O encontro de Jesus com a mulher samaritana é o tema deste vídeo. Numa abordagem baseada no conhecimento do Espiritismo, analiso e interpreto os ensinamentos eternos contidos por trás do véu das letras do Evangelho. Este é o 8º vídeo desta série de estudos sobre o Evangelho de João – um trabalho inovador que busca resgatar os grandes ensinos de Jesus só percebidos por quem vai além da aparência das palavras.
Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.
JOÃO 4:1-42
- E quando o Senhor entendeu que os fariseus tinham ouvido que Jesus fazia e batizava mais discípulos do que João
- (Ainda que Jesus mesmo não batizava, mas os seus discípulos),
- Deixou a Judéia, e foi outra vez para a Galiléia.
- E era-lhe necessário passar por Samaria.
O evangelista está dando a entender que Jesus passou a ser perseguido pelos fariseus – ou, pelo menos, começou a ser visto com maus olhos pelos fariseus pelo seu sucesso, que já ultrapassava o sucesso de João Batista.
Não podemos perder de vista a animosidade que havia entre os primeiros cristãos e os judeus que não haviam se convertido ao Cristianismo quando este Evangelho foi escrito. A opinião do evangelista reflete a situação da época.
Fica esclarecido aqui que Jesus não batizava, quem batizava eram os seus discípulos. Provavelmente o batismo por parte dos discípulos de Jesus se manteve enquanto João Batista era vivo, como um meio de transição da missão de João Batista para a missão de Jesus. Jesus não veio para nos ensinar atos exteriores, mas aceitou que isso se mantivesse pelo pequeno grau de adiantamento moral e intelectual da humanidade.
O texto diz que era necessário que Jesus passasse pela Samaria, mas isso não é exato. Essa explicação serve de pretexto para o evangelista contar o episódio da mulher samaritana.
- Foi, pois, a uma cidade de Samaria, chamada Sicar, junto da herdade que Jacó tinha dado a seu filho José.
- E estava ali a fonte de Jacó. Jesus, pois, cansado do caminho, assentou-se assim junto da fonte. Era isto quase à hora sexta.
Os samaritanos eram odiados pelos judeus. O maior xingamento que os judeus acharam para tentar ofender Jesus, mais tarde, foi chamá-lo de samaritano (João 8:48).
Judeus e samaritanos tinham uma origem em comum, embora os samaritanos tivessem se misturado com outros povos. Os samaritanos seguiam a Lei de Moisés, mas não seguiam os profetas; e não reconheciam Jerusalém como local sagrado – o seu local sagrado era Gerizim.
Jesus assentou-se junto à fonte de Jacó. Jacó foi também chamado Israel – foi quem deu origem às doze tribos de Israel, o povo israelita. Tanto judeus como samaritanos descendiam de Jacó.
É interessante notar que assim como eram “seis jarros” de água que foram transformados em vinho, agora era quase a “hora sexta”. Eram seis jarros e depois do seis veio a transformação. Agora era a sexta hora e depois também veio uma transformação.
- Veio uma mulher de Samaria tirar água. Disse-lhe Jesus: Dá-me de beber.
- Porque os seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida.
Acreditamos que os Evangelhos tenham sido inspirados por Jesus e pelos espíritos superiores auxiliares de Jesus. Mas não podemos esquecer que os Evangelhos foram escritos por homens, por espíritos encarnados como nós.
Numa análise atenta e sem ideias preconcebidas, é possível perceber facilmente o que é ensino de Jesus e o que é opinião de quem escreveu.
Acreditamos que o grande valor do Evangelho está nos simbolismos presentes em toda a narrativa. A vinda de Jesus à Terra foi milenarmente planejada, e Jesus aproveitou ocasiões aparentemente comuns para nos deixar ensinamentos eternos aparentemente ocultos por trás do véu das palavras, imagens e figuras de linguagem.
Vemos que os discípulos de Jesus tinham ido comprar comida. Jesus estava só, não houve testemunhas do seu diálogo com a mulher samaritana. O que nos é relatado, então, é o que Jesus deu a conhecer, mais tarde, para que ficassem registrados os simbolismos.
- Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se comunicam com os samaritanos).
O fato de os discípulos de Jesus comprarem comida de samaritanos já era um absurdo para a época. Comer comida de um samaritano era considerado um sacrilégio pelos judeus.
Jesus, ao pedir água e conversar a sós com uma mulher samaritana, então, é o cúmulo. Jesus está desrespeitando várias leis ou tradições de uma vez só: está conversando com uma mulher, que era considerada inferior – os homens jamais deveriam conversar com uma mulher na rua; a mulher era estrangeira, e os estrangeiros eram considerados impuros, não se podia ter contato com eles; a samaritana poderia ser considerada mulher de má vida, o que também era proibitivo, e Jesus está a sós com ela e pede água a ela.
Jesus mudou o olhar do mundo antigo sobre as mulheres. Muito do que ele fez não se manteve porque o preconceito dos homens era esmagador, mas Jesus foi o primeiro a tratar a mulher como um ser igual aos homens. Nas grandes religiões da Antiguidade a mulher era vista como inferior, principalmente no Oriente Médio, onde em parte essa visão permanece até hoje.
- Jesus respondeu, e disse-lhe: Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: Dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.
- Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com que a tirar, e o poço é fundo; onde, pois, tens a água viva?
“Água viva” é água corrente, água que brota de uma fonte ou nascente. O poço de Jacó tinha perto de 40 metros de profundidade, aquela é uma região onde a água é escassa, e parece que a origem deste poço é uma fonte subterrânea – poderia, então, ser chamada de água viva.
Jesus introduz um assunto de grande profundidade espiritual falando de coisas aparentemente terrenas. A mulher prossegue:
- És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e os seus filhos, e o seu gado?
- Jesus respondeu, e disse-lhe: Qualquer que beber desta água tornará a ter sede;
- Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna.
“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede” – no Sermão da Montanha, a quarta bem-aventurança de Jesus diz: “bem aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados”. “Justiça”, nesta passagem, se refere à “justeza”, ao “ajustamento com as Leis de Deus”. Os que têm sede de ajustar-se com as Leis de Deus, de viverem de acordo com as Leis de Deus, serão saciados.
No versículo 11 a mulher diz que “o poço é fundo” – o poço é fundo, o nosso vazio é imenso. A nossa vida estritamente material, sem nos abrirmos para a realidade espiritual, é vazia, profundamente vazia. E quando percebemos este imenso vazio, passamos a mendigar as coisas do espírito, como diz a primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os mendigos de espírito, porque deles é o reino dos céus”.
Não é possível ser totalmente feliz nem estar satisfeito por muito tempo na Terra – o mundo material não o permite. Por isso somos levados, pouco a pouco, a abandonar tudo o que se refere à matéria, para alcançarmos a felicidade e satisfação plenas, permanentes.
Conforme vamos nos desvencilhando da escravidão material e atingimos um determinado estágio de satisfação íntima, essa satisfação se torna irreversível, porque não está atrelada a coisas, sensações ou emoções, mas é o desenvolvimento de um atributo do espírito.
“(…) aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna” – qualquer prazer material, sensação ou emoção são passageiros, pois eles dependem de fatores externos, dependem de pessoas, de coisas, de lugares, de condições transitórias. A água viva, de que Jesus nos fala simbolicamente, representa as coisas do espírito, os valores eternos, o ajustamento com as Leis de Deus que estão gravadas em nossa consciência.
Deus está em tudo. Vimos no primeiro capítulo que Deus se manifesta no mundo sensível através do Logos – e o logos está dentro de nós, nós somos partículas de Deus.
Quando nós entramos em harmonia com as Leis de Deus, obedecendo à nossa consciência, nós nos tornamos receptivos a Deus, e nos tornamos nós mesmos fontes de água viva capazes de saciar outros seres como nós que estejam sedentos de Deus.
O final do capítulo anterior fala da “ira de Deus” – uma tradução certamente impensada da palavra grega orge (οργη). Deus não tem ira. A ira é um sentimento humano, Deus não é humano. Orge, que traduzem como “ira”, é o estado de agitação interna, a insatisfação íntima que nos torna agitados. Enquanto não nos harmonizamos com Deus, enquanto não bebemos da água viva de que nos fala Jesus, permanecemos com a orge de Deus – que não é ira, mas é a nossa própria inquietação interna, a nossa permanente insatisfação.
- Disse-lhe a mulher: Senhor, dá-me dessa água, para que não mais tenha sede, e não venha aqui tirá-la.
- Disse-lhe Jesus: Vai, chama o teu marido, e vem cá.
- A mulher respondeu, e disse: Não tenho marido. Disse-lhe Jesus: Disseste bem: Não tenho marido;
- Porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.
- Disse-lhe a mulher: Senhor, vejo que és profeta.
A mulher ainda não havia entendido que Jesus estava falando de coisas espirituais. Somente quando Jesus demonstra conhecer a sua vida é que ela percebe que há algo de especial nele, e pensa, num primeiro momento, que ele é um profeta.
A mulher samaritana representa todos nós, que buscamos satisfação nas coisas do mundo, nunca encontrando a satisfação plena. Passamos de uma atividade para outra, de um projeto para outro, de um vício para outro, mudando de casa, emprego, faculdade, profissão, religião, mulher, marido, sem nunca nos satisfazermos plenamente – pois enquanto fizermos dessas coisas o nosso objetivo de vida, jamais ficaremos satisfeitos.
Jesus faz a mulher perceber que o que ela precisa não são facilidades materiais, mas o reconhecimento do vazio interior para o posterior preenchimento com as coisas do espírito.
- Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.
- Disse-lhe Jesus: Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai.
Jesus está dizendo aqui o que muitos de nós já aprendemos – que não é preciso religião ou igreja para nos conectar com Deus.
- Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus.
Este versículo foge ao padrão dos demais. Em várias passagens o evangelista se refere aos judeus com visível hostilidade. Esta é a única passagem em que há uma referência positiva aos judeus, e a razão disso é defender a tese de que Jesus é o cumprimento das escrituras, que Jesus é o messias prometido, ou, segundo algumas interpretações, o próprios Deus encarnado.
Lembramos que este Evangelho foi escrito na cidade grega de Éfeso, e no mundo grego era normal a ideia de deuses que viviam como homens. Para que Jesus fosse aceito no mundo grego foi preciso torná-lo maior que tudo e adaptá-lo ao gosto de cada um, conforme o apóstolo Paulo, o maior propagador do Cristianismo, que influenciou o próprio evangelista João, confessa em uma de suas epístolas:
“E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns. E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele”. (1 Cor 9:20-23)
Podemos admitir que a salvação vem dos judeus pelo fato de serem os judeus o povo que estava mais preparado, pelas características da sua religião, a receber Jesus, que veio nos mostrar o caminho da auto-salvação.
Os judeus tinham uma característica fundamental que seria necessária para o sucesso do Cristianismo, e, consequentemente, para que a mensagem de Jesus chegasse até nós: a tradição de religião escrita.
Tudo na vida dos judeus se baseava no que estava escrito. A continuidade desta tradição é que permitiu que os Evangelhos chegassem até nós como um código cifrado. Somente hoje atingimos um grau de entendimento capaz de compreender o Evangelho mais profundamente, além do véu das letras mortas.
- Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
- Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.
Deus “(…) procura a tais que assim o adorem” – Deus á amor e Deus é luz. Quando amamos, quando fazemos brilhar a nossa luz, automaticamente nos harmonizamos com Deus.
Deus é espírito. Não que Deus seja um ser como nós. Deus é espírito porque não é matéria, Deus não é nada que possa ser percebido pelos nossos sentidos físicos.
A nossa harmonização com Deus, então, deve ser feita através do espírito, não da matéria. Nada que seja material nos liga a Deus. Devemos nos harmonizar com Deus espiritualmente e em verdade – que é o desvelamento, a retirada do véu do esquecimento da nossa natureza espiritual e divina, é sairmos da letargia da morte aparente do espírito e nos religarmos com Deus.
Em espírito e verdade, então, é em espírito verdadeiro, desvelado, consciente de seu pertencimento a Deus.
- A mulher disse-lhe: Eu sei que o Messias (que se chama o Cristo) vem; quando ele vier, nos anunciará tudo.
- Jesus disse-lhe: Eu o sou, eu que falo contigo.
Os samaritanos, que só seguiam o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia atribuídos a Moisés, esperavam um segundo Moisés, baseados no Deuteronômio:
“O Senhor teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis”. (Deuteronômio 18:15)
No versículo 25 o evangelista novamente explica um termo hebraico para o grego, esclarecendo que “messias” quer dizer “Cristo”, sinal claro de que ele se dirige aos gregos, de que ele formula o seu pensamento de acordo com o mundo grego.
Jesus declara à mulher que ele é o Cristo. Mas temos que ver aqui o ensinamento, não uma declaração que qualquer pessoa poderia fazer.
Jesus diz “eu sou”. “Eu sou” foi a descrição que Deus fez de si mesmo:
“E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós”. (Êxodo 3:14).
“Eu sou” é a nossa consciência. É através da constatação de que “eu sou” que eu chego ao reconhecimento de Deus. O nosso ser é manifestação de Deus, é Deus em nós.
A samaritana, que tentava inutilmente satisfazer seus desejos materiais (tentativa esta representada pelos seus cinco maridos), vai até o poço de Jacó buscar água.
Jacó representa a origem, pois foi quem deu origem aos samaritanos e judeus. A água, como já vimos, simboliza o elemento gerador absoluto, o princípio material.
A mulher percebe que na origem houve a busca pelas coisas materiais – a origem é Jacó; as coisas materiais são a água: Jacó cavou o poço. A água está lá no fundo do poço – para se alcançar as coisas materiais, representadas pela água, é preciso descer muito, passar por um grande vazio.
Jesus representa o nosso Cristo interno. A voz interna do Cristo faz a mulher perceber que a permanente busca pelas coisas materiais não satisfaz nunca, que para obter a satisfação é preciso buscar a “água viva”, a vida na matéria, a vida que anima a matéria, ou seja, o espírito.
Por fim a mulher nota claramente que esta voz que ela ouve é o seu Cristo interno, que aquilo que ela busca e espera há muito tempo é o Cristo que fala com ela e que está dentro dela.
Novamente vemos que depois do seis vem a transformação. A mulher teve cinco maridos e o que tinha agora não era seu marido, ou seja, a sua busca material já não a satisfazia – então ocorre o seu encontro com o Cristo.
- E nisto vieram os seus discípulos, e maravilharam-se de que estivesse falando com uma mulher; todavia nenhum lhe disse: Que perguntas? ou: Por que falas com ela?
- Deixou, pois, a mulher o seu cântaro, e foi à cidade, e disse àqueles homens:
- Vinde, vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Porventura não é este o Cristo?
- Saíram, pois, da cidade, e foram ter com ele.
O cântaro era usado para carregar a água. A água simboliza as coisas materiais. O cântaro, então, simboliza aqui o ato de carregar os valores materiais.
A mulher samaritana age como todos que reconhecem o Cristo dentro de si – livram-se das cargas materiais e vão anunciar aos outros o que descobriram, querem que mais pessoas saibam e sintam aquilo que eles sabem e sentem.
Ela se refere ao Cristo como “um homem que me disse tudo quanto tenho feito” – quem sabe tudo o que temos feito é a nossa consciência. Podemos esconder de todo mundo nossos sentimentos, pensamentos, palavras e ações, mas nossa consciência sabe tudo sobre nós. A questão 621 de O Livro dos Espíritos diz que as Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. O processo de conscientização, tão salientado no Evangelho de Lucas, começa justamente com a comparação entre tudo o que temos feito e as Leis de Deus. A partir dessa comparação e da análise que surge dessa comparação é que nos damos conta do quanto precisamos mudar. E se tivermos coragem começamos a mudança.
- E entretanto os seus discípulos lhe rogaram, dizendo: Rabi, come.
- Ele, porém, lhes disse: Uma comida tenho para comer, que vós não conheceis.
- Então os discípulos diziam uns aos outros: Trouxe-lhe, porventura, alguém algo de comer?
- Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra.
Assim como a mulher samaritana não entendeu que a água a que Jesus se referia não era água de beber, os discípulos de Jesus não entendem que a comida de que ele está falando não é comida de comer.
Vemos que os discípulos de Jesus não são espíritos muito adiantados, eles se destacam mais pela boa vontade do que pelos seus atributos morais e intelectuais.
“(…) A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra” – Jesus está falando do alimento do espírito. É este alimento do espírito que Jesus nos ensinou a pedir na oração que conhecemos como Pai Nosso (Mateus 6:11): a tradução correta não é “o pão nosso de cada dia”, mas “o pão nosso sobressubstancial”, o pão além da substância, além da matéria, o pão espiritual. O corpo físico precisa de alimento físico, mas nem só de pão vive o homem (Mateus 4:4). O espírito precisa de alimento espiritual, e este alimento é fazer a vontade de Deus.
Por isso também dizemos no Pai Nosso: “seja feita a tua vontade, assim na Terra como no céu” (Mateus 6:10) – que nós sejamos movidos não pela nossa vontade pessoal, personalística, egoística e transitória, mas pela vontade de Deus.
Esta tradução diz “realizar a sua obra” – fazer a vontade de Deus e realizar a sua obra. A palavra “realizar” é a tradução do verbo grego teleioó (τελειοω), que é melhor traduzido como “completar”, “aperfeiçoar”.
Nós somos filhos de Deus, creados à imagem e semelhança de Deus, portanto, perfectíveis. Quando fazemos a vontade de Deus nos tornamos co-creadores com Deus.
Nós somos obra de Deus. Aperfeiçoando a nós mesmos e auxiliando no aperfeiçoamento do próximo, estamos aperfeiçoando a obra de Deus.
- Não dizeis vós que ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Eis que eu vos digo: Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa.
Se os discípulos de Jesus disseram que ainda faltavam quatro meses para a ceifa (ou para a colheita), certamente no lugar onde eles estavam havia uma plantação, provavelmente um trigal.
“(…) Levantai os vossos olhos, e vede as terras, que já estão brancas para a ceifa” – acreditamos que Jesus estivesse se referindo aos samaritanos que neste momento se aproximavam deles.
Jesus sempre aproveitava um fato material para dar um ensinamento espiritual. Falou da água, falou da comida, e agora fala da colheita. A colheita de que Jesus está falando se refere à semente que ele plantou na mente da mulher samaritana.
Só para lembrar: “Samaritana” quer dizer “vigilante”. A mulher samaritana é a mulher vigilante, que aprendeu a vigiar o seu íntimo. Jesus plantou sua semente na conversa com a samaritana e esta semente já havia brotado e dado fruto. Os samaritanos que vinham até eles agora são a colheita.
Simbolicamente percebemos que os discípulos não estavam prontos, pois achavam que não era tempo de colheita. Jesus mostra que a semeadura e a colheita espiritual não obedecem a prazos rígidos como na matéria – sempre é tempo de plantar e sempre é tempo de colher.
- E o que ceifa recebe galardão, e ajunta fruto para a vida eterna; para que, assim o que semeia como o que ceifa, ambos se regozijem.
- Porque nisto é verdadeiro o ditado, que um é o que semeia, e outro o que ceifa.
- Eu vos enviei a ceifar onde vós não trabalhastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho.
Essa última afirmação de Jesus faz referência ao profeta Josué, que substituiu Moisés quando da chegada do povo israelita à terra prometida. Josué disse:
“E eu vos dei a terra em que não trabalhastes, e cidades que não edificastes, e habitais nelas e comeis das vinhas e dos olivais que não plantastes”. (Josué 24:13)
Isso foi dito na chegada do povo à terra prometida, talvez naquele mesmo lugar onde eles estavam agora.
O que ceifa recebe galardão – a palavra galardão, muito utilizada por alguns segmentos religiosos, é a tradução da palavra grega misthos (μισθος), que quer dizer “recompensa”, mas recompensa no sentido de efeito, resultado, uma recompensa que compensa de forma adequada uma ação. Esta palavra é usada no Novo Testamento tanto se referindo a boas recompensas como a más recompensas.
Tanto quem semeia quanto quem colhe está trabalhando e recebe a sua recompensa por isso. É verdade que através da reencarnação muitas vezes colhemos numa existência o que semeamos numa existência anterior. Neste sentido, quem semeia e quem colhe não são a mesma pessoa, não são a mesma personagem, mas é a mesma individualidade, o mesmo espírito imortal.
O que ceifa recebe galardão, e ajunta fruto para a vida eterna – a vida eterna, como já vimos, é a vida plena ou vida imanente, a vida em Deus. Se ζωην αιωνιον, que traduzem como “vida eterna”, fosse a recompensa, o objetivo final a alcançar, não faria muito sentido ajuntar fruto para a vida eterna. Ajuntar fruto para que?
O Evangelho de João fala em vida eterna assim como os Evangelhos sinóticos falam em reino de Deus. São expressões equivalentes, embora a expressão utilizada no Evangelho de João seja mais abrangente. O reino de Deus é o nosso próximo estágio evolutivo, é quando o espírito predomina sobre a matéria. A vida plena em Deus, que chamam de vida eterna, é uma ideia mais elevada disso, mas se trata do mesmo objetivo.
Quando chegarmos a esse estágio ainda seremos humanos e falíveis, embora num grau muito menor que hoje. Ainda estaremos sujeitos à Lei de causa e efeito – se não fosse assim, não ajuntaríamos fruto, não colheríamos fruto para a vida eterna.
- E muitos dos samaritanos daquela cidade creram nele, pela palavra da mulher, que testificou: Disse-me tudo quanto tenho feito.
- Indo, pois, ter com ele os samaritanos, rogaram-lhe que ficasse com eles; e ficou ali dois dias.
- E muitos mais creram nele, por causa da sua palavra.
- E diziam à mulher: Já não é pelo teu dito que nós cremos; porque nós mesmos o temos ouvido, e sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo.
Vemos que os samaritanos foram até Jesus, provavelmente atravessando a plantação. É dito que os samaritanos creram, ou melhor, sintonizaram, aderiram ao Cristo por causa da sua palavra.
Não foram precisos sinais para os samaritanos. “Samaritano” quer dizer “vigilante”. Quem está vigilante não precisa de sinais externos para crer. Ele sintoniza a partir da fé raciocinada. Aqui agiu a fé raciocinada. Num primeiro momento eles acreditaram nas palavras da mulher. Mas não ficaram dependentes dela, do que ela dizia. Eles mesmos conferiram, ouviram, foram receptivos às palavras do Cristo e aderiram intimamente a ele.
Essa deve ser a atitude em questões de fé. Não podemos simplesmente acreditar no que nos dizem, temos que nos questionar, temos que ter as nossas próprias experiências. Pergunte-se, questione-se, busque por você mesmo, encontre a sua verdade interna.
“(…) sabemos que este é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do mundo” – a intenção do evangelista, aqui, é mostrar Jesus como aceito por todos. Quer demonstrar que Jesus não é apenas mais um profeta judeu, mas o que ele considera “o salvador do mundo”.
Vimos, desde o começo deste Evangelho, que se converteram os discípulos de João Batista; os galileus; os judeus; Nicodemos, que representava a alta classe religiosa; e agora os samaritanos, que eram considerados impuros (Atos 8).
A salvação proposta por Jesus é universal, é para todos. Só não podemos aceitar que Jesus salve. Jesus nos ensina o caminho para a nossa auto-salvação, mas nós nos salvamos se quisermos e movidos pelas nossas próprias energias. Sintonizando com Jesus teremos mais forças para esse esforço de evolução, mas até esta sintonia depende de nós, somos nós que temos que tomar a iniciativa.
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