O espírita na sociedade pode se tornar uma espécie de referência moral, mesmo que esta não seja a sua intenção.
Imagino que você seja espírita, já que este site trata quase que exclusivamente de temas ligados ao espiritismo. Se você é espírita, e se assume como espírita, e todos sabem que você é espírita, você provavelmente tenta colocar em prática os ensinamentos cristãos propagados e estudados pelo espiritismo.
Você se torna uma espécie de referência em assuntos morais, mesmo que esta não seja a sua intenção. As pessoas que conhecem o espiritismo superficialmente acham que você é moralmente superior, um monge tibetano em trajes comuns. Quando as pessoas que estão com você criticam algo ou alguém e você concorda com eles, logo alguém diz: “Viu? Até ele, que é espírita, também critica.”
A vida de um espírita é a vida de um ser humano encarnado na Terra. Ou seja, é a vida de qualquer pessoa, de uma pessoa como qualquer outra. Há alguma diferença em relação às outras pessoas? Talvez. Mas essa diferença não é por espírita, é uma atitude individual. Essa atitude pode ser influenciada pelo espiritismo, mas deve partir de cada um. Há pessoas de todas as religiões, de todas as crenças e também ateus que se destacam pelas suas atitudes positivas em relação à vida. O espírita não é um privilegiado.
Há poucas pessoas realmente superiores em suas posturas. É raro se deparar com alguém que já tenha superado as fraquezas morais que predominam na Terra. De vez em quando conhecemos alguém assim, mais calmo, mais sábio, paciente, sorridente. À primeira vista parece que essa pessoa não tem problemas. Quem a conhecer mais profundamente saberá que essa pessoa vive dramas tão complicados quanto qualquer ser humano.
A maior parte dos espíritas que passam a imagem de pessoas melhores estão apenas no estágio das tentativas. É o meu caso. Tento, todos os dias, ser alguém melhor. Mas estou longe, muito longe de me destacar pela superioridade moral. Sei que às vezes pareço já ter alcançado esse nível mais elevado. Sinal de que estou no caminho. Já sei como devo ser, falta sê-lo. Chegarei lá.
Em situações menos fáceis, quando fica evidente que tenho fraquezas, que ainda não sou páreo pra Mahatma Ghandi ou Chico Xavier, tenho que me sujeitar a ouvir: “Mas tu não és espírita?”
Que bom ser reconhecido! Que bom que esperam de mim atitudes superiores! Que bom que às vezes sou tido como referência! Há maneira mais eficaz de cobrar a si mesmo? Que bom que não me deixam esquecer meus propósitos. A estrada que sigo é de mão única, não há retorno…
Um amigo homeopata, que também é espírita, com quem consultei algumas vezes, me alertou para o cuidado que devemos ter com a hipocrisia. Escrevo um monte de coisas bonitas, chamo a atenção para uma série de pensamentos e atitudes e comportamentos ideais. Na visão desse amigo, talvez daqui a algum tempo eu pudesse me arrepender de algumas coisas que escrevo. Talvez daqui a algum tempo eu pudesse me dar conta de que não sou capaz de praticar tudo o que escrevo. Talvez um dia eu me achasse hipócrita por pregar aos outros algo que estou longe de dominar.
Respeito a opinião dele, que não é só dele, é de outros também. Não só respeito como agradeço o cuidado, agradeço a coragem e lealdade em me alertar para um possível perigo. Acontece que procuro deixar claro, neste espaço de reflexão, que sou apenas um aprendiz. Que tento praticar tudo o que escrevo. Que a cada dia pretendo aprender mais, refletir mais e ser melhor.
Se não sou tudo o que aparento ser, não é por hipocrisia ou por fingimento. O que aparento ser é a melhor versão de mim mesmo, o que aparento ser é o que consigo fazer de melhor com a experiência e o conhecimento que já adquiri. Que é pouco, mas que eu valorizo muito.