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O diabo não existe – uma visão espírita sobre o diabo

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O diabo não existe – isso pode parecer óbvio para você, se você é espírita. Mas milhões de pessoas ainda acreditam na existência do diabo como um ser real, personificado. E embasam a sua crença na Bíblia, a mesma Bíblia que nos apresenta Jesus.

Neste vídeo respondo a algumas objeções de internautas a outro vídeo que gravei sobre o tema: Não existe diabo! Não existe demônio Não existe satanás!

Se preferir, leia o texto logo abaixo.

Um dos vídeos que eu gravei que mais recebe comentários é aquele vídeo que fala a respeito da não existência do diabo, “Não existe Diabo, não existe Demônio, não existe Satanás”.

O tempo de que eu disponho não me permite entrar em debates, por isso muito raramente eu respondo aos comentários dos vídeos – até por que esses debates dão muito repetitivos, então… acontece que algumas pessoas olham o título do vídeo ou começam a assistir ao vídeo e se deparam com algum argumento que contraria as suas crenças, os seus interesses, e nem se dão ao trabalho de olhar o vídeo completo. Nesses casos, então, o debate seria inútil, eu estaria falando sozinho.

Mas eu recolhi alguns dos principais comentários a respeito desse vídeo, as principais contestações aos meus argumentos e pretendo respondê-los brevemente agora.

Por que voltar a esse tema?

A minha atuação se dá no meio espírita, e no próprio meio espírita eu já recebi algumas críticas – todas elas muito respeitosas – em relação à insistência do meu trabalho no combate à ideia do diabo, à insistência do meu trabalho em combater a ideia do diabo como um ser personificado, como um ser real.

E por que essa insistência?

Não é o meu interesse combater ideias religiosas, muito menos combater religiões. Nós sabemos que a maior parte das pessoas que acredita no diabo é composta por católicos e protestantes (ou os chamados evangélicos). Tanto católicos quanto evangélicos exercem um papel importante que merece todo o nosso respeito, mas não há como fazer uma mudança profunda no ser imortal que nós somos se nós não reconhecermos a total responsabilidade que nós temos sobre nós mesmos. Então, enquanto nós tivermos a ideia de um ser culpado pelo mal, um ser a quem se atribui a causa de todo o mal que há na Terra, nós não nos responsabilizaremos pelos nossos pensamentos, pelas nossas palavras, pelas nossas ações.

Não podemos mais continuar terceirizando a responsabilidade que temos sobre nós mesmos, porque a ideia do diabo é isso: é a terceirização da responsabilidade. Nós erramos, mas não somos culpados pelo nosso erro – nós estamos apenas dominados ou influenciados pelo diabo; o culpado é o diabo.

Entre os espíritas não existe a crença no diabo, mas essa terceirização da responsabilidade também acontece apenas mudando de nome – o culpado não é o diabo porque o diabo não existe, mas o espírita muitas vezes coloca a culpa dos seus males no espírito obsessor.

Dentre os comentários a respeito desse vídeo que eu gravei sobre a não existência do diabo, talvez o maior argumento – e o mais convincente – seja a citação da tentação de Jesus, que está no capítulo 4 de Mateus e também no capítulo 4 de Lucas.

Como eu estou me dirigindo aos que supostamente conhecem os textos bíblicos, eu não vou citar grandes trechos da Bíblia para depois comentá-los. O episódio da tentação de Jesus diz que ele ficou 40 dias no deserto sendo tentado pelo diabo.

Eu preciso apenas lembrar da minha ideia a respeito de diabo ou satanás:

Satanás é uma palavra hebraica e diabo é a tradução grega da palavra satanás, então os dois querem dizer a mesma coisa. O significado dessas palavras é “opositor”, “antagonista”; não se refere a um ser, se refere a uma qualidade – essa qualidade é a oposição às Leis de Deus. Então, se nós estamos de acordo com as Leis de Deus nós nos elevamos, nós nos espiritualizamos. Se nós estamos em desacordo com as Leis de Deus, agindo contrariamente às Leis de Deus, nós cada vez nos materializamos mais, nos apegamos à matéria.

O diabo não pode de jeito nenhum ser visto como um ser com vida, real, um ser que existe assim como nós.

E nesse episódio da tentação de Jesus o diabo aparece como se fosse uma pessoa falando com Jesus. Evidentemente estamos tratando de simbolismos – toda a Bíblia nos apresenta simbolismos. A única maneira de termos o entendimento mais profundo a respeito da Bíblia, assim com a respeito de qualquer livro sagrado, é percebendo que esses livros são escritos simbolicamente – e devem ser compreendidos simbolicamente.

Fílon de Alexandria – contemporâneo de Jesus – já percebia isso, e já fazia uma leitura da simbólica da Torah. Então nós vamos citar dois trechos deste episódio da tentação de Jesus pelo diabo no deserto apenas para demonstrar o absurdo de uma leitura ao pé da letra:

“E elevando-o, mostrou-lhe no momento todos os reinos do mundo. Disse o Diabo: Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos porque ela me foi entregue e a dou a quem eu quiser”. Lucas 4:5-6

Se o Diabo fosse um ser personificado assim como eu e você, um ser conversando com Jesus, ele não teria como cumprir essa promessa. Cada um desses reinos supostamente mostrados pelo diabo a Jesus tinham os seus reis, os seus líderes. Não era o diabo como ser que dominava esses reinos. Por aqui já se percebe que isso é uma linguagem simbólica.

Mais adiante :

“Então o levou a Jerusalém e o colocou sobre o pináculo do templo”. Lucas 4:9

O diabo teria levado Jesus até Jerusalém e colocado Jesus sobre o pináculo do templo. Como eles teriam ido lá? Voando, talvez. E como ninguém teria visto os dois sobre o pináculo do templo? Toda a vida israelita girava em torno do templo, aquilo estava sempre repleto de pessoas – será que ninguém viu Jesus e o diabo sobre o pináculo do templo? Como é que um fato dessa magnitude não entrou para a História?

O historiador Flávio Josefo, que era Judeu e foi contemporâneo de Jesus, registra minunciosamente, com todos os detalhes, a vida dos judeus, pelo menos até a destruição do templo, no ano 70 – e não menciona o fato de Jesus e o diabo estarem sobre o templo de Jerusalém, sobre o pináculo do templo.

Mas poderia ser, então, que os historiadores não tivessem nenhum interesse em registrar um fato como esse – mas nem mesmo o Evangelho volta a tocar no assunto. Se isso tivesse ocorrido materialmente, certamente teria chamado muito a atenção das pessoas e seria um assunto dominante ao longo de todo o Evangelho.

Para confirmar que Jesus foi tentado pelo diabo no deserto, um outro comentário deste vídeo cita uma passagem da epístola aos Hebreus:

“Porque não temos sumo-sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas (está se referindo a Jesus). Antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado”. Hebreus 4:15

Eles tentam usar isso como argumento para confirmar que Jesus foi tentado pelo diabo – mas isto aqui está justamente confirmando a minha opinião: Jesus foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança. Nós não somos tentado pelo diabo. Você é tentado pelo Diabo? Nós somos tentados por nossos pensamentos que vêm à nossa mente, por sentimentos maus que nós nutrimos, mas não somos tentados por um ser que se coloca à nossa frente e começa a conversar conosco, nos tentando.

E pode acontecer, eventualmente, de aparecer um ser em forma humana, mas isso não é o diabo como um ser, porque o diabo não existe; isso é um espírito materializado ou um espírito visto (percebido) por alguém que é vidente. Mas é um espírito; um espírito assim como nós – apenas despojado do corpo físico.

Sem dúvida nenhuma o argumento mais famoso daqueles que defendem a ideia do diabo é Gênesis 3, na parte que fala da serpente. Eu já tratei disso noutro vídeo. Algumas pessoas só conseguem compreender aquilo para que elas estão preparadas, então mesmo eu argumentando muitas vezes, apontando vários argumentos, elas acabam repetindo sempre as mesmas coisas. Claro que não são todos – mas é o caso de algumas pessoas, e se percebe até pela maneira delas se expressarem que o seu conhecimento é insuficiente.

Gênesis 3 evidentemente trata de um simbolismo – assim como toda aquela parte que trata da creação. Não é possível acreditarmos hoje, ainda, que Deus creou o mundo em seis dias.

Gênesis 3 começa dizendo que a serpente é mais sagaz do que todos os animais selváticos.

Não se trata de um animal, não se trata do diabo, não se trata de um ser. A serpente é um simbolismo. Aliás, Jesus nos recomendou sermos prudentes como a serpente. Jesus não nos recomendaria sermos “prudentes como o diabo”, nos assemelharmos em alguma coisa como o diabo. A serpente não é o diabo; a serpente é um símbolo.

Gênesis 3 diz que depois que Adão e Eva foram convencidos pela serpente a comerem o fruto do conhecimento da árvore do bem e do mal, Deus condenou a serpente a andar sobre o próprio ventre. Como é que era a serpente antes, então? Ela caminhava?

Diz ainda que Deus condenou a serpente a comer pó – mas as serpentes não comem pó! Será que Deus se enganou?

Existem várias outras passagens da Bíblia que falam a respeito de serpente, utilizando o simbolismo da serpente. Já os citei no outro vídeo, não vou repeti-los. Mas o argumento de que eles se utilizam para dizer que a serpente é satanás está no Apocalipse – e ,realmente, lá está escrito assim:

“E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente que se chama diabo e satanás, o sedutor de todo mundo, sim, foi atirado para a Terra e com ele os seus anjos”.

Todo o Apocalipse é simbólico. É impossível interpretar o Apocalipse ao pé da letra. Se formos levar ao pé da letra que a serpente é o diabo, temos que levar ao pé da letra outros versículos deste mesmo capítulo, como a continuação desta passagem:

“E foram dadas à mulher as duas asas da grande águia, para que voasse até o deserto”.

Quando que é dado para uma mulher duas asas de águia e a mulher voa para o deserto? Isso pode ser visto apenas como um símbolo.

“A Terra socorreu a mulher e a Terra abriu a boca e engoliu o rio que o dragão tinha rojado de sua boca.”

Alguém consegue acreditar que o Apocalipse esteja tratando de fatos reais, de fatos materiais? Será que não está claro que aqui se trata de uma linguagem simbólica? Ou então todo o resto é símbolo mas a parte que diz que a antiga serpente é chamada de diabo e satanás é verdade? Todo o resto é símbolo; mas esta é a verdade? Será que isso não é muita vontade de acreditar no diabo?

Eu gosto muito da Bíblia, estudo a Bíblia desde criança, mas não tenho a Bíblia toda como um roteiro de vida. Para mim o roteiro de vida, o código de libertação espiritual, é o Evangelho. A Bíblia contém muita sabedoria, mas contém muitas barbaridades, e muita bobagem também. Não vou mencionar aqui as milhares e milhares de pessoas mortas a mando de Deus (e pessoas inocentes), porque é claro que esses episódios relatados na Bíblia, essas coisas ditas em nome de Deus retratam o entendimento das pessoas na época – que era muito menor do que o conhecimento que nós temos hoje. O fato é que existe muita bobagem na Bíblia, existe muita coisa inútil na Bíblia; mas, baseando-se na própria Bíblia, alguns defendem que toda ela é verdadeira, que toda ela deve ser entendida ao pé da letra.

Um dos comentários deste vídeo cita a segunda epístola a Timóteo:

“Toda a escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para repreensão, para correção, para educação na justiça”. Timóteo 3:16

Para começar, “escritura” se refere só ao Antigo Testamento. Quando Paulo escreveu esta epístola (carta) para Timóteo, ainda não havia Novo Testamento. Então, quando eles falam em “escritura”, eles estão se referindo aos textos do Antigo Testamento. O Apocalipse, que foi escrito muito depois desta epístola a Timóteo, ainda não tinha o nome de “escritura”, não pertencia às escrituras.

Mas mesmo no Antigo Testamento há verdadeiros absurdos. Para quem entende que toda a Bíblia é verdadeira, que toda ela deve ser entendida ao pé da letra, eu gostaria que me explicasse essa passagem de Deuteronômio 25:11-12:

“Quando brigarem dois homens, um contra o outro, e a mulher de um chegar para livrar o marido da mão daquele que o fere, e ela estender a mão e o pegar pelas suas vergonhas, cortar-lhe-ás a mão, e não a olharás com piedade.”

Qual é o sentido espiritual, qual é o sentido educativo desta passagem?

Imagine a cena: dois homens brigando, a mulher de um deles vai defender o seu marido e segura o outro pelo pintinho – e aí como castigo a mulher ainda terá a sua mão cortada, porque pegou o outro homem pelas suas partes íntimas. Qual é o sentido de uma passagem como essa?

Essa é uma dentre as inúmeras bobagens que existem dentro da Bíblia. Mas, como Deus nos dotou de razão, temos que usar a razão e separar o joio do trigo, separar aquilo que tem interesse, aquilo que é útil para nosso desenvolvimento espiritual, daquilo que é inútil.

Alguns comentários a respeito desse vídeo:

Um deles diz assim: “Anjos caídos são os chamados Demônios; Jesus esposou o que endoido. O espiritismo está completemente erradoooo.” (sic)

Está pessimamente escrito, mas o que diz é que “anjos caídos são os chamados demônios”. – Não tem nada a ver. Em parte nenhuma da Bíblia está escrito que anjos caídos são demônios.

Aqui um comentário muito engraçado:

Como o título do vídeo é “Não existe Diabo, não existe Demônio, não existe Satanás”, ele colocou no comentário assim:

“Existe sim, e como é o pai da mentira e enganação, tenta ludibriar a humanidade de todas as formas. Quem não acredita nele pode estar com ele. Rock, drogas, vícios, suicídio, ódio, preguiça, tudo tem a mão dele, só Jesus salva.” – Pobres dos rockeiros, os rockeiros estão todos danados.

Outro diz assim:

“É isso que o Diabo quer, que as pessoas continuem pensando que ele não existe. Ele não liga se você acredita ou não, porque ele tem objetivo, e objetivo dele é a sua alma.” – O diabo não está interessado na minha alma.

Outra passagem que eles citam para defender a existência do diabo é 2 Coríntios 11:13-14. Ali diz:

“Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos transformando-se em apóstolos de Cristo, e não é de admirar porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz”.

Então eles citam esta passagem como argumento, que o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Mas, evidentemente, eles citam esta passagem fora do seu contexto. Dois versículos depois, diz assim:

“O que falo, não falo segundo o senhor, e sim como por loucura.”

Em primeiro lugar, Paulo está dizendo aqui exatamente o contrário do que afirmam esses que defendem a Bíblia como a única verdade, ou como sendo toda ela verdadeira, toda ela inspirada por Deus. Paulo está dizendo aqui que esta parte que ele está escrevendo, ele não fala segundo o Senhor, então pelo menos esta parte aqui não é inspirada por Deus, e mais do que isso, ele diz que ele fala como por loucura, ou seja: é uma loucura isto que ele está dizendo.

A maior parte desses defensores da Bíblia, esses que comentam nos sites, ou que comentam no próprio Youtube, eles conhecem alguns versículos isoladamente e os repetem indefinidamente; outros leem a Bíblia, mas leem, apenas leem, não estudam. Estudar e ler são coisas muito diferentes. Não adianta, por exemplo, apenas ler esta epístola aos Coríntios escrita por Paulo, é preciso estudá-la para compreender o contexto em que ela foi escrita.

Nesta epístola Paulo está fazendo a defesa da sua legitimidade como apóstolo, então é uma linguagem completamente humana, ele está se permitindo um desabafo, por isso ele usa uma expressão forte como essa de que o próprio satanás pode se transformar em anjo de luz. Mas de maneira alguma essa passagem pode servir de argumento para defender que satanás é um ser real.

Outro comentário:

“Paulo também nos conta que ele próprio tinha um espinho na carne, a saber era tormento da parte de Satanás.”

Esta passagem é na mesma epístola aos Coríntios, em 12:7:

“E para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi me posto um espinho na carne, mensageiro de satanás para me esbofetear a fim de que não me exalte”.

Eu não tenho a menor ideia do que Paulo quis dizer se referindo ao tal do espinho na carne. Aliás, essa é uma daquelas coisas que nunca ninguém saberá: qual era o espinho na carne de Paulo. Ele trata esse espinho como mensageiro de satanás, um mensageiro para esbofeteá-lo. Certamente se trata de uma alegoria, alguma deficiência, alguma dificuldade, alguma tentação interna que Paulo tinha e que chamava de mensageiro de satanás, mas certamente não era um ser mandado pelo diabo ou satanás para ficar ali do lado de Paulo espinhando Paulo, esbofeteando Paulo.

Outro comentário aqui que prima pela desinformação:

“Se o Diabo não existe, e você afirma que ele não é um ser personificado, então por que a Bíblia relata que Deus fez Lúcifer e depois mandou ele para o inferno?”

Em lugar nenhum da Bíblia está escrito isso.

Outro comentário:

“A Bíblia chama Satanás de o Governante deste mundo”

O Governante deste mundo não é o diabo, não é satanás. O Governante deste mundo é Jesus. Sobre este tema eu tratei detalhadamente no meu estudo sobre o evangelho de João.

Analisando cuidadosamente o texto original grego se conclui, sem a menor sombra de dúvida, que o Governante deste mundo – a que se refere Jesus, pois é Jesus que fala isso – o Governante deste mundo é Jesus, não o diabo.

Mais um comentário:

“Se não existe Diabo, Demônio, Satanás, então o que veio Cristo fazer neste mundo? Será que ninguém ouviu esta palavra: “Jesus nos veio libertar”? Mas veio libertar de quem? Não do mal, Satanás, Diabo?”

Não. Jesus veio nos ensinar o caminho da libertação, Jesus não veio nos libertar. Se Jesus tivesse vindo à Terra, tivesse encarnado para nos libertar, ele teria falhado na sua missão – porque nós não estamos libertos. Jesus veio nos ensinar o caminho para nós nos libertarmos com as nossas próprias forças, com nosso próprio esforço, com a nossa própria vontade. E Jesus não diz em parte alguma que veio nos libertar do mal ou do diabo; isso é conclusão de quem quer pensar assim.

Mais um comentário (esse comentário é feito com uma ingenuidade presunçosa):

“Quando um espírito imundo sai de um homem, passa por lugares áridos procurando descanso, e não encontrando diz: “voltarei para casa de onde saí”. Isso está lá em Lucas 11:24; aí ele coloca assim: “E agora?” E uns 400 pontos de interrogação, como se ele tivesse me deixado sem argumentos. Mas os argumentos não sou eu quem os dá, eles estão no próprio texto, é questão de saber compreendê-los. Essa passagem não está falando de diabo, está falando de espírito imundo – a tradução diz espírito imundo; a melhor tradução seria “espírito impuro”, o mesmo sentido de espírito impuro que colocam nesta outra passagem que também citaram, que está em Marcos 5:1-2:

“E chegaram ao outro lado do mar, à província dos gadarenos. E, saindo ele do barco, lhe saiu logo ao seu encontro, dos sepulcros, um homem com espírito imundo.”

A palavra Grega traduzida como imundo é akáthartos, que quer dizer “impuro”. Akáthartos então é “impuro”. Mas isto está se referindo muito especificamente à questão das leis da pureza da Torah. O Levítico (o Deuteronômio também, mas principalmente o Levítico) trata das leis de pureza, então tem uma série de questões no Levítico que são analisadas e que tornam o homem ou a mulher pura ou impura; são leis de pureza que eram seguidas pelos Israelitas.

O leproso, por exemplo, era considerado impuro, por isso ele era afastado da sociedade. Quem encostasse no leproso também seria considerado impuro, pelo menos por algum tempo. A mulher quando estava menstruada era considerada impura, a cadeira onde ela se sentasse seria considerada impura; se um homem se sentasse nessa cadeira impura ele se tornaria impuro até à tarde, e assim por diante. São leis de pureza. 

Então o espírito impuro é o espírito desencarnado, ou seja, nós depois que morrermos, depois que nos despojarmos desse corpo físico se não estivermos puros. Aquilo que está totalmente de acordo com as Leis de Deus está puro, aquilo que está em desacordo com as Leis de Deus, em desacordo com o entendimento bíblico, é considerado impuro. Então espírito impuro é um espírito como nós, um espírito desencarnado que não está plenamente de acordo com as Leis de Deus – não tem nada a ver com diabo ou satanás.

E em relação a demônio (embora eu já tenha tratado disso em vários vídeos), de acordo com o historiador Flávio Josefo, que era fariseu contemporâneo de Jesus, conhecedor da lei, demônio é como eram chamados os espíritos dos homens perversos. Então Demônio se refere ao espírito dos homens – não é um ser à parte da criação. 

Como neste outro vídeo eu falo que a ideia de diabo como nós o entendemos foi uma influência persa, um comentário tenta desmontar esse argumento. Ele diz: 

“O livro de Jó, que é anterior ao cativeiro persa, já falava da existência de satanás, o livro de Zacarias também, enfim, se satanás é fruto de uma cultura persa, estaria Jesus – considerado pelos espíritas o maior espírito que por aqui já passou – estaria Jesus enganado ao dizer que o Diabo existe?” 

Um outro argumento famoso é o livro de Jó. Jó fala a respeito de uma espécie de disputa que Deus e satanás teriam feito. Em primeiro lugar, considerar isso como uma coisa real é absolutamente imoral! Sustentar a ideia de que Deus faria uma aposta com o diabo para tentar um homem bom como Jó é uma coisa totalmente imoral. Em segundo lugar, tanto a Bíblia de Jerusalém quanto outras Bíblias de estudo sustentam que o livro de Jó foi escrito posteriormente ao Exílio da Babilônia, e deve ter sido escrito por mais de um autor, e isso obviamente não se trata de uma história real, é uma alegoria. 

O povo Israelita no Exílio da Babilônia tinha perdido tudo, tinha perdido família, tinha perdido as propriedades, tinha perdido instituições, tinha perdido a própria liberdade; esse personagem fictício chamado Jó retrata, então, isso que tinha acontecido com o povo israelita. O livro de Jó é uma tentativa de explicar o que estava acontecendo com o povo israelita, por que Deus estava agindo assim – mas isso é uma alegoria. 

Muitas vezes, por amor à Bíblia, por estar acostumado a ler a Bíblia, não se percebe que seria impossível retratar longos diálogos como são descritos no livro de Jó – tem longos e complexos diálogos ao longo deste livro. Quem teria escrito isso? Qual seria a testemunha destes diálogos? Não existia gravador, não existia filmadora. Se isso tivesse acontecido realmente, como é que isso teria chegado ao conhecimento de alguém para esse alguém escrever tudo isso com minúcias? 

Mas, nesse último comentário que eu li, ele pergunta: 

“Estaria Jesus enganado ao dizer que o Diabo existe?”  – Mas onde é que Jesus disse que o diabo existe? 

Outros comentários desse vídeo dão uma ideia de onde eles tiram isso. “Jesus disse que viu satanás cair do céu como um raio, quer dizer que Cristo viu a inclinação do mal?” 

Já que eu defendo a ideia do diabo – ou satanás – como uma representação, um simbolismo do mal, eles acham que essa passagem de Lucas aqui estaria contradizendo o meu posicionamento. Isto está em Lucas 10:18. O texto diz assim: 

“Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago.” 

Mas isso é uma má tradução do texto grego. O texto grego, se lido literalmente como ele é escrito, diria assim: “Vi o satanás como relâmpago no céu caindo.” E o verbo está no particípio, não no infinitivo; então não é cair, é caindo. Vi satanás como relâmpago no céu (ou como raio no céu) caindo.

Jesus tinha mandado os seus discípulos em missão e no seu retorno Jesus diz isso a eles. Jesus viu satanás caindo como relâmpago no céu, ou seja, caindo rapidamente, fulminantemente, assim como um relâmpago no céu. Não viu satanás caindo do céu. Lembramos que satanás quer dizer adversário, satanás é um apelo à materialidade, é a escravidão ao mundo dos sentidos, dos prazeres, das sensações, é o orgulho, o egoísmo – tudo que nos separa de Deus é satanás. Satanás quer dizer opositor, adversário, aquilo que é contrário à ideia que nós temos de Deus, é contrário às Leis de Deus. 

Nesta mesma passagem de Lucas, um pouco antes, em 9:23, Jesus diz que quem quiser segui-lo deve negar-se a si mesmo; essa negação a si mesmo a que Jesus se refere é justamente isso; negar o orgulho, negar o egoísmo, negar essas coisas que nos prendem à matéria, para podermos assim nos elevar a Deus.  

Outra passagem em que Jesus cita o diabo:

“Então o rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.” Mateus 25:41 – Aqui é Jesus dizendo; então, para quem lê esses trechos isoladamente, Jesus está defendendo a existência do diabo. Não só defendendo a sua existência como ainda falando do inferno e mandando todo mundo pro inferno.

Acontece que essa citação também trata de uma alegoria. Aqui diz que este rei dirá “aos que estiverem à sua esquerda” – quem são esses que estão à sua esquerda (ou à direita)? Isso está explicado no versículo 32:  

“Todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros como o pastor separa os cabritos das ovelhas, e para as ovelhas à sua direita e os cabritos à esquerda”. 

São todos símbolos alegóricos: o pastor, as ovelhas, os cabritos, o diabo. São simbolismos de que se servia Jesus para se fazer compreendido pelo povo de dois mil anos atrás que não tinha o conhecimento que nós temos. Hoje nós não temos necessidade desses símbolos tão primários. 

Eu poderia citar outros comentários, citar outras passagens bíblicas, mas todos utilizariam o mesmo tipo de argumento e isso tomaria muito espaço.

O diabo não existe, o que existe é uma escolha do mal ou uma escolha do bem. Compete a nós essa decisão, nós temos livre arbítrio. O livre arbítrio é justamente essa capacidade de discernimento e a nossa liberdade de escolha.

Nós encontramos dentro de nós mesmos propensão ao mal e propensão ao bem, nós temos o mal e o bem dentro de nós. Jesus nos mostrou, ao longo do seu ensino, que o nosso foco deve ser sempre o bem. Jesus nos diz: “Brilhai a vossa luz.” 

Por que é importante eliminar a ideia do diabo? Justamente por que o nosso foco deve ser Deus, o nosso foco deve ser o bem. Nós não temos um mal a ser combatido, nós temos um bem a ser construído, e quando nos focamos no diabo, achando que o diabo é o culpado de tudo e que o mundo está cada vez pior, o nosso foco, o nosso pensamento, o nosso sentimento está voltado para o mal. 

No Deus bíblico anterior ao cativeiro persa, nós encontramos um lado bom e um lado mal. Deus era terrível às vezes. Em outras religiões muito antigas, anteriores ao Cristianismo – como é o caso do Hinduísmo, do Budismo – nós encontramos o bem e o mal como dois polos de uma mesma coisa. No próprio Baghavad Gita, que tem ensinamentos muito semelhantes ao Evangelho de Jesus, em determinado momento Krishna se apresenta ao guerreiro Arjuna com uma face terrível – e esta face também é uma face de Deus. 

Nós vemos em Isaías 45:5-7: 

“Eu sou o senhor, e não há outro. Além de mim não há Deus. Eu te cingirei, ainda que não me conheces, para que se saiba até o nascente do sol e até o poente que além de mim não há outro. Eu sou o senhor e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas. Faço a paz e crio o mal. Eu, o senhor, faço todas estas coisas.” 

Deus é o creador de tudo que existe. Nós somos creação de Deus. Nós trazemos dentro de nós possibilidades infinitas. Temos as nossas escolhas: trilhar o caminho do mal ou trilhar o caminho do bem.

Em determinado momento de sua História o povo israelita achou que deveria criar uma dicotomia, uma divisão mais sensível entre o bem e o mal. A partir dali uma imagem de um ser representante do mal, uma imagem personificada do mal infiltrou-se no pensamento religioso israelita, mas isso cronologicamente está nos 30% finais da Bíblia; os 70% iniciais não contém esta ideia de diabo. Deus reunia em si o bem e o mal, como está aqui em Isaías 45. 

Não temos um mal a combater, temos um bem a construir.

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