Divaldo Pereira Franco é um dos maiores nomes do Espiritismo – e o maior espírita em atividade.
Divaldo é o responsável por uma obra considerável: muitos livros, muitas palestras e conferências e uma obra assistencial de vulto.
Nós sabemos que o Divaldo não é mais um menino e que, como todos nós, vai morrer.
Antes que você me corrija, eu estou falando em morrer, mesmo; não em desencarnar. Eu espero que quando chegar a hora do Divaldo, ele morra – que a personagem construída por ele morra.
Eu explico.
A tendência para quase todos nós, espíritos apegados à matéria, quando o corpo físico morre, é nós desencarnarmos, ou seja, nos desligarmos da carne, mas permanecermos assumindo a mesma personalidade que construímos em nossa última reencarnação.
É isso que nós vemos nas mensagens dos espíritos – eles se apresentam, na maioria das vezes, com o nome, a aparência física e as mesmas características que tinham enquanto estavam encarnados.
Eu acredito que Chico Xavier tenha seguido o seu caminho e se desligado dos problemas mundanos. Chico avisou que a sua existência ele estava doando ao próximo, mas que a sua morte, ou seja, a sua vida depois da morte pertencia a ele. Por isso eu não acredito em nenhuma mensagem atribuída a Chico Xavier – nem em sinalzinho, senhazinha, três palavrinhas que iriam identificar supostas comunicações de Chico Xavier. Nada disso.
Nós temos o curioso exemplo de Bezerra de Menezes, falecido há mais de cem anos e que continua, segundo alguns, a atuar no Movimento Espírita. Isso, para mim, tem cheiro de apego ao poder.
Espero que isso não aconteça com o Divaldo. Que o Divaldo dê por encerrada a sua missão aqui e siga o seu caminho.
Mas o meu temor não é a respeito do que o Divaldo possa fazer ou deixar de fazer. O problema é o que os espíritas vão fazer com ele!
Eu espero e peço a Deus que o Divaldo não tenha nenhum Geraldinho.
Eu não tenho nada contra o Geraldo, pelo contrário, mas nós não precisamos de ninguém para contar “causos do Divaldo” – já chega os causos do Chico!
Eu sei que eu posso parecer antipático e até insensível ao me referir dessa forma aos casos contados sobre a vida de Chico Xavier.
Mas, pelo amor de Deus, isso não é assunto para ser tratado em centro espírita, isso não é assunto relevante para a Doutrina, isso não tem nada a ver com o propósito da Doutrina!
Estamos transformando Chico Xavier num mito, numa figura acima do bem e do mal, sem erros, sem falhas – tem gente aqui, no meu canal no Youtube, que diz que o Chico era infalível!
Veja a que ponto nós chegamos!
Recebemos de Kardec uma Doutrina que nos possibilitava a investigação de fenômenos, a busca pela verdade, a ampliação do nosso alcance mental – e vamos repassar para as novas gerações uma religião cheia de personalismos, dogmas e crenças limitadoras!
Quando atribuímos poderes extraordinários a uma pessoa, nós estamos abrindo mão da nossa capacidade de desenvolver grandes poderes.
Quando o Divaldo desencarnar não sobrará nenhum grande nome popular no Movimento Espírita. Quando o Chico desencarnou ficou o Divaldo. Quando o Divaldo for não terá mais ninguém para ocupar o vazio no Espiritismo popular. O caminho vai estar livre para mais um mito!
A FEB vem envidando todos os esforços para fazer do Haroldo Dutra Dias o seu garoto-propaganda. E não podemos esperar nada de diferente do Haroldo – se depender dele, Chico e Divaldo serão consolidados como mitos no imaginário popular espírita. Isso é profundamente lamentável!
– Qual é o problema de transformar um homem num mito?
São vários problemas.
Em primeiro lugar, nós temos a tendência de evitar a fadiga. Se nós não somos impelidos ao esclarecimento, nossa tendência é permanecer estagnados esperando consolo para as nossas dores. E a transformação de homens em mitos, como é o caso do Chico, com a proliferação de “causos do Chico”, não ajuda em nada no nosso processo de esclarecimento – pelo contrário: é uma distração momentânea que nos prende à zona de conforto; temos a impressão de que estamos tratando de uma outra espécie, de um ser superior, que de nada adiantam nossos esforços porque jamais seríamos capazes de fazer o que eles fizeram.
Em segundo lugar, quando nós tomamos pessoas como modelo, nós abraçamos erros e acertos dessas pessoas. Chico teve muitos acertos. Muito mais acertos do que erros. Mas também teve erros, e erros graves. Divaldo tem muito acertos. Muito mais acertos do que erros. Mas também comete erros, e esses erros não devem ser copiados.
Chico e do Divaldo devem ser respeitados e admirados como homens esforçados e trabalhadores incansáveis a serviço do bem – mas longe de serem infalíveis.
Quando Divaldo desencarnar o Movimento Espírita vai ficar órfão. O Movimento Espírita é um movimento religioso igrejista, e não foi preparado para sobreviver sem um grande líder.
Ou nós voltamos a pensar com as nossas próprias cabeças, questionando, buscando respostas e acima de tudo experimentando – ou estaremos condenados a ser mais uma seita cristã: a mais esdrúxula das seitas cristãs, que não acredita só na Bíblia cegamente, mas que acredita cegamente em mais ou menos uns mil livros espíritas.
O Espiritismo que nós conhecemos, que a minha geração conheceu, é um Espiritismo religioso. Nada contra, mas se isso teve razão de ser, já não tem mais razão de ser. Vou pegar o exemplo do Haroldo de novo, já que ele é o garoto-propaganda da FEB. Fazer palestra de apelo emocional contando causos baseados no Evangelho – isso não é Espiritismo – isso o Marcos Feliciano faz melhor que o Haroldo. Isso o Caio Fábio fazia melhor que o Haroldo. Não precisamos de contadores de causos, mesmo que esses causos sejam baseados no Evangelho, mesmo que esses causos tenham uma “moral da história”. Moral da história tem até nos filmes da Barbie que eu assisto com a minha filha Sofia.
Eu espero e peço a Deus que quando o Divaldo morrer aja um retorno às origens do Espiritismo. Vamos rever Kardec, vamos ver o que nos serve e o que não nos serve da obra de Kardec, vamos discutir os erros de Kardec, e vamos trazer a Doutrina para a realidade de hoje. A Doutrina precisa ser arejada. Muitas coisas novas foram descobertas, nós temos muito mais informações do que Kardec tinha no seu tempo.
– Você sabia que eu sei mais do que Kardec?
Sim, é isso mesmo que você ouviu: Eu sei mais do que Kardec!
Agora os fãs do Divaldo vão à loucura! Já não bastava colocar em dúvida os santos Chico e Divaldo, agora ele está dizendo que sabe mais do que Kardec. É a prova que faltava de que ele está obsediado!
Não estou, não!
Eu devo repetir mais uma vez que eu tenho um enorme respeito pelo Chico e pelo Divaldo. Tanto respeito que eu quero que eles sejam lembrados exatamente como foram.
E quanto a saber mais do que Kardec, isso é apenas uma constatação óbvia.
Kardec esteve envolvido com o Espiritismo durante uns 14 anos. Não sabia nada quando começou. Não teve quase ninguém com quem aprender. Não teve tempo de revisar sua obra. Não teve outras obras sólidas para consultar.
Eu estudo o Espiritismo há mais de 20 anos. Quando eu comecei meus estudos eu já tinha noções de Espiritismo porque as noções de Espiritismo estão espalhadas pelo Brasil. Eu tive grandes mestres com quem aprender, inclusive e em primeiro lugar o próprio Kardec. Eu tenho tempo de revisar a obra de Kardec e outras obras espíritas, analisando-as internamente e em comparação umas com as outras. Eu tenho virtualmente todo o conhecimento da Doutrina disponível para mim na internet.
Qualquer pessoa com razoável conhecimento do Espiritismo sabe tanto ou mais que Kardec. Não é nenhuma afronta dizer isso. Qualquer estudante de física sabe mais do que Newton, qualquer fabricante de lâmpadas sabe mais sobre lâmpadas do que Thomas Edison, que faz mais de mil experimentos até chegar à lâmpada incandescente.
Nós sabemos mais porque nos aproveitamos das experiências dos que nos antecederam e das nossas próprias experiências. Por isso nós temos o dever de ir adiante. Reduzir o Espiritismo a um movimento igrejista é um desrespeito com o trabalho de Kardec.
– Você ficou contrariado por eu ter me referido à morte do Divaldo?
Pois não devia. Ele mesmo já se referiu algumas vezes ao seu futuro desencarne. E não há nada mais natural na vida do que a morte. Nós não passamos tanto tempo lendo sobre a morte?
Antes que fique a dúvida: eu não considero, de jeito nenhum, que o Espiritismo se resuma a Kardec. Quando eu proponho voltar a Kardec eu quero dizer que temos que retomar o ponto de partida e buscar um novo rumo. Construímos muitas crenças – temos que nos livrar disso.