Estudo do Evangelho em vídeo, Vídeo

Jesus transformou água em vinho – visão espírita

A transformação de água em vinho é o primeiro chamado “milagre” de Jesus narrado no Evangelho de João. Os materialistas negam a possibilidade de que isso tenha acontecido. Religiosos, digamos, “ortodoxos”, sustentam que o vinho produzido por Jesus não tinha álcool – pois, se tivesse, Jesus estaria sendo conivente o uso do álcool. 

Essas discussões são inócuas e, quase sempre, ridículas. O Evangelho não é um amontoado de fatos supostamente extraordinários. O Evangelho foi escrito e pensado através de símbolos. O que nos importa, realmente, nos Evangelhos, são os simbolismos oferecidos por Jesus para o nosso aprendizado espiritual.

Neste vídeo tratamos do simbolismo oculto por trás da transformação de água em vinho.

Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.

JOÃO 2:1-11

Este capítulo nos apresenta o primeiro chamado milagre (ou sinal) de Jesus: a transformação de água em vinho, no episódio conhecido como As bodas de Caná, que ocupa quase todo o capítulo 2.

  1. E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia; e estava ali a mãe de Jesus.

 “Ao terceiro dia” quer dizer “dois dias depois”, ou, como nós costumamos dizer, “depois de amanhã”.

Naquele tempo, naquela região, contava-se o dia corrente. Por exemplo, imaginemos que hoje seja domingo: ao terceiro dia seria a terça-feira, pois contaríamos o próprio domingo – domingo, primeiro dia; segunda-feira, segundo dia; terça-feira, terceiro dia.

Nós vimos que este Evangelho começa com um hino. A ação só começa depois deste hino, ou seja, em 1:19, com a apresentação de João Batista. Desde a apresentação de João Batista há uma contagem de dias, que simbolizam etapas de desenvolvimento espiritual.

No primeiro dia, nos é apresentado João Batista, que simboliza a virtude, a força. A raiz da palavra virtude se refere a força. Virtude é o esforço para a auto-superação, é o uso da força moral para superar as próprias falhas de caráter. João Batista levava uma vida de ascetismo, abstinha-se de prazeres materiais, pregava o jejum e a oração, denunciava as imoralidades: um exemplo de virtude.

No segundo dia João Batista viu Jesus, o que simboliza a descoberta do Cristo interno. O espírito virtuoso, depois de um longo exercício de virtude para combater as suas más tendências, descobre que esses cuidados exteriores – o cuidado com os hábitos – embora sejam importantes, são apenas um caminho, um caminho que nos leva ao descobrimento do nosso Cristo interno, do Deus imanente, a partícula divina que está dentro de cada um de nós, que no início deste Evangelho é chamado de “logos” ou “verbo”.

No terceiro dia dois discípulos de João Batista decidem seguir Jesus e ficam com ele até o dia seguinte. O espírito virtuoso, que já se exercitou moralmente através da virtude, resolve seguir o Cristo. Descobriu o Cristo dentro de si e percebe que ele é superior a qualquer tentativa de elevação à força.

No quarto dia há o encontro de Simão e Jesus. Jesus muda o nome de Simão para Pedro – na verdade, “pedra”. O espírito exercitou-se na virtude, descobriu o Cristo dentro de si, decidiu seguir o Cristo, e agora está sobre uma base sólida, sólida como uma pedra, mas esta pedra precisa ser constantemente lapidada. O espírito já é virtuoso e quer seguir o caminho do Cristo, mas ainda é pedra bruta que precisa ser lapidada. Sabemos que tanto o carvão mineral quanto o diamante são compostos de carbono. O Cristo que habita em nós, a nossa partícula de luz divina, é como um pequeno diamante recoberto de uma grossa camada de pedra bruta. Esta pedra terá que ser cuidadosamente lapidada para chegar-se ao diamante.

No quinto dia Jesus convoca Filipe a segui-lo e Filipe fala de Jesus a Natanael. Natanael não leva muito a sério que do pequeno povoado de Nazaré possa sair um grande profeta. Filipe repete a ele as palavras de Jesus: “Vem e vê” – é um convite à fé raciocinada. O espírito adquiriu virtude, descobriu o Cristo, decidiu seguir o Cristo e tem uma base sólida que precisa ser constantemente lapidada, lapidada com a fé. Mas esta fé tem que ser raciocinada – o espírito deve fazer uso da razão – sua fé deve apoiar-se numa base sólida como uma pedra.

O sexto dia não é narrado. Depois do quinto dia vem a narração das bodas de Caná, que nós vamos ver agora.  

Vimos que este capítulo começa dizendo: “E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná da Galiléia” – o terceiro dia, como vimos, quer dizer dois dias depois. Dois dias depois do quinto dia é o sétimo dia.

O primeiro sinal de Jesus, que será tratado a seguir, ocorreu no sétimo dia – ou na sétima etapa, pois esta contagem de dias é evidentemente simbólica.

  1. E foi também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas.
  2. E, faltando vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Não têm vinho.
  3. Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora.
  4. Sua mãe disse aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser.
  5. E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma cabiam dois ou três almudes.
  6. Disse-lhes Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima.
  7. E disse-lhes: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E levaram.
  8. E, logo que o mestre-sala provou a água feita vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo,
  9. E disse-lhe: Todo o homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho.
  10. Jesus principiou assim os seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele.

Vemos que se tratava de uma grande festa. As festas de casamento duravam até sete dias, eram a ocasião de maior alegria para as pessoas da época. Somando-se todos os dias, centenas de pessoas devem ter comparecido a esta festa, que era de algum familiar de Jesus, pois a mãe de Jesus exercia autoridade na casa.

Causa muita estranheza o tratamento de Jesus para com a sua mãe: “(…) Mulher, que tenho eu contigo? (…)” – referir-se à mãe como “mulher” pode parecer estranho hoje, mas na época era um tratamento respeitoso. Rainhas eram tratadas assim. Dizer “mulher” equivalia a dizer “senhora”, uma palavra que não existia.

“(…) Mulher, que tenho eu contigo? (…)” – “que tenho eu contigo” é a tradução de  τι εμοι και σοι γυναι. Se traduzirmos literalmente teremos: “Que é para ti e para mim, mulher?” A melhor tradução seria “que é isso para mim e para ti?” ou “o que representa isso para nós?” “Que nos importa isso?”

E Jesus diz que ainda não havia chegado a sua hora. Talvez tenha achado, num primeiro momento, que não seria o caso de uma grande manifestação de poder. Mas Maria parece ter ignorado a advertência de Jesus e ele acabou por atendê-la. Nos outros Evangelhos há exemplos de curas que foram efetuadas pela insistência das pessoas, numa demonstração de fé inabalável no poder de Jesus.

“E estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus (…)” – os judeus lavavam suas mãos com esmero antes de comer, como uma forma de purificação, para não se contaminarem.

Há divergências sobre a capacidade de cada uma das talhas (ou jarros) em litros, mas era perto de 30 ou 40 litros cada um. Foi a água desses jarros que Jesus transformou em vinho.

Não vamos especular sobre como Jesus fez isso ou se ele realmente fez isso. Não é este o nosso objetivo com este trabalho. Não conhecemos todas as leis que regem a matéria. É perfeitamente possível que Jesus tivesse conhecimentos e poderes que nós não temos.

Mas isso não muda as nossas vidas. O que nos interessa de fato nos Evangelhos são os ensinamentos de Jesus, e a maior parte dos seus ensinamentos são dados numa linguagem simbólica. Essa linguagem só é acessível a quem abrir a sua mente e o seu coração e se despir de preconceitos religiosos.

As bodas (ou a festa de casamento), são uma figura muito utilizada por Jesus para nos indicar o nosso processo de união com o Cristo. Nossa união com o nosso Cristo interno, com a fagulha de luz divina que habita dentro de nós, deve ser como a união dos noivos nas núpcias.

Quando Adão manteve relações sexuais com Eva é dito que Adão “conheceu” Eva (Gênesis 4:1). Nossa união com o Cristo deve ser de conhecimento íntimo. Este é o simbolismo das bodas. E para essas bodas Jesus foi convidado – o Cristo foi convidado.

A transformação da água em vinho é a transmutação da materialidade para a espiritualidade. No contexto bíblico a água é o elemento gerador absoluto. No começo do Gênesis, quando trata da creação, vemos que Deus não crea a água, como se a água já existisse, pois ela representa o princípio material – “o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Gênesis 1:2): o princípio espiritual e o princípio material, conforme nos ensina a questão 27 de O Livro dos Espíritos.

O vinho é um composto de espírito e matéria (álcool e água). A palavra “espírito” vem do latim spiritus, relacionado a spirare, “respirar”. O vapor do álcool também era chamado de “espírito do álcool” – essa é a origem da palavra “espiriteira”, que é uma espécie de fogareiro a álcool. O vinho simboliza a espiritualização na matéria.

Vimos que há uma sequência de cinco dias (ou cinco etapas de espiritualização) e depois passamos para o sétimo dia, que são as bodas. Não temos o sexto dia, mas eram seis jarros de água – seis jarros de água (representando o princípio material) que foi transformada em vinho (que representa a espiritualização na matéria). Não nos transformaremos depois que morrermos. Nossa transformação começa agora, enquanto estamos encarnados, vivendo na matéria.

Quando o mestre-sala (o organizador da festa) provou o vinho, ele chamou o noivo e disse: “(…) Todo o homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho”. O melhor vinho estava guardado – o melhor ainda está por vir, o melhor ainda não foi revelado.

A insuficiência do vinho é a nossa espiritualidade insuficiente. O vinho que acaba é a conscientização da nossa carência espiritual. Então nós ouvimos o Cristo e fazemos tudo o que ele nos diz. O melhor vinho ficou para o final, assim como o melhor ensino ficou para o final.

Os homens costumam oferecer primeiro o vinho bom, e depois que os convidados já estão bêbados, dão o vinho inferior. Os homens também costumam oferecer primeiro um ensino bom, uma doutrina boa, e depois que aqueles que a receberam já estão fanatizados, bêbados da sua doutrina, caem na mesmice dos seus dogmas empedrados e conceitos irracionais.

Mas Jesus proporcionou o melhor vinho para o final – e nós temos à nossa disposição uma doutrina condizente com as exigências do nosso grau evolutivo.

O mestre-sala diz ao noivo: “(…) tu guardaste até agora o bom vinho” – ele está se referindo, sem saber, à água que foi transformada em vinho por Jesus. A palavra grega que é traduzida como “guardar” (tu guardaste), é tetérekas (τετηρηκας), que quer dizer “mantido em guarda”, “vigiado”.

O vinho bom, que representa o ensino bom, a boa doutrina, estava guardado, estava vigiado – há muito a ser revelado. Os Evangelhos guardam ensinamentos vigiados pelas letras mortas.

Este foi o primeiro sinal de Jesus – o texto fala em “sinais”, não em “milagres”. A palavra grega é semeion (σημειων), que quer dizer “demonstração”, “sinal”, “símbolo”.

Jesus “(…) manifestou a sua glória (…)” – “manifestou” é a tradução de efanérosen (εφανερωσεν), indicativo aoristo, na voz ativa, terceira pessoa do singular do verbo phaneroo (φανεροω), que quer dizer “iluminar”, “tornar visível”. A raiz deste verbo é phos (φως), que quer dizer “luz”. Jesus mostrou a sua luz, a luz do Cristo. “Glória” é a tradução da palavra grega doxa (δοξα). A melhor tradução para esta passagem não é glória. Doxa é como traduzem a palavra hebraica kabod, que na Bíblia quase sempre se refere ao “peso da presença de Deus”. Mas não é o caso aqui. Jesus não está dando uma demonstração de poder, não está dando um show. Está claramente aproveitando a oportunidade para nos deixar um ensinamento.

A palavra grega doxa originalmente se referia à opinião que uma sociedade elabora num determinado momento histórico pensando se tratar de uma verdade óbvia, uma evidência natural, mas que para a filosofia não passa de uma crença ingênua, uma crença que deverá ser superada para a obtenção do conhecimento verdadeiro. Com o tempo a palavra doxa passou a expressar qualquer opinião, verdadeira ou não.

Jesus produziu um fenômeno provocando nos presentes a ideia de que estavam diante de uma verdade óbvia, de uma evidência natural de que se tratava de um milagre, e a opinião que formaram a respeito de Jesus se baseou (e se baseia até hoje) em torno do que consideram um milagre. Mas essa opinião – essa doxa, como diz o significado original da palavra doxa – é apenas uma crença ingênua, uma crença que deverá ser superada para a obtenção do conhecimento verdadeiro.

E o conhecimento verdadeiro é o simbolismo que se encontra por trás das letras do Evangelho. Muitas pessoas mantém essas crenças ingênuas num Jesus milagreiro que faz questão de manifestar o seu poder. Essas pessoas são as pessoas “ortodoxas” – orto quer dizer “certo”, “correto” – ortodoxo quer dizer “aquele que tem a opinião certa”. É isso que elas pensam, e por isso não se abrem a novas opiniões.

Mas doxa, como vimos, originalmente se refere a uma opinião ilusória, no fundo é apenas uma crença ingênua. Essas crenças foram necessárias naquele momento. Naquele momento histórico a humanidade não tinha condições de uma compreensão mais profunda do ensinamento de Jesus.

Caná quer dizer “zelo”, “fervor”. Assim foi a fé daquelas pessoas em Jesus.

“(…) manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele” – a palavra grega pistis (πιστις) é normalmente traduzida como “crença”, mas quer dizer fidelidade, lealdade, obediência, sintonia, harmonia, adesão.

Jesus mostrou a sua luz através deste fenômeno, que esconde um ensino profundo, e seus discípulos aderiram intimamente a ele, seus discípulos foram fiéis a ele, entraram na mesma sintonia que ele.

Crer, eles já criam em Jesus – se não cressem nele, não o estariam seguindo.

Com o ensino mais profundo, seus discípulos entraram em sintonia com o Cristo. É o que nós precisamos fazer: sintonizar com o Cristo. E o Cristo está dentro de nós.

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