê vir o lobo (os perigos e dificuldades de qualquer tipo) foge e deixa a ovelha (o espírito), afasta-se da individualidade, da nossa natureza íntima. Então nem nos damos conta de que somos espíritos, vivemos como se fôssemos um corpo de carne comandado pelas secreções do cérebro.

Quando Jesus mandou os seus doze apóstolos em missão ele disse: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e inofensivos como as pombas.” (Mateus 10:16)

Não apenas inofensivos como as pombas, mas prudentes como as serpentes. Jesus não nos aconselhou a ser bobos dos outros. Para lidarmos com lobos não podemos ser bobos. Temos que agir com boa intenção, mas sem perder de vista com quem nós estamos lidando.

“Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor” – aqui pode haver uma referência aos espíritos desencarnados, que não estão neste plano físico. Mas também é possível que Jesus esteja se referindo aos espíritos pertencentes ao seu grupo que não estão no planeta Terra. Sabemos que muitos espíritos já alcançaram um nível de evolução muito superior ao nosso e continuam suas experiências em outros planetas. Atualmente, quando vivemos um período de transição planetária, estes espíritos estão voltando a reencarnar na Terra para acelerar o processo de transição. A Terra deixará de ser um planeta de provas e expiações para se tornar um planeta de regeneração.

Se aceitarmos essa hipótese, temos que aceitar que isso abrange o versículo 26, que veremos a seguir, em que Jesus, dirigindo-se àqueles que não aderiram a ele, e que o acusavam de ter demônio, diz que eles não eram das suas ovelhas. Neste caso estes espíritos não pertencem ao grupo de Jesus, sua evolução não se dá juntamente conosco – estão exilados na Terra, mas não permanecerão aqui.

Mas a interpretação mais abrangente desta parábola se refere ao nosso mundo interior. O ensino é do Cristo – o Cristo está dentro de nós, então o rebanho do Cristo também está dentro de nós.

O pastor é a nossa consciência, onde estão gravadas as Leis de Deus; e as ovelhas são os nossos pensamentos, sentimentos e energias. Todo o cuidado que o pastor tem com as ovelhas é o cuidado que a consciência tem com tudo o que se passa em nosso íntimo.

“Na verdade, na verdade vos digo que aquele que não entra pela porta no curral das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta é o pastor das ovelhas” – os pensamentos, sentimentos e energias que não estão de acordo com as Leis de Deus não nos acrescentam nada – pelo contrário, nos prejudicam, roubam nossas energias. O que está de acordo com as Leis de Deus é a própria consciência.

“A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz, e chama pelo nome às suas ovelhas, e as traz para fora. E, quando tira para fora as suas ovelhas, vai adiante delas, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” – o porteiro é a mente, que se abre para a consciência. Os pensamentos, sentimentos e energias ouvem a voz da consciência e a consciência dá nome a todos os seus pensamentos, sentimentos e energias e os traz para fora, os externaliza e eles a seguem, estão com ela – nosso campo eletromagnético é exatamente a soma dos nossos pensamentos, sentimentos e energias.

  1. Tornou, pois, a haver divisão entre os judeus por causa destas palavras.
  2. E muitos deles diziam: Tem demônio, e está fora de si; por que o ouvis?
  3. Diziam outros: Estas palavras não são de endemoninhado. Pode, porventura, um demônio abrir os olhos aos cegos?

“Está fora de si” é a tradução de mainetai (μαινεται), indicativo presente, na voz média ou passiva, terceira pessoa do singular do verbo mainomai (μαινομαι) de onde vem as palavras “mania” e “maníaco”. É comum, ainda hoje, que as mentes fechadas acusem aqueles que o seu pequeno alcance mental não é capaz de compreender de “maníaco”, ou “louco” ou “endemoniado”. Se nós, reles evangelizador, somos premiado com essas palavras, o que poderíamos esperar que dissessem de Jesus?

  1. E em Jerusalém havia a festa da dedicação, e era inverno.
  2. E Jesus andava passeando no templo, no alpendre de Salomão.
  3. Rodearam-no, pois, os judeus, e disseram-lhe: Até quando terás a nossa alma suspensa? Se tu és o Cristo, dize-no-lo abertamente.

“Terás a nossa alma suspensa” equivale a dizer “nos manterá em expectativa”. 

  1. Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo tenho dito, e não o credes. As obras que eu faço, em nome de meu Pai, essas testificam de mim.
  2. Mas vós não credes porque não sois das minhas ovelhas, como já vo-lo tenho dito.

É evidente que Jesus fala em nome do Cristo que habita dentro de cada um de nós. As obras, as ações, as realizações do Cristo em nós, manifestando Deus, testificam dele.

Jesus não está buscando reconhecimento. Precisamos desconstruir a imagem do Jesus milagreiro. Em todos os tempos, em todas as partes do mundo foram registrados fenômenos inexplicáveis pela ciência produzidos por pessoas de todos os tipos. Não são esses fenômenos que fazem Jesus especial, mas o seu Evangelho.

  1. As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem;

Quem já despertou suficientemente a sua consciência, está receptivo ao seu Cristo interno, ouve a sua voz.

  1. E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão.

Já sabemos que “vida eterna” não quer dizer “viver para sempre”. Aiónios (αιωνιος) não quer dizer “eterno”, é um termo muito mais abrangente. Falar em vida eterna como viver para sempre é uma simplificação. Como o ser humano sempre teve medo da morte, nada mais atraente do que falar em vida eterna. Mas os mesmos que falam em vida eterna são os que acreditam no castigo eterno. Se existe castigo eterno, qual é a validade de uma promessa de vida eterna no sentido de viver para sempre? Todos vivem para sempre. Somos espíritos imortais.

Mas para favorecer a ideia simplificada de vida eterna, traduziram o verbo apollumi (απολλυμι) como “perecer” – é um entendimento muito simplista: Jesus dá a vida eterna às suas ovelhas e as suas ovelhas não perecem. Apollumi quer dizer “perder”: “dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de se perder, e ninguém as arrebatará da minha mão” Observe o contexto: se ninguém as “arrebatará” da mão de Jesus é porque elas não irão se “perder” – não tem nada a ver com “perecer”. Traduziram como “perecer” só para simplificar o conceito de vida eterna como um presente, uma “graça”.

A chamada vida eterna é a vida sem interrupção, a vida sem solução de continuidade, a vida permanentemente consciente. Somos espíritos imortais, mas o fato é que ainda morremos cada vez que reencarnamos. Não morremos quando desencarnamos. O espírito que desencarna razoavelmente esclarecido continua sendo exatamente como era quando encarnado. Pode mudar a sua aparência, de acordo com a imagem que faz de si mesmo, mas continua sendo a mesma pessoa, a mesma personalidade, continua vinculado a uma família, a um grupo de pessoas, atende por um nome, se identifica com as experiências que viveu no plano físico.

Quando ele reencarnar vai perder temporariamente essa memória. Aí é que a personagem morre. O espírito vai ter outros pais, outra família, outro corpo, outro nome, outra cultura, outras condições de vida, outra história, outra personalidade, vai interpretar outra personagem. E raramente, em nosso estágio evolutivo, a nossa lembrança, depois de desencarnados, remonta a outras existências, a um passado muito distante. A vida eterna de que Jesus nos fala neste Evangelho pressupõe a manutenção da consciência através das existências.

  1. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai.
  2. Eu e o Pai somos um.

“Eu e o pai somos um”: esta é uma das passagens que aqueles que acreditam que Jesus é Deus, o próprio Deus Creador do Universo, reivindicam como prova. Jesus é “um com Deus” não porque seja Deus. Jesus diz mais de quarenta vezes que “o Pai o enviou”. Só é enviado quem é subalterno. O soldado não manda o capitão cumprir uma missão. Jesus é “um com Deus” porque desenvolveu plenamente o seu Cristo interno, a sua partícula de luz divina, o seu Logos.

Como está escrito em 1:14, “o Logos ergueu tabernáculo em nós”. Compete a cada um de nós, numa jornada multimilenar, desenvolver o nosso Cristo interno e tornar-se “um com Deus”. Todos chegaremos a esse estágio. Quanto tempo isso vai levar? Não sabemos. Mas esse é o destino de todos nós. É isso que Jesus nos diz no capítulo 17:

“(…) Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós” (João 17:11).

“Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um” (João 17:21,22)

  1. Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejar.
  2. Respondeu-lhes Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas procedentes de meu Pai; por qual destas obras me apedrejais?
  3. Os judeus responderam, dizendo-lhe: Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo.
  4. Respondeu-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses?
  5. Pois, se a lei chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida, e a Escritura não pode ser anulada,
  6. Aquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?

“(…) Tenho-vos mostrado muitas obras boas procedentes de meu Pai (…)” – Jesus nos ensinou que se conhece a árvore pelos seus frutos. Uma árvore má não pode dar bons frutos. É pelas ações que conhecemos, realmente, as pessoas.

“(…) Não te apedrejamos por alguma obra boa, mas pela blasfêmia; porque, sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo” – assim como hoje grande parte dos cristãos acredita que Jesus é Deus, o próprio Deus Creador do Universo, assim entenderam os judeus que discutiam com Jesus.

Jesus disse: “Eu e o pai somos um” – Jesus e Deus estavam em uníssono, numa mesma vibração. Mas Jesus não disse que era Deus, o Creador, o Absoluto. O infinito não pode finitizar-se. Jesus então cita o salmo 82:6. Este salmo começa dizendo que “Deus julga no meio dos deuses”. E o versículo 6 diz: “Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo”. O salmista está se referindo aos juízes do povo (Êxodo 21:6 e 22:8,28). Os juízes eram antigos governantes. Sansão, por exemplo, era um juiz. Jesus concorda com o salmista, pois diz que a escritura não pode ser anulada.

Jesus não está afirmando aqui que nós somos deuses assim como Deus Pai. De jeito nenhum. Mas nós somos da mesma natureza que Deus, pois Deus nos creou à Sua imagem e semelhança. Neste sentido, nós somos deuses. Em 4:24 Jesus diz que “Deus é Espírito”. Essa é a definição que Jesus faz de Deus: “Deus é Espírito”. Sendo Deus espírito, nós somos espíritos, pois somos imagem e semelhança de Deus.

Aliás, é bom que se diga que no Antigo Testamento – as “escrituras” referidas por Jesus – “deuses” e “espíritos” são a mesma coisa. A palavra hebraica elohim, que é traduzida como “deus” ou como “deuses”, aparece mais de 2.500 vezes no Antigo Testamento. Elohim tanto se refere a Deus, como aos deuses dos outros povos, como aos governantes, como a Moisés, como a espíritos desencarnados. Os povos antigos chamavam de “deuses” quaisquer espíritos que lhes parecessem poderosos. Na Bíblia isso é tão comum, tão abundante, que dispensa qualquer citação.

Aliás, o próprio Javé, aquele que falava com Moisés, não é Deus Pai, não é o Deus Creador. Deus não faz acepção de pessoas, e Javé era deus de um povo; aliás, um deus sanguinário, ciumento e exageradamente humano. Javé era o espírito protetor do povo israelita. Em 1:18 está escrito que nunca ninguém viu Deus, mas Moisés falava com Javé face a face (Êxodo 33:11).

Isso não é uma tese defendida por nós, não é uma declaração polêmica, nada disso – para constatar isso não precisa nem estudar a Bíblia – basta ler a Bíblia e comparar Javé com o Deus Pai apresentado por Jesus. Javé, como espírito guia do povo israelita, teve uma grande importância para o desenvolvimento posterior da imagem de Deus, mas ele não era Deus.

Filo de Alexandria, já no tempo de Jesus, propôs uma leitura simbólica das escrituras. Como simbolismo o deus do Antigo Testamento é Deus, não há dúvida nenhuma. Analisada em seus simbolismos o Antigo Testamento é riquíssimo em espiritualidade. Mas numa leitura ao pé da letra, como fazem os fundamentalistas, defender que Javé seja Deus é insustentável.

  1. Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis.
  2. Mas, se as faço, e não credes em mim, crede nas obras; para que conheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu nele.

Temos que lembrar o melhor significado de algumas palavras.

Nestes dois versículos o verbo pisteuó (πιστευω) aparece quatro vezes. O melhor significado para pisteuó, aqui, é sintonizar.

Ergon (εργον), traduzido como “obras” quer dizer também “ação”, “trabalho”, “realização”.

“Conhecer”, como já vimos, no contexto bíblico pressupõe intimidade, reciprocidade, contato, uma relação pessoal entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido.

Jesus simboliza o Cristo que todos temos dentro de nós.

O Cristo está ordenando que não sintonizemos com ele se ele não fizer as ações do Pai, ou seja, se ele não manifestar Deus.

Mas, se o Cristo se manifestar através de realizações e nós não conseguirmos sintonizar com ele, ou seja, se não conseguirmos nos elevar suficientemente a ponto de sentir o Cristo que habita dentro de nós, devemos sintonizar com as próprias realizações, para que haja essa relação de intimidade que é o pleno conhecimento do nosso Cristo interno.

“(…) para que conheçais e acrediteis que o Pai está em mim e eu nele” – a conjunção hoti (oτι), traduzida como “que”, serve também para introduzir discurso direto. Podemos traduzir assim: “para que conheçais e sintonizais: o Pai em mim e eu no Pai”. Isso é uma técnica de mentalização ensinada por Jesus e melhor enfatizada em 14:10-11

  1. Procuravam, pois, prendê-lo outra vez, mas ele escapou-se de suas mãos,
  2. E retirou-se outra vez para além do Jordão, para o lugar onde João tinha primeiramente batizado; e ali ficou.
  3. E muitos iam ter com ele, e diziam: Na verdade João não fez sinal algum, mas tudo quanto João disse deste era verdade.
  4. E muitos ali creram nele.

Mais uma vez neste Evangelho notamos que o seu autor faz questão de enfatizar o papel coadjuvante de João Batista. Este Evangelho foi escrito na cidade de Éfeso, e é possível que na época em que ele foi escrito ainda houvesse mais discípulos de João Batista na cidade do que discípulos de Jesus (Atos dos Apóstolos, 19:1-7).

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