Existe inferno? Não, inferno não existe. Pelo menos não como um lugar de castigo eterno.
Para falarmos nesse assunto temos que partir do princípio de que existe Deus. Nós atribuímos algumas qualidades a Deus. Jesus diz que Deus é bom: – “Por que me chamas bom? Bom só um é, que é Deus”.
Evidentemente as qualidades de Deus são infinitas. Se as qualidades de Deus não fossem infinitas, sempre haveria a possibilidade de alguém – ou de um ser qualquer – desenvolver essas qualidades e se igualar a Deus ou mesmo ultrapassar Deus.
Então, se Deus é bom, e se as qualidades de Deus são infinitas, Deus é infinitamente Bom, ou seja, a bondade de Deus não tem fim, não tem limites.
Mas, para quem foi criado ouvindo falar mais do diabo do que de Deus, mais do inferno do que do céu, não há lógica filosófica que convença.
Sempre que vamos analisar a Bíblia temos que lembrar que ela foi escrita em outros tempos, por outras culturas e em outros idiomas.
O Antigo Testamento foi escrito predominantemente em hebraico. O Novo Testamento foi escrito, todo ele, em grego. A palavra que traduzem como “inferno” no Antigo Testamento é sheol. No Novo Testamento há duas palavras que traduzem como “inferno”: hades e Geena.
Inferno é uma palavra latina que se refere a inferior, ou seja, ao que está embaixo: as regiões inferiores da Terra. Infelizmente, os tradutores da Bíblia se utilizaram da palavra inferno para traduzir três palavras diferentes, com significados diferentes: Sheol, hades e Geena.
Sheol é uma palavra hebraica para designar sepultura. Sempre que você ler a palavra inferno, no Antigo Testamento, ela está se referindo a sepultura: só isso. Não há nenhuma referência a sofrimento, a dor e muito menos a fogo. Essa concepção não existia no Antigo Testamento.
Quando é que surge essa imagem do fogo eterno?
Jesus, algumas vezes, faz referência à Geena (você dificilmente vai ver isso, porque a maioria das Bíblias traduz simplesmente por inferno, mas Jesus às vezes se refere ao hades, e às vezes se refere à Geena).
A Geena ou o Vale dos Gemidos é mencionada já no Antigo Testamento, desde Josué. Era um vale onde foi construído um altar ao deus Moloch, onde eram feitos sacrifícios de crianças. Até reis dos judeus, como Manassés e Acaz queimaram os seus próprios filhos em adoração a Moloch.
O profeta Jeremias protestou contra essa monstruosidade, em Jeremias 7:31: “Eles construíram o alto de Tofete no vale de Ben-Hinom, a fim de queimarem seus próprios filhos e filhas como holocausto, sacrifício que jamais ordenei e nem sequer pensei em requerer”. – nós vemos que a ideia de pessoas sendo queimadas não está de acordo com a vontade de Deus – e o Rei Josias destruiu o local do culto fazendo daquele vale o depósito de lixo de Jerusalém, onde lançavam os cadáveres de animais e de criminosos. Depois da morte de Josias o culto a Moloch foi reativado por algum tempo.
O gás, provavelmente metano, produzido pela deterioração do lixo, é que fazia o fogo manter-se aceso permanentemente. Assim surgiu o simbolismo do “fogo que nunca se apaga”, o “fogo eterno” que foi utilizado para a figuração do inferno como é propagado hoje.
Convenhamos que a ideia popular do inferno como um lugar de castigo eterno é um instrumento de domínio das massas e uma fábrica de fazer dinheiro. Há pessoas que defendem ardentemente a existência do inferno. Algumas por conta de suas crenças, mas outras por conta de seus interesses. Se de um dia para o outro todo mundo deixasse de acreditar no inferno, o achacamento perderia um dos seus principais argumentos.
A Geena, então, era uma figura de linguagem. Jesus não está ameaçando ninguém de ir literalmente para a Geena, que era um depósito de lixo. Jesus está se servindo de uma imagem forte para dar uma ideia de sofrimento.
Outras vezes Jesus se refere ao Hades. A tradução pode ser inferno, mas Jesus falava na Geena e no hades. O hades era o lugar dos mortos para os gregos. Só isso. Algo semelhante ao que os espíritas chamam de plano astral. O hades não era uma região de castigo. Para os gregos havia uma região destinada ao castigo, que era o tártaro.
Algumas pessoas se apegam à parábola do homem rico e do pobre Lázaro para afirmar que Jesus falou claramente sobre o inferno. Já tratei desse tema no meu estudo sobre o Evangelho de Lucas.
O inferno, como lugar de castigo eterno, não existe. Isso não quer dizer que não existam regiões de intenso sofrimento na Terra habitadas por espíritos desencarnados. Existem muitos planos ou dimensões de vida na Terra. A dimensão física é apenas uma delas. E essas regiões estão sujeitas às mesmas leis, como à lei da gravidade, por exemplo. Quanto mais purificado o espírito, menos materializado, e, portanto, mais leve; quanto mais impuro o espírito, mais materializado, e, portanto, mais pesado.
Enquanto estamos encarnados nós convivemos todos no mesmo plano físico – podemos ver que há pessoas dos mais variados estágios de evolução espiritual na Terra. Mas todos estamos no mesmo plano, sujeitos a este plano. Quando desencarnados, no entanto, vamos habitar a região mais adequada ao nosso peso específico, ao nosso grau de pureza ou impureza.
Existem regiões habitadas no interior da Terra. Evidentemente não no plano físico – não adianta cavar que nós não vamos achar. Existe um vídeo feito na antiga União Soviética em que eles cavam um buraco muito profundo e encontram supostas vozes. Não sei o que é aquilo, mas não são vozes humanas. Se fossem, certamente isso teria tido maior repercussão.
Eu falei há pouco da lei da gravidade. E falei que nós temos um peso específico. Peso, na física, é a força de atração entre dois objetos. Quantos mais animalizados, quanto mais brutalizados, quanto mais materializados, maior é o nosso peso específico. Maior, portanto, é a atração que a Terra exerce sobre nós. Enquanto estamos no plano físico, nós temos um corpo físico e vivemos naturalmente na superfície do plano físico. O plano astral é mais amplo – vai desde as profundezas do planeta até muito acima da superfície. Espíritos mais elevados distanciam-se da crosta terrestre. Espíritos muito densos, muito materializados, viciados no Mal, descem naturalmente às profundezas do planeta.
No fundo, não há tanta diferença entre os conceitos tradicionais de inferno e purgatório e os conceitos trazidos à luz pelo estudo do Espiritismo.
Quais são as diferenças fundamentais?
São principalmente duas: O conceito equivocado de castigo divino; o conceito equivocado de eternidade.
Deus é infinitamente bom. A bondade de Deus não tem limites. Deus não castiga. O que parece ser castigo são apenas instrumentos da Lei para nos redirecionar ao caminho.
A ideia de um Deus que castiga é um erro conceitual de mentes doentias. A própria palavra “castigo” foi deturpada no seu sentido original. Castigo vem do latim castificare, “tornar casto”, “tornar puro”. Castigar quer dizer, originalmente, purificar.
Quando nós comemos alguma coisa estragada, o nosso corpo sabe (na verdade é o subconsciente que age através do corpo) que precisa expulsar aquela impureza do organismo. Então ele provoca uma diarreia como uma solução drástica para purgar aquela impureza – ou, então, nós tomamos um purgante. Um espírito muito denso precisa descer às profundezas do planeta para purgar as suas energias negativas. Isso é determinado automaticamente pela Lei.
Deus não castiga. Tudo na Lei conspira a nosso favor. Nós, por causa da nossa visão muito limitada é que não conseguimos perceber isso.
O outro conceito equivocado é o de eternidade. Sempre que nós lemos no Novo Testamento o adjetivo “eterno” nós estamos diante de erros de tradução.
O Novo Testamento foi escrito originalmente em grego. O adjetivo grego traduzido como eterno é eônios; derivado do substantivo eon. Acontece que eon não é e nunca foi sinônimo de eternidade. Nem pela etimologia da palavra, nem pela lexicografia antiga, nem pelo uso. Para designar eternidade existe a palavra edos.
Nos clássicos gregos encontramos o uso da palavra eon na Ilíada e na Odisseia, de Homero; em Hesíodo; Sófocles; Hipócrates; Aristóteles e outros, nunca com o sentido de eternidade.
Os clássicos gregos antecedem em mais ou menos 600 anos a Septuaginta, que é a primeira tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego. Na Septuaginta, igualmente, nós não encontramos o uso do substantivo eon ou do adjetivo eônios com o sentido de “eternidade” ou “eterno”.
No Novo Testamento eon e eônios, juntos, aparecem cerca de 200 vezes, traduzidas com diversos significados, como: mundo, nunca, sempre, idade, tempo, séculos, ciclo.
No tempo de Jesus escritores judeus de língua grega, como Flavio Josefo, também não utilizavam eon com o sentido de eternidade, e nem depois de Jesus. Os chamados pais da igreja, pelo menos até Santo Agostinho, aproximadamente no ano 400, também não usavam eon com o sentido de eternidade.
O principal uso na língua grega para eon é no sentido de “era”, um determinado período de tempo. O castigo eterno é o castigo por uma era, o castigo por um determinado período de tempo – lembrando que castigo é purificação. Esse processo de purificação evidentemente envolve dor – e muita dor. Mas não porque Deus quer que o espírito sofra. Deus não é sádico. Nós sofremos por causa daquilo que nós mesmos construímos dentro de nós. Quase todos nós já experimentamos nossos pequenos períodos de inferno. O sofrimento interno por desobedecermos a nossa própria consciência.