Muitas pessoas, ainda hoje, pensam que basta crer no nome de Jesus, ou no sangue de Jesus, para ser salvo. Não podemos afirmar que estas pessoas estejam erradas. Afinal, essa crença se embasa na Bíblia. O que está errado, e isso nós podemos afirmar com convicção, é a tradução que converte a palavra grega pistis, que quer dizer “fidelidade”, em “crença”, que é apenas um dos muitos atributos da fé ou fidelidade. Este é o tema deste vídeo. Se preferir, leia o texto logo abaixo.
Será que basta crer no nome de Jesus para ser salvo? Ou é preciso ter fé em Jesus (ou no nome de Jesus) para ser salvo? Fé e crença são a mesma coisa?
Existe uma grande confusão entre fé e crença, e essa confusão leva a uma má interpretação daquilo que está escrito na Bíblia, que muitos levam ao pé da letra. Então vamos falar um pouco sobre a fé, a mãe de todas as virtudes.
Allan Kardec tem uma frase a respeito da fé que diz mais ou menos assim: “Fé inabalável é aquela fé que pode encarar de frente à razão em qualquer época da humanidade”.
Será que algum de nós tem uma fé que seja realmente inabalável?
Cada um de nós tem a fé que conseguiu desenvolver até hoje. Através de inúmeras existências nós vamos adquirindo conhecimentos e experiências e consolidando nosso aprendizado espiritual.
Nós dizemos aprendizado espiritual nos referindo àquele aprendizado que é incorporado aos valores do espírito, porque muitas coisas que aprendemos aqui no mundo material não têm grande utilidade em termos espirituais. É bastante comum nós vermos pessoas que se dedicam integralmente à sua profissão, fazem do seu desenvolvimento profissional o seu grande objetivo de vida, ou então que canalizam todos os seus interesses, todas as suas energias no estudo acadêmico, e o resultado, o fruto dessas profissões, desses estudos, nem sempre agrega valores ao espírito.
É claro que nós temos que reconhecer que toda a atividade útil é trabalho, e o trabalho nos ensina a disciplina – mas a verdade é que nós dedicamos grande parte do nosso tempo a coisas que não acrescentam nada à nossa bagagem espiritual, e é exatamente por isso, por esse mal aproveitamento do tempo que é colocado à nossa disposição que nós precisamos de muitas existências.
Em cada existência, em cada reencarnação, se soubermos aproveitar as oportunidades que nos são concedidas pela infinita misericórdia de Deus, nós acrescentamos algo de valor ao espírito. E a soma desses valores, a soma desses conhecimentos e experiências adquiridos, existência após existência, é que nos proporciona essa riqueza que se chama fé – e é por isso que a fé não se transmite de uma pessoa para outra; como diz André Luiz: “a fé viva não é patrimônio transferível, é conquista pessoal”.
Nosso amado mestre Jesus, nosso modelo e guia, nos falou muitas vezes a respeito da fé. Nós vemos nos Evangelhos que várias vezes, depois de alguém ser curado através de Jesus, Jesus diz: “a tua fé te salvou.”
Nós também vemos muitas referências à fé, no Novo Testamento, através do apóstolo Paulo – o maior propagador do cristianismo, nos seus primórdios, foi o apóstolo Paulo.
Paulo fundou uma série de comunidades cristãs, e se comunicava com essas comunidades através de cartas. Algumas dessas cartas chegaram até nós – são as epístolas de Paulo, que compõem o novo testamento. E nestas cartas é possível perceber, em alguns momentos, que Paulo dava muita ênfase à fé, chegando a afirmar que o que salva é a fé – e essa salvação pela fé gera, até hoje, muita polêmica. Por causa disso, muitas pessoas pensam que basta crer para ser salvo – mas nós vamos ver que fé e crença não são exatamente a mesma coisa, e isso explica tudo.
O Espiritismo diz que “fora da caridade não há salvação”, então para o Espiritismo – pelo menos a princípio – o que salva é a caridade; a caridade é uma condição imprescindível para se alcançar a salvação.
Os nossos irmãos protestantes, e atualmente os chamados evangélicos (nós dizemos “os chamados evangélicos” porque há muitos grupos que se autodenominam de evangélicos, e alguns deles, talvez uma minoria, seja composta de pessoas que seguem mais aqueles princípios do Antigo Testamento – se autodenominam evangélicos mas não seguem exatamente os ensinamentos contidos nos Evangelhos, então essa denominação de “evangélico” não se aplica a todos), afirmam, sustentam, baseados em Paulo, que o que salva é a fé.
Desde o tempo de Paulo, isso há quase 2 mil anos atrás, já havia fortes discussões a respeito da fé. Enquanto Paulo sustentava algumas vezes que o que salva é a fé, Tiago, irmão de Jesus, nos advertia, já desde aquele tempo, de que a fé sem obras é fé morta. Tiago está nos falando da caridade, porque a fé se completa com a caridade, a fé sem a caridade não vale grande coisa. A fé só no sentido de crença – crer em Deus, crer em Jesus – não vale quase nada.
Tiago, chamado irmão de Jesus, respondendo a Paulo, diz que crer até os demônios creem em Deus – eles chamavam de demônios aqueles espíritos ainda atrasados, aqueles espíritos às vezes renitentes no mal. O fato de esses espíritos crerem em Deus não fazia deles espíritos bons – e nós vemos todos os dias no nosso cotidiano pessoas que cometem erros grosseiros contra o seu próximo e creem em Deus. Elas creem em Deus, elas acreditam em Deus, mas não têm fé – fé e crença são coisas diferentes. Muitos ainda hoje pensam que basta crer em Jesus para ser salvo, dizem que basta crer no nome de Jesus, ou que basta crer no sangue de Jesus para ser salvo.
Como espírita, não podemos acreditar nisso, porque o Espiritismo faz uso da razão, o Espiritismo é a fé raciocinada, é a fé baseada, fundamentada, alicerçada sobre a razão, e o que a razão nos diz é que cada um de nós é responsável pela própria salvação – não podemos terceirizar a responsabilidade pela nossa salvação. A salvação compete a cada um de nós, é uma conquista individual, então não podemos jogar a responsabilidade sobre a nossa salvação para cima de quem quer que seja, mesmo que seja de Jesus.
E, aliás, “salvação” talvez nem seja o termos adequado. Salvar de que? diabo não existe, inferno não existe, demônio não existe; então só se for para salvar de nós mesmos, do nosso orgulho, do nosso egoísmo, da nossa vaidade, do nosso apego excessivo à matéria – mas o fato é que nós somos responsáveis por nós mesmos, isso é que é importante, reconhecer que nós somos responsáveis por nós mesmos. Nós construímos a nossa vida todos os dias: a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
Nós vimos que Paulo dizia algumas vezes que o que salva é a fé; o Espiritismo diz que fora da caridade não há salvação, e muitos alegam que Jesus disse que basta crer em seu nome, que basta crer em Jesus para ser salvo – dizem isso baseados nas escrituras, baseados na Bíblia. Mas será que foi isso mesmo que Jesus quis dizer?
Jesus, um espírito incalculavelmente superior a nós, tão superior que muitos ainda o confundem com Deus, esteve encarnado conosco nos aturando, nos aguentando; aguentando espíritos teimosos, espíritos rebeldes como nós somos até hoje, e durante três anos de atividade pública Jesus no ensinou não apenas grandes preceitos filosóficos, não apenas grandes ensinamentos morais, mas nos ensinou com seu exemplo vivo, com o seu exemplo no cotidiano, com o seu exemplo prático. Nós encontramos, como por exemplo, no Sermão da Montanha, o maior documento espiritual da Terra, contido no Evangelho de Mateus, tudo o que nós precisamos saber para a nossa evolução espiritual.
Jesus não ia nos ensinar, durante três anos, com o seu exemplo vivo, prático, cotidiano, para depois, como se tivesse mudado de ideia, dizer: “basta crer no meu nome para ser salvo” – porque a impressão, se levarmos isso ao pé da letra, é que Jesus mudou de ideia, porque nos dá uma série de instruções sobre o que devemos fazer e depois diz “crê no meu nome e será salvo” – não é esta a impressão que dá? Como se ele dissesse: ” – Vem cá, vamos fazer o seguinte: Estou vendo que está meio difícil para vocês seguir estes ensinamentos morais, esse negócio de perdoar setenta vezes sete, de amar os inimigos; se isso está muito difícil, então vamos fazer o seguinte: crê no meu nome e está salvo. Está bom assim?”
E aí é claro que para a maioria está bom, porque aí não exige esforço, basta crer e está tudo resolvido! Mas a confusão toda está em confundir fé e crença. Fé e crença são coisas diferentes; crença qualquer um tem.
Eu, por exemplo, não entendo nada de física, não entendo nada de química, não entendo nada de biologia – mas eu creio: creio na química, creio na física, creio na biologia. Há uma série de cientistas renomados, cientistas dignos da mais alta credibilidade, que dedicam as suas vidas ao estudo da física, da química, da biologia, então mesmo sem entender perfeitamente, eu creio, eu acredito. Dizem que o homem foi à Lua: eu não vi, mas eu acredito – mas isso não é ter fé, isso é apenas acreditar. Acreditar e ter fé não é a mesma coisa nem aqui nem na China.
Nós conhecemos, seja pessoalmente, seja através da televisão ou da internet, pessoas que cometem todo tipo de erro e depois entram para alguma igreja, entram para alguma religião, se convertem, aí dizem que acreditam no nome de Jesus e pensam que estão salvos – nós sabemos que não é assim. Essas pessoas estão dando um passo importante, essas pessoas estão adotando um pensamento religioso, estão entrando em contato com o ensinamento de Jesus – mas isso, por si só, não salva.
Tudo o que nós sabemos sobre o ensinamento de Jesus está contido nos Evangelhos. E tudo o que nós precisamos saber para o nosso progresso espiritual, tudo o que nós precisamos saber para a nossa libertação está contido nos Evangelhos. Todos os outros livros – e no caso de nós, espíritas, nós temos à nossa disposição uma rica e abundante literatura – todos os outros livros têm a função de tornar mais facilmente compreensível para o nosso intelecto esse processo de conscientização que se dá através dos ensinamentos contidos nos Evangelhos.
Acontece (e nós temos que reconhecer isso) que os Evangelhos foram escritos há quase 2 mil anos. Os Evangelhos foram escritos em um idioma antigo, o grego – e não é nem o grego clássico que é falado até hoje, é o grego koiné, um dialeto.
Os Evangelhos foram escritos por pessoas que tinham costumes diferentes dos nossos, cultura diferente da nossa; muitas palavras utilizadas nos Evangelhos tinham outra conotação, outro sentido, outro significado na época em que foram escritos. Isso acontece com o nosso idioma, com a língua portuguesa. Muitas palavras que para nós, brasileiros, são consideradas palavrões, lá em Portugal, ou em Angola, que falam o mesmo idioma que nós, são palavras normais, palavras como quaisquer outras; e mesmo sem sairmos do Brasil: palavras que aqui, tempos atrás, tinham um determinado significado, uma determinada conotação, hoje ou mudaram o seu sentido, ou ampliaram o seu sentido. Tem algumas palavras que apenas olhando para elas, pensamos que já alcançamos o seu sentido, mas há muito tempo elas deixaram de significar aquilo que está contido dentro delas.
A palavra armário, por exemplo: o próprio nome está dizendo que é um móvel para guardar armas – armário; hoje ninguém mais guarda arma no armário, nem se pode mais ter arma em casa – o que já é um avanço.
Prateleira: o próprio nome está dizendo que é um móvel para guardar pratos; hoje se guarda qualquer coisa na prateleira, menos pratos.
Brigadeiro: analisando a palavra dá pra perceber que brigadeiro é o comandante de uma brigada – brigadeiro chegou a ser o mais alto posto militar. Hoje brigadeiro é um doce, e aqui no Sul, aqui em Porto Alegre onde eu vivo, nem dizemos brigadeiro, nós dizemos “negrinho”.
Agora imagine se nós formos traduzir estas palavras para outro idioma – para o inglês, por exemplo – falando de brigadeiro, negrinho: eles não vão entender nada, ou vão entender errado. Podem pensar talvez que estejamos nos referindo a um militar de alta patente, como um general, negro e baixinho: brigadeiro negrinho.
Mas o fato é que hoje nós vivemos um período privilegiado na História. A humanidade na Terra nunca teve tanto acesso ao conhecimento, tanto acesso à informação como nós temos hoje. Hoje nós temos todos os livros do mundo à nossa disposição; hoje nós temos a internet, que é uma fonte de pesquisa inesgotável. A Bíblia, por exemplo, para ficarmos no tema em que estamos trabalhando, ficou durante mais de 1500 anos nas mãos da Igreja, nas mãos de uma instituição; hoje a Bíblia está ao alcance de todos, e hoje nós podemos verificar, através do estudo e da pesquisa, o significado original, o significado verdadeiro de algumas palavras contidas na Bíblia – no nosso caso, no nosso objeto de estudo, nos Evangelhos. E a palavra de que nós estamos tratando é fé.
A palavra fé, utilizada nos Evangelhos, não tem o sentido de crença. Ela pode até ser traduzida satisfatoriamente algumas vezes como crença, mas o seu sentido original é muito mais amplo do que apenas crença.
Os Evangelhos foram escritos em grego; o idioma original dos Evangelhos é o grego. O que nós conhecemos hoje, as diversas bíblias que há a disposição hoje no mercado são traduções, e se compararmos uma tradução com a outra veremos que há grandes diferenças, porque é inevitável que cada tradutor dê uma conotação às palavras que ele traduz que esteja de acordo com seus pensamentos, com as suas ideias, as suas opiniões, a sua convicção a respeito daquele tema.
A palavra grega que é traduzida com “fé” ou como “crença” é pistis. Os tradutores do Evangelho, os tradutores da Bíblia, traduzem esta palavra grega pistis como “fé” ou como “crença”, como se fossem sinônimos, mas não são sinônimos.
Lá pelo ano 400, um pouco antes, São Jerônimo traduziu a Bíblia para o latim. Já havia algumas versões em latim, mas eram versões esparsas e havia algumas diferenças fundamentais entre elas – então São Jerônimo foi incumbido de traduzir a Bíblia para o latim. O latim passava a ser naquela época o idioma mais falado no mundo, semelhante ao que acontece com o inglês hoje, um idioma internacional. Essa tradução de São Jerônimo, conhecida como Vulgata Latina, foi utilizada durante muitos séculos pela Igreja Católica. Até uns 50, 60 anos atrás, era utilizada pela Igreja para rezar a missa – a missa, há uns 50, 60 anos atrás, ainda era rezada em latim.
Jerônimo traduziu a palavra grega pistis pela palavra latina fides, e até aí está ótimo, uma tradução perfeita. Estas duas palavras, uma grega, a outra latina, têm o mesmo significado.
Fides quer dizer fé, fidelis quer dizer fiel. Quem tem fé, então, é fiel; assim como quem tem amor é amoroso; quem tem paz é pacífico – quem tem fé é fiel, porque fé quer dizer fidelidade, lealdade. Fé não é apenas crença; a crença faz parte da fé, mas a fé de que Jesus nos fala é muito mais do que apenas crença. Fidelidade, lealdade – este é o sentido verdadeiro de fé na Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento.
O Antigo Testamento foi escrito, predominantemente, em hebraico, e a palavra hebraica para designar fé é emunah. Esta palavra, emunah, também tem este sentido de fidelidade, lealdade, confiança – e, mais ainda, obediência. Ter fé em Deus é ser fiel a Deus, é ser leal a Deus, é obedecer a Deus.
Obediência. Não adianta apenas crer. Até o diabo, se existisse, iria crer em Deus, mas não basta crer.
Mas então por que nós vemos tantas vezes o verbo “crer” nos Evangelhos, como naquela passagem que muitos gostam de citar em que Jesus diz: “quem crê no meu nome será salvo”?
O problema começou justamente com a tradução de São Jerônimo. Nós vimos que Jerônimo traduziu a palavra grega pistis pela palavra latina fides, e até aí está ótimo. Acontece que o substantivo fides não pode ser transformado em verbo, é uma palavra que não se transforma em verbo, não se converte em verbo. A palavra amor, por exemplo, uma palavra bastante conhecida na língua portuguesa, é um substantivo; e esse substantivo pode ser facilmente convertido em verbo: eu amo, tu amas, ele ama, nós amamos, vós amais, eles amam – mas isto não acontece com o substantivo fides; é uma palavra que não se transforma, que não pode ser convertida em verbo. Talvez fosse o caso de inventar; Jerônimo poderia ter criado um verbo novo, o verbo “fidelizar”, por exemplo: eu fidelizo, tu fidelizas, ele fideliza… – mas Jerônimo preferiu utilizar-se de um verbo já existente, de um verbo com sentido parecido, semelhante, com sentido correlato – embora muito mais limitado – que é o verbo “crer”, do latim credere.
Fides, que quer dizer fé, foi convertido em credere, que quer dizer crer; e desde então – isso há mais de 1600 anos atrás – fé e crença passaram a ser vistos como se fossem sinônimos, como se fossem a mesma coisa, passaram a ser pensados como se fossem a mesma coisa – e não são a mesma coisa.
Se nós levarmos em consideração o processo reencarnatório, chegamos facilmente à conclusão que nestes últimos 1600 anos nós já reencarnamos várias vezes, e em pelo menos algumas dessas reencarnações nós tivemos contato com a Bíblia, com os Evangelhos. Então essa confusão que nós fazemos entre fé e crença, isso não é de hoje, isso já vem há muito tempo.
A crença faz parte da fé. Quem tem fé tem crença. Todo mundo que tem fé tem alguma crença, mas quem apenas crê não quer dizer que tenha fé. Como no exemplo de Tiago, crer até demônios creem em Deus, mas não tem fé, porque fé quer dizer fidelidade, e estes espíritos infelizes, que no tempo de Jesus chamavam de demônios, não são fiéis a Deus – se fossem fiéis a Deus não seriam infelizes.
No livro libertação, de André Luiz (e em muitos outros livros também da literatura espírita) são citados exemplos de espíritos caídos no mal, de espíritos que operam há muito tempo nas zonas inferiores da vida, e esses espíritos acreditam em Jesus – claro que de uma forma bem diferente de nós, não são seguidores de Jesus nem pretensos seguidores de Jesus, mas acreditam em Jesus. Acreditam, mas não têm fé em Jesus, não são fiéis a Jesus, não seguem os ensinamentos de Jesus.
Fé é muito mais do que apenas crença. Fé é ser fiel, é ser leal a Deus, é obedecer à consciência, que é onde estão gravadas as Leis de Deus.
Na questão 621 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec pergunta onde estão gravadas as Leis de Deus – e os espíritos da codificação respondem: “na consciência”.
Se as Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência, e se nós temos total responsabilidade pela nossa consciência – e nós temos, nós somos 100% responsáveis pela nossa consciência – então ter fé em Deus é ser fiel à nossa consciência, é ser leal à nossa consciência, é obedecer à voz da consciência, que às vezes grita e a gente faz de conta que não ouve.
Ter fé em Deus é estar em sintonia com Deus, é viver harmoniosamente com a creação divina. Isso é ter fé, e é isso que Jesus nos diz sempre que ele se refere a fé. A tradução pode ser crença, mas esta crença tem todo esse sentido muito mais amplo, muito mais profundo de fidelidade, lealdade, obediência, sintonia, harmonia.
Crença não exige esforço. A crença cega, sem o uso da razão, não provoca mudança de atitude. Muitas pessoas creem em Deus, ou em Jesus, mas não seguem as Leis de Deus. Essas pessoas podem até alimentar uma crença cega, mas essa crença cega é uma mentalização – a crença cega é o exercício de fazer calar o raciocínio. Qualquer mago, qualquer hipnotizador, qualquer pessoa que exercite os poderes psíquicos é capaz de produzir esse tipo de crença, -mas a fé de verdade exige esforço íntimo. Fé requer atitude, fé pressupõem ação.
Se nós voltarmos agora para aquela afirmação de Jesus de que “quem crer no meu nome será salvo”, agora a coisa já muda de figura. Sabendo que crença não é apenas o que entendemos hoje como crença – porque, embora a tradução seja crença, o sentido original da palavra de Jesus é fé, com esse significado muito mais amplo de fidelidade, lealdade, obediência, sintonia, harmonia – agora a coisa já muda de figura.
Quem crê em Jesus não quer dizer que será salvo. Um espírito que permanece no erro, um espírito que ainda não se conscientizou, um espírito que ainda não despertou para a realidade espiritual não vai ser salvo só porque acredita em Jesus – mas quem for fiel a Jesus será salvo; quem for leal ao ensinamento de Jesus será salvo; quem for obediente ao exemplo dado por Jesus será salvo; quem sintonizar com Jesus será salvo; quem viver em harmonia com Jesus, com os bons espíritos trabalhadores da causa de Jesus certamente será salvo.
Mas será que é importante fazer essa distinção entre fé e crença? Será que não é suficiente apenas acreditar em Deus, crer em Deus?
É claro que nós precisamos acreditar. Todo mundo que tem fé em Deus acredita em Deus. Mas temos que ter consciência de que só acreditar não é suficiente. Deus se manifesta através de nós. Se nós temos fé em Deus, se nós estamos sintonizados com Deus, se nós vivemos em harmonia com Deus nós somos instrumentos de Deus, veículos de manifestação de Deus.
Frequentemente (no meu caso particular, quase todos os dias) nós vemos pessoas dizer: “– ah, mas Deus vai me ajudar, eu tenho muita fé em Deus, Deus vai me ajudar”.
Quando nós vemos na literatura espírita, como por exemplo nas obras de André Luiz e Emmanuel, que alguém faz uma oração, seja por si mesma, seja por outra pessoa – quem é que vem em auxilio desta pessoa que faz a oração? Não são os espíritos que simpatizam com esta pessoa, espíritos que se interessam por esta pessoa? Não são os bons espíritos, es espíritos protetores, os espíritos trabalhadores da causa de Jesus? Ou será que é Deus que age diretamente?
Deus age sobre os espíritos através dos espíritos. Nós somos ajudados pelos nossos semelhantes e devemos ajudar os nossos semelhantes, ou seja: somos espíritos, somos ajudados por espíritos e devemos ajudar os espíritos, encarnados ou desencarnados. É assim que progredimos, é assim que entramos em harmonia com as Leis de Deus; e isso é ter fé – ser fiel às Leis de Deus, estar em harmonia com as Leis de Deus.
Ter fé não é só crer. Ter fé não é só acreditar. Nós temos que acreditar sabendo que Deus está sempre com as suas mãos abertas despejando as suas dádivas, despejando as suas bênçãos sobre nós; nós é que muitas vezes não estamos dispostos a receber, nós é que muitas vezes não estamos receptivos, nós é que muitas vezes é que não abrimos as nossas mãos para receber. A mesma mão que se abre para dar é mão que se abre para receber.
Pedimos uma infinidade de coisas. A gente começa a rezar e aquilo parece uma lista de supermercado. Tem gente que reza até pelo cachorro e pelo gato – nada contra o cachorro e o gato, pelo contrário; os animais são os nossos irmãos, os animais estão aqui na Terra para progredirem conosco, mas somos nós que devemos ajuda-los. Deus já fez a parte dele. Deus concedeu aos animais um ser superior a eles para ajudá-los na sua evolução, para ajudá-los no seu progresso. Somos nós, nós mesmos, que devemos ajudar os animais – a ajuda que Deus concede aos animais somos nós mesmos.
A ajuda de Deus está sempre à nossa disposição. Deus é a perfeição, Deus é tudo de bom. O que nós precisamos fazer, então, é estar em harmonia com Deus. O Creador age através das suas creaturas, nós temos dentro de nós mesmos totais condições para ser mais felizes, mais pacíficos, mais pacificadores. E assim como nós devemos ajudar os animais, tratando eles com carinho para que eles progridam de forma positiva; assim como nós cuidamos dos nossos filhos, ou de outras crianças que são colocadas sobre os nossos cuidados, orientando essas crianças até que elas tenham condições de seguirem seu próprio caminho; assim também nós temos espíritos mais elevados que nós, mais experientes, mais esclarecidos que nós, que se disponibilizam para nos ajudar. Somos nós que devemos sintonizar com eles.
Uma criança vê um adulto que ela admira e pensa: “quando eu crescer quero ser que nem ele’’. Se essa criança for uma criança com iniciativa, ela vai começar a imitar esse adulto. Para nós alcançarmos um grau maior de entendimento, de felicidade, de paz, nós devemos imitar esses espíritos mais elevados que nós, mais esclarecidos, mais experientes que nós; devemos sintonizar com eles. Essa sintonia se dá através da nossa mente. Nossa mente é emissora e receptora de ideias, pensamentos, ideais, anseios, desejos, intenções. Somos nós que decidimos com o que vamos sintonizar.
Eu não acompanho mais futebol faz alguns anos, mas eu sei que há três rádios, aqui em Porto Alegre, três emissoras de rádio em Porto Alegre que transmitem futebol: a Gaúcha, 600 khz; a Bandeirantes, 640 khz; e a Guaíba, 720 khz. Se eu quiser ouvir o jogo eu tenho que sintonizar com uma destas três rádios. Não adianta eu sintonizar com Itapema, Ipanema, Continental, Caiçara. O rádio está aqui à minha disposição, eu decido com o que quero sintonizar. Todas as emissoras de rádio de Porto Alegre estão emitindo os seus sinais neste momento, os sinais estão pelo ar, estão à minha disposição. Com o aparelho receptor de rádio eu sintonizo com a emissora de minha preferência. O mesmo acontece com a nossa mente – os pensamentos de todos os espíritos encarnados e desencarnados está pelo ar, nós vamos sintonizar com aquilo que nós quisermos. Esta decisão compete a cada um de nós, e esta sintonia se dá através do nosso pensamento. Somos nós que escolhemos, somos nós que decidimos.
Para entrar em sintonia com os bons espíritos, para viver em harmonia com as Leis de Deus, eu tenho que, em primeiro lugar, escolher – é uma escolha. E, a partir daí, controlar os meus próprios pensamentos, porque é através dos meus pensamentos que vou sintonizar com os pensamentos alheios, de encarnados e desencarnados. Para isso devo seguir a orientação de Jesus: orai e vigiai. Orar para elevar nossa vibração, e vigiar os próprios pensamentos. E a melhor maneira de fazer isso naturalmente é sendo grato a Deus – não existe meio mais natural de viver em harmonia com Deus, de ser receptivo a Deus, de viver a verdadeira fé em Deus do que ser grato. O sentimento de gratidão nos faz receptivos a Deus.
Temos motivos para ser gratos todos os dias. Temos que agradecer todos os dias, pela família, pelo trabalho, pelos vizinhos, pelos colegas, pela saúde, pela vontade de viver; temos que agradecer pelas coisas boas que temos e pelas coisas boas que queremos ter. Todos os dias, por mais difícil que tenha sido o dia, todos os dias há coisas boas para agradecer. Cada dia é uma nova oportunidade. Se fizemos errado ontem, hoje podemos fazer o certo, e o certo é exercitar a nossa fé, com pensamentos, palavras e ações – sem esquecermos das ações. Pensamentos e palavras são importantíssimos, mas estamos encarnados, estamos aqui no plano material para agir neste plano material, precisamos de ação.
O lema do Espiritismo é “fora da caridade não há salvação’’ – a caridade é a fé colocada em prática, porque fé é fidelidade, ter fé no mestre é ser fiel ao mestre, é seguir os ensinamentos do mestre, é fazer o que o mestre faz. Se nós temos fé no mestre Jesus, sabendo que fé é fidelidade, temos que fazer o que Jesus fazia.
Isso parece pretensão demais para você? Mas isso não é ideia minha, foi Jesus mesmo que disse que podemos fazer as mesmas coisas que ele fazia, e até maiores. É claro que não temos esse poder hoje, mas temos que começar a desenvolvê-lo desde já.
Jesus também nos disse que pelo fruto se conhece a árvore – então, se nós temos fé em nosso coração, se nós temos fé em nosso íntimo, o fruto dessa fé deve ser a prática, e essa prática é a caridade. E para nos manter focados nisso, para termos isso sempre em mente, precisamos estudar o Evangelho, praticar o Evangelho no lar, formar grupos de estudo do Evangelho, estudar o Evangelho segundo o Espiritismo, estudar os Evangelhos contidos no Novo Testamento: o Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas e João. Precisamos saturar a nossa mente com os ensinamentos de Jesus.
No nosso estágio evolutivo, nós precisamos de hábitos. Podemos dizer que somos escravos de nossos hábitos; o Evangelho tem que ser um hábito. Nós somos seres de hábitos (pelo menos ainda), todos os dias nós fazemos as mesmas coisas – todos os dias nós acordamos, lavamos o rosto, escovamos os dentes, tomamos café, trocamos de roupa, vamos para o trabalho, depois almoçamos, trabalhamos de novo, voltamos para casa, tomamos banho, trocamos de roupa, depois jantamos, televisão, rádio, internet, enfim, todos os dias as mesmas coisas – isto são hábitos, e o Evangelho deve ser um hábito. Quando temos um contato frequente com o Evangelho, nós temos melhores condições para pensar, falar e agir corretamente nos mais diversos acontecimentos do dia-a-dia.
Ter fé é ser fiel. Se temos fé em Jesus temos que ser fieis a Jesus. Para sermos fieis a Jesus temos que conhecer o seu ensinamento – como é que vamos ser fieis a um mestre se não conhecemos os ensinamentos desse mestre?
Temos que conhecer os ensinamentos de Jesus. Temos que ter intimidade com os ensinamentos de Jesus.