Você já ouviu dizer que Deus castiga? Você não acha essa abordagem um pouco equivocada? É verdade que no tempo de Jesus, onde predominava a ignorância, era necessário servir-se de imagens fortes para impressionar as mentes rebeldes. Por isso Jesus usou expressões como “pranto e ranger de dentes” ou o “fogo da Geena”, que é geralmente traduzido como “fogo do inferno”.
A Geena ou o Vale dos Gemidos é mencionado já no Antigo Testamento, desde Josué. Era um vale onde foi construído um altar ao deus Moloch, onde eram feitos sacrifícios de crianças. Até reis dos judeus, como Manassés e Acaz, queimaram os seus próprios filhos em adoração a Moloch. O profeta Jeremias protestou contra essa monstruosidade, e o Rei Josias destruiu o local do culto fazendo daquele vale o depósito de lixo de Jerusalém, onde lançavam os cadáveres de animais e de criminosos. O gás, provavelmente metano, produzido pela deterioração do lixo, é que fazia o fogo manter-se aceso permanentemente. Assim surgiu o simbolismo do fogo que nunca se apaga, que foi utilizado para a figuração do inferno.
Quando Allan Kardec codificou o Espiritismo ainda imperavam os conceitos defendidos pela Igreja, e as expressões utilizadas por Kardec refletem isso. Muitos espíritas sustentam, até hoje, que Deus castiga. Quando tentamos argumentar que Deus, Pai amoroso e bom, infinitamente misericordioso, não pune os seus filhos, elas dão o golpe que julgam fatal: – Mas está no Evangelho segundo o Espiritismo!
Sim, é verdade que nesta obra está escrito com todas as letras que “Deus pune”. Para falar de Kardec, então, nos servimos do próprio Kardec. A questão 621 d’O Livro dos Espíritos diz que as Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. Quem pune, então, é a nossa consciência; quem castiga é a nossa própria consciência. A nossa consciência é o nosso juiz particular. Testemunha, promotor e juiz. E não há instância superior a apelar. A consciência não falha. Afinal, a consciência é Deus em nós.
Dissemos que é a consciência que pune ou castiga. Essas palavras, “punir” e “castigar”, como tantas outras, perderam o seu sentido original com o tempo.
Punir vem do latim “punire”, que significa “aplicar pena em alguém”. Aplicar “pena”. Pena, do latim “poena”, que, por sua vez, vem do grego “poine”, que quer dizer “puro”, “limpo”. Castigar vem do latim “castus”, que também quer dizer “puro”, “limpo”.
Quando lemos, então, que Deus pune ou que Deus castiga, devemos entender que a nossa consciência adota automaticamente os meios mais adequados para a nossa purificação. Cometemos erros, contrariamos a harmonia do Universo, poluímos o nosso pequeno mundo, e a consciência adota providências para que limpemos a sujeira que fizemos, para que purifiquemos o que foi poluído por nós. É só isso.
Deus não castiga nem pune. Deus é a Lei. A Lei é inflexível. Sujamos, temos que limpar. Bagunçamos, temos que arrumar. Quebramos, temos que consertar. Não como castigo, mas como oportunidade de aprendizado. A Vida nos oferece lições todos os dias. Se as aproveitamos, vamos passando para níveis mais adiantados. Se não as aproveitamos, temos que repetir lições cada vez mais duras, que tenham poder de fixar o aprendizado.
Para os raciocínios mais apressados, isso pode parecer apenas questão de palavras. Mas o nosso pensamento é construído com palavras. Conforme os conceitos que atribuímos às palavras, então, formulamos pensamentos mais ou menos ajustados à verdade que conseguimos apreender. Construímos a nossa realidade a partir do pensamento. É o pensamento que determina a nossa realidade. Percebemos, então, a importância de pensar adequadamente, utilizando-nos dos conceitos corretos.
Quando lemos, então, que Deus pune, temos que ter em mente que Deus está dentro de nós, e que é a partícula de Deus presente em cada um de nós que nos julga. E precisamos ter bem claro que não existe castigo ou punição da maneira como costumamos entender essas palavras hoje. Não é “olho por olho e dente por dente”, são mecanismos de harmonização que conspiram a nosso favor, proporcionando-nos as oportunidades mais adequadas ao nosso processo evolutivo. O que vemos como “castigo”, no sentido vulgar da palavra, é, na verdade, purificação espiritual, limpeza da mente através de novos aprendizados.