Por que Jesus falou em parábolas?
Temos que ter em mente, antes de mais nada, que o Evangelho traz uma linguagem sagrada. É uma linguagem para ser decifrada, não apenas lida.
A primeira coisa que dizem, tentando explicar o porquê de Jesus ter falado através de parábolas, é que o povo ao qual ele se dirigia era muito humilde, então ele precisava ensinar contando uma pequena história, como uma fábula. Mas isso não se aplica a todos os casos. Nem todos na época eram muito humildes – ou ignorantes; humildade é outra coisa – nem todas as parábolas se assemelham às fábulas.
Jesus não inventou esse modo de ensinar. No Talmude nós vemos que era muito comum entre os israelitas esse modo de transmitir idéias. Porque é isso que as parábolas transmitem: idéias.
Nós revestimos essas idéias de acordo com os nossos valores, com a nossa bagagem cultural e com a nossa capacidade de entendimento. O entendimento da parábola não se dá por meio do intelecto. Nós estamos viciados a usar o intelecto. No meio espírita é muito comum encontrar aquelas pessoas que devoram livros. Leem muito. Mas não estudam nada. Não param um instante para refletir. Superalimentam o seu intelecto com idéias prontas dos mais diversos autores e não dão nenhuma pausa pra analisar aquilo que estão absorvendo.
Nós vemos que no meio espírita todo mundo conhece o Evangelho segundo o Espiritismo, mas poucos conhecem os Evangelhos do Novo Testamento, que são os Evangelhos originais. E quando tomam contato com os Evangelhos quase sempre se assustam, ou até mesmo o rejeitam. Sim! Foram acostumadas com a interpretação mastigada do Evangelho segundo o Espiritismo!
Isso não é uma crítica ao Evangelho segundo o Espiritismo, que é um excelente livro. Mas ele traz tudo mastigado, é a interpretação pronta de Allan Kardec e de alguns espíritos.
Acontece que nós somos capazes de fazer a nossa própria interpretação do Evangelho. E a única interpretação realmente verdadeira é aquela feita por nós mesmos, construída com nossos próprios valores, com a soma das influências que recebemos e da deglutição dessas influências promovida por nós.
Poucas pessoas refletem acerca da linguagem. Nesse momento, por exemplo, eu tenho um grande bloco de ideias para expor neste texto. O modo que eu tenho de fazer isso é escolhendo as melhores palavras. Mas mesmo a reunião das melhores palavras não consegue exprimir com perfeição tudo o que eu estou pensando. A ideia é muito mais ampla e rica do que a linearidade das palavras. A ideia se expande em todas as direções; a palavra falada é linear, ela só vai numa direção – como quando nós escrevemos, escrevemos numa só direção, da esquerda para a direita.
As parábolas de Jesus encerram grandes ideias. Em vez de revestir essas ideias linearmente, tentando explicar coisas para o nosso intelecto, Jesus escolhe determinados elementos significantes – os símbolos – e lança essa ideia na nossa mente. Cabe a nós decodificarmos essa linguagem simbólica de acordo com os elementos significativos que nós conhecemos.
Então não existe um significado único, extático, para as parábolas de Jesus. A parábola saiu da mente de Jesus. Jesus resumiu uma ideia produzida pela sua mente e revestiu essa ideia em forma de parábola. Quando nós recebemos essa parábola em nossa mente, nós vamos compreendê-la bem se a nossa mente tiver suficiente material em comum com a mente de Jesus.
Nós vemos por exemplo que Platão (só para ficarmos num autor de língua grega, assim como os Evangelhos), 400 anos antes de Jesus, nos legou belíssimos ensinamentos em linguagem clara, facilmente compreensível por qualquer pessoa de cultura mediana. O ensino de Platão, no entanto, é estático – ele é o mesmo há 2400 anos. O avanço do nosso conhecimento não altera em quase nada a maneira de compreender o seu ensino.
Com o Evangelho é diferente. O ensino em parábolas nos permite perceber novos ensinamentos, de tempos em tempos, conforme nós vamos ampliando a nossa capacidade de entendimento através do conhecimento e experiência.
O grande desafio na interpretação do Evangelho é perceber aquilo que não está escrito, mas que está subentendido de forma simbólica. A busca desse entendimento, a reflexão, a meditação sobre determinadas passagens, fazem com que o Evangelho crie raízes em nós. Vamos construindo um entendimento amplo e muito bem alicerçado. Isso é incalculavelmente melhor do que armazenar verdades prontas produzidas e empacotadas por outras mentes – por melhores que sejam elas.