Recentemente eu gravei um vídeo chamado ”o que acontece quando nós desencarnamos” – você pode conferir aqui: O que acontece uando desencarnamos
Alexander Tell fez o seguinte questionamento: ”Às vezes, ao ouvir sobre a qualidade do desapego da matéria, fico com a impressão de que o Espiritismo recomenda inconscientemente um estilo de vida asceta. Eu sei que isso é contrário ao que a Doutrina diz, mas muitas vezes vejo passagens indicando que pessoas evoluídas tinham essa qualidade, por exemplo: Estevão, Paulo etc. Os Cristãos primitivos não se importavam se iriam presos, apedrejados, torturados etc. E não acho saudável esse tipo de pensamento, parece que na prática o Espiritismo tem uma visão pejorativa sobre o universo físico.”
Essa questão é levantada por muitas pessoas. E realmente, às vezes, podemos passar a impressão, mesmo sem querer, de que existe algo de intrinsecamente errado na matéria e nos prazeres proporcionados pela matéria.
Existe algo de mal nos prazeres?
Não. Pelo contrário, exatamente o contrário. O prazer é a manifestação mais genuína da vida. Todos nós deveríamos sentir prazer simplesmente pelo fato de existirmos, porque o fenômeno vida é prazeroso.
Observe a natureza, existe vida em toda parte. Num rio, num mar, numa montanha, num vaso de flor. Quando você estiver no mato – pode ser num parque, numa beira de rio, num lugar úmido qualquer – levante uma pedra: você vai ver que debaixo daquela pedra existem formas de vida, e em todas formas de vida, mesmo nas mais simples, como o musgo de uma pedra, um pássaro voando, um leão na savana africana, uma criança tomando banho de chuva – em todas as formas de vida existe prazer.
O fluxo natural da vida é prazeroso. Nós temos realmente uma cultura de combate ao prazer, uma cultura de cerceamento do prazer. A cultura da culpa: isso é uma herança maldita do pensamento judaico-cristão. Todo o Ocidente, todo o mundo ocidental, ou seja, tudo que nós conhecemos (porque nós podemos gostar do Oriente – Japão, China, Índia – mas nós não os entendemos, por mais que nós os estudemos nós não os entendemos, porque todo o nosso pensamento, todo o nosso modo de pensar desde que nós nascemos é modulado pela cultura judaico cristã) – Todo o ocidente, mesmo quem não é religioso, mesmo quem não tem absolutamente nenhuma informação religiosa, é absorvido pela cultura judaico-cristã, a cultura da culpa.
A primeira manifestação dessa cultura de culpa é o Gênesis. O comecinho do Gênesis, que é o primeiro livro da Bíblia, quando Adão e Eva comem o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (e vamos combinar, antes de tocarmos neste assunto, que nós estamos tratando de uma alegoria – acreditar que tudo isso realmente tenha acontecido da forma como é narrado é uma infantilização grotesca e doentia da mente humana).
Adão e Eva vivem no jardim do Éden, livres, em plena comunhão com a natureza; Deus diz a eles que eles podem comer de todo o fruto que há no jardim, menos do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal.
Mas como assim? A árvore do conhecimento do bem e do mal é o livre arbítrio, o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal simboliza a liberdade de escolha, a capacidade de discernir, e é isso justamente o que diferencia o ser humano dos animais. O ser humano conhece o bem e o mal, os animais não conhecem.
Um leão caça um filhote de zebra, estraçalha o filhote de zebra, come ele e fica ali, feliz, sem culpa nenhuma. Quando eu era adolescente tinha um gato em casa que gostava de caçar ratos, caçava camundongo. Ele caçava o rato e ficava horas brincando com o rato, se divertindo com o rato. O rato provavelmente não se divertia; o gato não é culpado por isso porque ele não conhece o bem e o mal – mas eu não posso fazer isso com um semelhante, nem com um animal. Sentir prazer às custas do sofrimento alheio é sadismo.
Mas por que Deus proíbe Adão e Eva de conhecerem o bem e o mal? Será que Deus queria que eles permanecessem ignorantes?
O conhecimento através da experimentação é o fluxo natural da vida. Nessa alegoria de Adão e Eva há a negação da vida; a proibição do conhecimento é a negação da vida. A própria serpente, que é quem instiga Eva a comer o fruto, é o símbolo da vida, a serpente simboliza a vida. Em todas as antigas civilizações a serpente é o símbolo da vida. Na Bíblia, só bem mais tarde a serpente vai ser associada a Satanás. A serpente aparece no primeiro livro da Bíblia, que é o Gênesis, e ela só vai ser associada a Satanás no último livro da Bíblia, que é o Apocalipse – e o Apocalipse também é um livro simbólico, todo ele é simbólico.
E aqui nós vamos procurar entender o porquê da proibição. Vimos que no Apocalipse a serpente é associada a Satanás ou Diabo. Satanás é uma palavra hebraica traduzida para o grego como diabolos ou, em português, diabo. Diabo é o opositor, o antagonista, é o que separa. A palavra diabolos, literalmente, quer dizer “lançar separado”. Diabo é o que nos separa do fluxo natural da vida.
Nós estamos falando do prazer: existe algo de errado no prazer? Não, pelo contrário. O prazer é a manifestação mais genuína da vida. O problema surge quando nos fixamos num determinado prazer. Ao nos fixarmos num determinado prazer estamos trancando, estamos estagnando o fluxo natural da vida.
Tudo é movimento, vida é movimento. Tudo no universo está permanentemente em movimento. Mesmo a matéria sólida que parece estar parada, em seu íntimo há movimento incessante: isso é plenamente demonstrado pela física de partículas.
Mas vamos usar um exemplo simples, a bicicleta: para a bicicleta manter-se de pé ela precisa estar sempre em movimento, se parar o movimento a bicicleta cai. Enquanto ela está em movimento ela está em equilíbrio; se parar o movimento a bicicleta cai.
Não há nada de errado no prazer, mas nós não podemos estagnar num determinado prazer.
Na oração que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso, ele diz lá no finalzinho: “e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”(Se você quer aprender a interpretar o Pai Nosso, clique aqui). Nós sabemos que todo o Novo Testamento foi escrito originalmente em grego, então para nós analisarmos com mais cuidado o ensinamento de Jesus é bom nós irmos direto à fonte.
A palavra grega traduzida como tentação é peirasmós. Peirasmós não tem nada a ver com tentaçãon o sentido judaico-cristão do termo, não tem nada a ver com tentação do diabo, com essa baboseira toda. A mente doentia de alguns teólogos é que imaginou Deus e o diabo fazendo apostas pra ver quem tinha mais poder sobre o homem – mas não tem nada disso.
Nós somos imortais. A vida é um fluxo contínuo. Conforme vamos nos movimentando na vida – já que a vida é movimento – vamos experimentando, provando. Nós experimentamos a vida e somos experimentados pela vida, nós provamos a vida e somos provados pela vida.
Para passarmos num concurso público é necessário passarmos por uma prova; para passarmos no vestibular é necessário passarmos por uma prova; para passar de ano no colégio é necessário passar por uma prova – sempre o movimento, o movimento para frente. Não existe prova para voltar para trás, a prova é sempre para subir um degrau, sempre um movimento à frente, experimentamos a vida e somos experimentados pela vida, sempre à frente; quando nós paramos nós caímos, assim como a bicicleta.
Quando nós nos focamos num determinado ponto, experimentando indefinidamente este mesmo ponto, nós estagnamos – o que era prazer, então, vai pouco a pouco se transformando em dor.
Uma pessoa começa a usar álcool ou drogas em busca de prazer, e não existe nada de intrinsecamente errado no álcool e nas drogas, mas existe o risco – e esse é um risco relevante – de a pessoa ficar estagnada na busca deste prazer. Ela estanca o movimento, ela pára de seguir o fluxo natural da vida e se fixa neste prazer. O prazer da droga vai, então, pouco a pouco, se transformando em dor.
Quando nós vemos um lugar de usuário de drogas nós vemos que eles não estão experimentando prazer, eles estão profundamente infelizes e perdidos, perderam o caminho da vida, perderam o fluxo natural da vida.
Uma pessoa encontra no sexo uma fonte legítima e natural de prazer, mas, se a pessoa se fixa neste prazer, se ela coloca o seu foco no prazer gerado pelo sexo ela estanca o fluxo natural da vida e se torna escrava do seu próprio prazer.
As pessoas que recorrem rotineiramente à prostituição, ou que são viciadas em pornografia, elas são infelizes, elas não estão sendo beneficiadas pelo prazer do sexo, elas ficaram estagnadas num determinado prazer.
Quando ficamos estagnados estamos separados do todo – em vez de seguir o movimento nós paramos, e, assim como a bicicleta, quando nós paramos nós caímos.
Esse é o simbolismo do diabo, e por isso o diabo é associado à serpente. A serpente simboliza a vida, e a vida nos convida a experimentar, e é legítimo experimentarmos. É impossível avançarmos sem experimentação, mas não podemos parar, não podemos estagnar, não podemos estancar o fluxo.
O prazer e a experimentação do prazer foi associado à culpa, e isso é uma fatalidade para a humanidade, é uma desgraça cultural – mas nós entendemos que a culpa foi gerada muito tempo atrás, milênios atrás, justamente por termos abusado do prazer, e consequentemente termos nos separado do todo, termos perdido a nossa ligação com Deus.
Quando Deus chama Adão e Eva depois de eles terem comido o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, Adão se esconde, Adão tem vergonha. Adão e Eva cobrem as suas partes íntimas porque associaram as suas partes íntimas com a vergonha, com a culpa, com o medo, com o proibido. Mas não havia nada de errado com a sua nudez, eles viviam nus antes e viviam felizes.
Não há nada de errado com o prazer, nós existimos para sentir prazer – mas prazer em movimento, avançando sempre, sem ficarmos fixados em sensações