Não há como não me manifestar a respeito dos protestos que varrem o país. Desde os caras-pintadas que protestaram contra o Collor, em 92, que não se via nada parecido.
Estou de férias, e todos sabem que não acompanho a grande mídia. Quando tomo conhecimento de algum assunto que é notícia, é porque se trata de algo relevante.
Temos fama de ser um povo pacato, até acomodado. Nem sempre foi assim. Colhemos hoje o que foi plantado em mais de duas décadas de regime militar, onde qualquer manifestação popular era proibida. Antes do regime, no discurso de Jango, na Central do Brasil, mais de 150 mil pessoas se reuniram para apoiar o presidente em busca de reformas. Pouco depois, em decorrência deste mesmo discurso, desta vez em oposição ao presidente, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, promovida pelos setores conservadores da sociedade, congregou meio milhão de pessoas, quando a população do país era de 80 milhões. Citei apenas dois fatos históricos conhecidos. Mas era comum o protesto e a reunião de massas.
Acho uma grande vantagem sermos um povo pacífico. Há muito menos ódio aqui, em terras brasileiras, do que em países conhecidos pelas grandes mobilizações. Por sermos normalmente pacíficos, temos total legitimidade para protestar quando o momento pede protesto. E o momento, agora, pede protesto. E, para surpresa de muitos, os protestos têm sido, em sua maioria, pacíficos e ordeiros.
Claro que a baderna sempre aparece mais. Há uma proliferação de fotos mostrando cenas de violência e depredação. Mas já há grupos organizados que se propuseram a consertar o que foi depredado pelos vândalos. É o que precisamos para demonstrar a maturidade da contestação. Os últimos movimentos de contestação vinham se destacando pelo radicalismo, pelo pequeno número de participantes e pela vinculação, direta ou indireta, desses grupos, a partidos políticos.
Talvez o maior mérito do movimento de protestos que vem ocorrendo seja a sua não vinculação a nenhuma organização político-partidária. Os organizadores e participantes do movimento estão conscientes de que não precisam do apoio oportunista de partidos políticos interessados em tirar proveito da situação.
Fruto das redes sociais. A propósito, cito trecho do artigo que escrevi e publiquei em 21 de Dezembro último:
As redes sociais já fazem parte do cotidiano de milhões e milhões de pessoas, ocupando um espaço cada vez maior. A tecnologia vai fazer com que nos tornemos cada vez mais seletivos. Cada vez mais iremos nos relacionar com os que compartilham de nossas ideias.
A tecnologia nos propiciará a união de nossos pensamentos. Não está longe o dia em que milhões de pessoas sinceras se unirão no mesmo instante em pensamento elevado e transformador. E quando ficar claro o poder que alcançamos em união, tudo se tornará mais fácil. Transformações políticas e sociais estarão ao nosso alcance.
As redes sociais tornam possível o que há algum tempo atrás era utópico: A união de pessoas com os mesmos objetivos sem serem necessariamente pertencentes à mesma classe, grupo, lugar. O movimento acontece naturalmente. A propósito, a questão 797 do Livro dos Espíritos:
Como poderá o homem ser levado a reformar suas leis?
– Isso ocorre naturalmente, pela força mesma das coisas e da influência das pessoas que o guiam na senda do progresso. Muitas já ele reformou e muitas outras reformará. Espera!
Os protestos que estão acontecendo tomaram uma amplitude maior, mas começaram contra o aumento das passagens de ônibus. Os críticos dessas manifestações ridicularizam os jovens, numa tentativa de tirar deles a legitimidade de suas reivindicações. Criticam o jovem por protestar. Mas também costumam criticar os jovens por não serem politizados… Também alegam que o motivo dos protestos é pequeno, já que se trata de alguns centavos de aumento das passagens. Os que assim se posicionam não se colocam no lugar de quem é usuário de transporte público, para quem qualquer diferença faz a diferença. Por viverem uma realidade econômica diferente, não levam em consideração as dificuldades financeiras da maioria da população.
Protestar em nome da sua classe social é legítimo e construtivo. Quem pensa diferente talvez não considere a agilidade e o dinamismo da Lei do progresso, que deve contar com a participação da sociedade. Conforme nos esclarece a questão 850 do Livro dos Espíritos:
A posição social não constitui às vezes, para o homem, obstáculo à inteira liberdade de seus atos?
– É fora de dúvida que o mundo tem suas exigências. Deus é justo e tudo leva em conta. Deixa-vos, entretanto, a responsabilidade de nenhum esforço empregardes para vencer os obstáculos.
Nosso modelo e guia, Jesus, contestou as leis anacrônicas de seu tempo. Não se calava diante dos poderosos. Mas era ordeiro, manso e pacificador. Nunca pregou a revolta ou a desobediência às leis. Nunca é demais lembrar.
Este período já faz parte da História. Que a História continue sendo escrita a partir de movimentos cada vez mais articulados e ordeiros. Isso é apenas o começo. E esse começo não deve desanimar se não trouxer resultados imediatos. Devemos lembrar que as redes sociais são virtuais, mas que a estrutura de poder continua e continuará, por algum tempo, protegida e distante.
O melhor de tudo, num primeiro momento, é o exemplo de grupos que se organizaram para limpar e arrumar o que alguns baderneiros bagunçaram. Atitudes com essas desarmam qualquer tentativa de desmerecimento por parte de quem se sinta atingido pelos protestos. É ação no melhor exemplo cristão, mesmo que essas pessoas não sejam cristãs. É dar de si mesmo, sem buscar culpados ou desculpas. Temos muito o que aprender com elas.