O que é a religião espírita? Existe, realmente, uma religião espírita?
Sim, existe. É verdade que o Espiritismo, em sua origem, não era uma religião – o Espiritismo surgiu a partir das
investigações de Allan Kardec acerca dos fenômenos que ocorriam na metade do século XIX, como mesas que giravam sem ninguém encostar nelas e cadeiras que “dançavam” e respondiam, através de pancadas, às perguntas que se lhes faziam.
O Espiritismo nasce como ciência de observação e filosofia. Como, então, o Espiritismo se tornou uma religião?
Allan Kardec, percebendo que havia uma inteligência por trás daqueles fenômenos, já que não podia conceber que mesas e cadeiras fossem inteligentes por si mesmas, investigou e concluiu que o que se manifestava através desses objetos nada mais era do que os espíritos das pessoas que haviam morrido. Chegou-se à certeza, então, de que não só o espírito sobrevive à morte do corpo físico, como ele pode comunicar-se com as pessoas vivas.
Imagine o entusiasmo de Allan Kardec com essas constatações! Logo percebeu-se que os espíritos só estavam se utilizando de objetos materiais por falta de meios mais adequados para a sua manifestação. E esses meios eram os médiuns. Os médiuns nada mais são do que pessoas dotadas de uma maior sensibilidade, pessoas capazes de sentir e transmitir sentimentos, pensamentos e emoções dos espíritos.
Nesta descoberta de um mundo novo, cheio de novas possibilidades, Allan Kardec formulou milhares de perguntas aos espíritos, e logo constatou que eles continuavam como haviam sido em vida. Não é o fato de desencarnar que promove mudanças significativas no caráter do espírito. Quando desencarnamos continuando sendo o que somos, com as mesmas qualidades e características.
Assim ressurgiram antigas questões filosóficas, que inquietaram o homem através dos milênios: de onde viemos, para onde vamos, como alcançarmos a felicidade. E ficou claro, através da observação, que cada um colhe o que planta, que o que define nossa condição feliz ou infeliz são nossas atitudes perante a vida, perante o nosso próximo e perante nós mesmos.
A questão 625 de O Livro dos Espíritos é sintomática: Allan Kardec pergunta quem Deus ofereceu aos homens para servir de modelo e guia. A resposta é: – Jesus.
A partir daí, estavam traçados os rumos do Espiritismo como religião. Não religião no sentido usual do termo, mas na sua acepção original, do latim religare, ou seja, religar; religar com Deus.
O Espiritismo, se bem compreendido, sentido e vivido, nos religa com Deus, nós nos reconectamos – ou percebemos que nunca estivemos desconectados…
Allan Kardec notou, e todos nós notamos ao estudar o Espiritismo, que as melhores noções da moral cristã são, na verdade, Leis Cósmicas eternas e imutáveis, são o caminho que nos leva de volta a Deus, como filhos pródigos que cansaram da sua aventura longe do pai e retornam à casa paterna humildes e reconfortados.
Então o Espiritismo é uma religião como qualquer outra?
Na verdade, não. Não temos dogmas, não temos sacerdotes, nem paramentos, nem rituais, nem sacramentos e outras coisas que caracterizam as religiões tradicionais. É religião porque buscamos a Deus, temos em Jesus o modelo e guia a seguir, encontramos na oração um meio de elevação dos pensamentos, sentimentos e energias, nos reunimos em centros espíritas para, de algum modo, nos congregar.
Mas o que norteia o Espiritismo é a sua ênfase ao amor e ao estudo. Temos que aprender a amar – e podemos entender o amor como “harmonia”. Precisamos viver em harmonia com nós mesmos, com os outros, com a vida, com a natureza, com as Leis de Deus que nos regem.
E precisamos estudar, sempre e sempre. É através do esclarecimento constante que nós desenvolvemos melhor as nossas potencialidades. Para amar é preciso compreender intimamente o porquê da necessidade de amar. E isso só conquistamos intelectualmente, com o estudo permanente.
Podemos falar, então, de uma religião espírita. Tendo em vista que, por não termos dogmas como as religiões tradicionais, temos que avançar sempre, acompanhando os progressos da ciência, aprimorando os nossos conceitos, buscando saber mais e fazer mais – pois o saber, sem a prática do saber, não tem grande valor.
Mas alguns dizem que o Espiritismo é uma ciência…
Sim, o Espiritismo tem esse caráter de ciência de observação. Além disso, através da observação notamos que as Leis que regem o Universo são as mesmas em todos os planos. Estamos, pois, como espíritos, sujeitos a Leis estudadas pela ciência ortodoxa. Mas querer que o Espiritismo seja só ciência é fugir da necessidade de praticar o que aprendemos, que são as Leis morais ensinadas por Jesus no seu Evangelho.
Existem pessoas no meio espírita que criticam fortemente o fato de o Espiritismo ter tomado conotações religiosas no Brasil, aproximando-se do catolicismo. Essas pessoas podem ter razão em parte. É evidente que o Espiritismo sofre influência do pensamento dominante no Brasil, que ainda tende muito às suas raízes católicas.
Mas esse é um Espiritismo essencialmente prático, ativo, dinâmico. Os que criticam gostariam, talvez, que o Espiritismo se resumisse a graves reuniões de cientistas sisudos, cheios de pompa e nada de prática em benefício do próximo.
Se fosse assim, o Espiritismo teria morrido na casca, como aconteceu na França, onde nasceu. O Espiritismo lá permaneceu restrito a um pequeno círculo de estudiosos. Em vez de criticar os “espiritólicos”, como eles chamam, deveriam concentrar as suas forças em desenvolver o aspecto científico do Espiritismo. Reclamam, mas não fazem nada.
E o aspecto filosófico do Espiritismo? O Espiritismo é também uma filosofia?
O aspecto filosófico do Espiritismo, embora não seja muito mencionado, é o mais seguro e permanente. A ciência, que está sempre avançando, tem que ser sempre revista; a religião muda de acordo com o entendimento do povo e da época; mas a filosofia, que responde às grandes questões humanas e que independe de fatores externos, já que está assentada na lógica, esta é inabalável, sempre mais ampla à medida que nossos horizontes se ampliam, sem jamais ser ultrapassada ou desmentida.
Cada um pode viver o Espiritismo do modo que achar melhor, de acordo com as suas características pessoais. O Espiritismo é amplo o suficiente para abrigar várias tendências. Podemos, sim, falar de uma religião espírita. É um Espiritismo prático, moral, voltado para a reforma íntima e para a caridade. Negar isso me parece preguiça ou o velho orgulho que não aceita ser confundido com “reles religiosos”.
E antes que alguém me critique por estar criticando (que contradição, heim?), vamos lembrar que não há nada, nem no Evangelho de Jesus, nem na Doutrina, que nos impeça de expor nossas opiniões e sustentá-las com argumentos. Nós não podemos, em nome de uma suposta elevação moral que ainda estamos longe de alcançar, nos tornar seres apáticos, sem opinião, sem posicionamento definido, calando perante as maiores barbaridades e absurdos para parecer bonzinhos.
Eu, particularmente, não sou bonzinho – nem quero ser. Quero ser bom, e ser bom não tem nada a ver com ser bonzinho. Jesus era bom mas não era bonzinho. Jesus soltava o verbo contra tudo o que considerasse errado. Não é ele o nosso modelo e guia? Ou você prefere seguir um Jesus inventado para nos tornar dóceis?