Muito provavelmente você acha que Maria Madalena tenha sido prostituta. Uma mentira contada muitas vezes pode tomar ares de verdade. E esta mentira é contada há dois milênios.
Maria Madalena entrou para o imaginário popular como a prostituta arrependida. Mas em parte alguma dos Evangelhos existe qualquer referência a ela como prostituta. A própria Igreja Católica reconheceu o seu equívoco em 1979.
No meio espírita, porém, ela continua sendo vista como a ex-prostituta. O próprio livro Boa Nova, de Humberto de Campos, psicografado por Chico Xavier, no-la apresenta assim. Acontece que a proposta deste livro, como fica claro no seu prefácio, é apresentar-nos o que o autor chamou de “folclore do céu”, e não fatos pretensamente históricos. Os apressados é que tomam tudo que vem dos espíritos como verdade inquestionável, esquecendo-se de que o Espiritismo é a fé raciocinada…
Este é um dos temas deste vídeo, que aborda o capítulo 20 do Evangelho de João. Outros temas são o destino do corpo de Jesus e as suas primeiras aparições aos discípulos. Este é o 34º e penúltimo vídeo desta série de estudos sobre o Evangelho de João.
JOÃO 20
- E no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra tirada do sepulcro.
- Correu, pois, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes: Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram.
Há várias diferenças entre os Evangelhos quanto a este ponto. Mas todos são unânimes em apontar Maria Madalena como a primeira pessoa a quem Jesus apareceu depois de sua morte física. Fica muito evidente que Maria Madalena exercia um papel importante entre os discípulos de Jesus. Esse papel é demonstrado com mais clareza nos chamados Evangelhos gnósticos de Filipe e de Maria Madalena. O machismo dos homens associou a figura de Maria Madalena com a pecadora arrependida, e Maria Madalena entrou para o imaginário popular como se houvesse sido uma prostituta – nada contra as prostitutas, mas não existe nada, nenhum indício de que este fosse o caso de Maria Madalena. A própria Igreja Católica já reconheceu que Maria Madalena não é a pecadora arrependida.
Mas no meio espírita ainda se acredita nisso – talvez por influência do livro Boa Nova, de Humberto de Campos. Este livro diz no seu prefácio que se trata de “folclore espiritual”. Não se trata de um livro histórico, não são verdades escondidas que estão sendo reveladas neste livro. São contos com uma proposta moral. Só isso.
Há uma tendência no meio espírita de aceitar tudo o que venha dos espíritos como se fosse verdade incontestável. Mas os próprios espíritos, os autores espirituais, não dizem isso, não se propõe a isso. Se o Espiritismo é a fé raciocinada, temos que usar a razão.
Nos Evangelhos sinóticos Maria Madalena vai ao sepulcro de Jesus com outras mulheres. Aqui, embora não sejam mencionadas outras mulheres, ela diz: “(…) Levaram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram” – “não sabemos”, no plural, sinal de que havia mais alguém com ela.
- Então Pedro saiu com o outro discípulo, e foram ao sepulcro.
O outro discípulo é tradicionalmente aceito como sendo João, o suposto autor deste Evangelho.
- E os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais apressadamente do que Pedro, e chegou primeiro ao sepulcro.
- E, abaixando-se, viu no chão os lençóis; todavia não entrou.
- Chegou, pois, Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu no chão os lençóis,
- E que o lenço, que tinha estado sobre a sua cabeça, não estava com os lençóis, mas enrolado num lugar à parte.
- Então entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu.
- Porque ainda não sabiam a Escritura, que era necessário que ressuscitasse dentre os mortos.
- Tornaram, pois, os discípulos para casa.
Os comentadores citam algumas passagens do Antigo Testamento para tentar corroborar essa afirmativa do evangelista referente à escritura, mas não há nenhuma passagem que trate disso. A que mais se aproxima é o capítulo 53 de Isaías, e mesmo assim só pode ser aceita com muita boa vontade.
- E Maria estava chorando fora, junto ao sepulcro. Estando ela, pois, chorando, abaixou-se para o sepulcro.
Ao longo deste estudo nós alertamos que temos que ter em mente que cada evangelista escreve se dirigindo a um determinado público, e escreve de acordo com as suas ideias, com os seus gostos, os seus conhecimentos, as suas preferências e até os seus preconceitos. Eles eram pessoas como nós, sujeitos a falhas e erros.
Como este evangelho foi escrito por João, é claro que João aparece aqui como o primeiro a crer que Jesus ressuscitou, e Maria Madalena aparece chorando, achando que tinham roubado o corpo de Jesus.
No Evangelho de Marcos, por exemplo, o anjo que aparece fora do sepulcro (como nós vamos ver a seguir) manda as mulheres darem um recado “aos discípulos e a Pedro” – aos discípulos e a Pedro, como se Pedro não fosse apenas um discípulo. É que Marcos era discípulo de Pedro, talvez seu sobrinho. O que Marcos escreve é baseado em Pedro. O Evangelho de Marcos talvez pudesse ser chamado de Evangelho de Pedro.
- E viu dois anjos vestidos de branco, assentados onde jazera o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés.
- E disseram-lhe eles: Mulher, por que choras? Ela lhes disse: Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.
Maria Madalena achava (ou pelo menos é o que João diz aqui) que haviam roubado o corpo de Jesus.
Nos outros Evangelhos Maria Madalena não passa por esse momento de tristeza – que pode dar a impressão de fraqueza da parte dela. Temos que considerar que este Evangelho foi escrito mais ou menos uns trinta anos depois dos outros. O Cristianismo já havia se espalhado e já havia várias correntes de pensamento diferentes dentro do Cristianismo.
Maria Madalena, para muitos, era a detentora de conhecimentos especiais que lhe teriam sido passados por Jesus. Além disso, no Evangelho de Maria Madalena é ela quem aparece como a responsável por reanimar os apóstolos para que dessem continuidade à propagação do Evangelho de Jesus.
Quanto ao temor de que o corpo de Jesus houvesse sido roubado, essa foi a opinião predominante entre os judeus.
Em Mateus 27:62-66 nós vemos que os principais dos sacerdotes e os fariseus pediram a Pilatos que colocasse guardas no sepulcro de Jesus, para que os discípulos de Jesus não roubassem o seu corpo e dissessem que ele ressuscitou.
Logo depois, em Mateus 28:11-15, é dito que os judeus deram muito dinheiro aos soldados para que eles dissessem que o corpo de Jesus foi roubado, e que era isso o que divulgavam até então.
É claro que nós podemos acreditar no evangelista, podemos acreditar que as coisas tenham se passado exatamente do modo como ele nos conta. Mas também é possível ver isso como uma justificativa do evangelista para a acusação que todos faziam, na época, de que os próprios discípulos de Jesus haviam roubado o seu corpo.
Cada um de nós geralmente acredita naquilo que mais convém aos seus interesses, mesmo que esses interesses sejam apenas a sua crença. Inconscientemente somos capazes de direcionar as informações para o lado que for mais conveniente para a manutenção do nosso sistema de crenças.
Para a maior parte dos cristãos a ressurreição de Jesus com o mesmo corpo é artigo de fé inquestionável. Particularmente, nunca acreditamos nisso.
Nós somos imortais, viveremos para sempre, alternando entre veículos de manifestação mais densos ou menos densos, ou seja, animando vários corpos, sejam físicos, sejam astrais, até que um dia não precisemos mais de corpos para nos manifestar. Mas isso ainda está muito distante.
O fato é que somos imortais, todos nós. E, diferentemente do que alguns dizem, não foi Jesus quem inaugurou a imortalidade. Para crer que Jesus inaugurou a imortalidade, que antes dele ninguém era imortal, é preciso ter a Bíblia como única fonte de verdade e, mesmo assim, uma visão bastante conservadora da Bíblia.
Acho plenamente possível que alguns discípulos de Jesus tenham escondido o corpo dele. Mas também acho plenamente possível que o corpo físico de Jesus tenha passado por uma transformação.
Sabemos que matéria é energia, e estamos longe de conhecer todas as leis que regem o que nós conhecemos como matéria e energia. A ciência ortodoxa pode dizer que isso não é possível, mas ao longo da História muitas coisas que não eram possíveis aconteceram.
Se um de nós voltasse no tempo uns 60 mil anos, poderíamos dominar o mundo com os nossos conhecimentos – o uso controlado do fogo, as ferramentas, a agricultura e pecuária, a construção de casas, sem falar nas armas. Seríamos considerados como deuses e faríamos o impossível.
A diferença entre nós e aqueles homens de 60 mil anos atrás talvez seja menor do que a distância que nos separa de Jesus. Por que, então, Jesus não seria capaz de produzir uma transformação no seu corpo que hoje nós não somos capazes de entender?
O que nós não podemos e nem devemos acreditar é que Jesus tenha reanimado o mesmo corpo que morreu. Nos versículos 19 e 26 vamos ver que Jesus entrou na casa com as portas estando fechadas – o que demonstra que ele já não tinha um corpo físico como o nosso.
Aqueles que porventura fiquem chocados com a hipótese de que o corpo de Jesus tenha sido roubado talvez devam rever as suas crenças.
Você segue Jesus por causa do ensinamento de Jesus ou por que ele supostamente ressuscitou?
O que faz Jesus ser importante para você?
Pense nisso.
Os quatro Evangelhos conduzem a narrativa da vida de Jesus em direção à ressurreição. A ressurreição é o fechamento dos Evangelhos, é como se tudo o que é contado nos Evangelhos fosse uma explicação necessária para contar o fato principal que é a ressurreição.
O ensinamento profundo dos Evangelhos está nos símbolos. Qual é o simbolismo da ressurreição?
Em primeiro lugar é a demonstração inequívoca de que a vida continua. Os judeus, de um modo geral, acreditavam na continuidade da vida depois da morte. Os fariseus acreditavam na reencarnação (de uma maneira um pouco confusa, mas acreditavam) e Jesus nunca os corrigiu – pelo contrário, reiterou a Nicodemos que é necessário nascer de novo.
Mas o simbolismo mais profundo da chamada ressurreição de Jesus é a superação da vida na matéria, com as suas dores, as suas provas e expiações, através da libertação espiritual. A trajetória de Jesus narrada nos Evangelhos representa toda a trajetória humana na Terra. Jesus nos mostra que este é um estágio necessário, de aprendizado, de experiência, mas que podemos e devemos nos libertar disso.
Vimos aqui que Maria Madalena conversa com o anjo normalmente, como se ele fosse um espírito encarnado como nós. A palavra anjo quer dizer mensageiro, e se refere tanto a encarnados como a desencarnados. Aqui se trata de desencarnados, de espíritos como nós, provavelmente muito superiores a nós, despojados do corpo físico.
Temos aqui duas hipóteses: ou Maria Madalena era clarividente, e percebia os anjos (ou espíritos) com os olhos da mente – embora pensasse se tratar de pessoas; ou os anjos se materializaram, tomando temporariamente toda a aparência de encarnados.
- E, tendo dito isto, voltou-se para trás, e viu Jesus em pé, mas não sabia que era Jesus.
Maria Madalena viu Jesus, mas não sabia que era Jesus. Percebe-se que Jesus estava com a aparência diferente, o que mais uma vez demonstra que ele não estava se apresentando com aquele corpo físico.
- Disse-lhe Jesus: Mulher, por que choras? Quem buscas? Ela, cuidando que era o hortelão, disse-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.
- Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni, que quer dizer: Mestre.
- Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.
“Não me detenhas” é a tradução de μη μου απτου. Haptou (απτου), imperativo presente, na voz média, segunda pessoa do singular do verbo haptomai (απτομαι) é melhor traduzido como “tocar” – é assim que traduzem A Bíblia de Jerusalém e o Haroldo Dutra Dias: “não me toques”. Jesus pede para Maria Madalena não tocá-lo, mais uma demonstração de que ele já não tinha o corpo físico.
“(…) vai para meus irmãos (…)”– Jesus é nosso irmão, nosso irmão mais velho, é um espírito exatamente como nós, apenas mais velho e experiente.
“(…) meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” – se Jesus é Deus, como é que Deus é Deus de Jesus? Deus é tão Deus de Jesus como nosso, pois todos fomos creados por Deus, todos somos filhos de Deus, como Jesus acaba de dizer.
- Maria Madalena foi e anunciou aos discípulos que vira o Senhor, e que ele lhe dissera isto.
- Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco.
- E, dizendo isto, mostrou-lhes as suas mãos e o lado. De sorte que os discípulos se alegraram, vendo o Senhor.
Vemos que Jesus entrou na casa com as portas fechadas, provavelmente materializou-se diante dos discípulos. Para que eles não pensassem que estavam tendo alucinações, mostra as mãos e o lado, onde havia sido ferido.
O corpo astral (que Paulo chama de corpo espiritual) é facilmente moldável. Qualquer espírito com suficiente poder de vontade é capaz de dar a forma que desejar ao seu corpo astral. Foi o que fez o espírito que animou Elias e João Batista, quando se apresentou juntamente com Moisés no Monte Tabor. Naquele momento lhe convinha apresentar-se com a aparência de Elias, e assim o fez.
- Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós.
- E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo.
Na verdade, recebei “um” espírito santo, pois no grego não há artigo definindo “espírito santo”.
Lábete (λαβετε), imperativo aoristo, na voz ativa, segunda pessoa do plural do verbo lambanó (λαμβανω), traduzido como “recebei”, é receber no sentido de “aceitar”, “estar receptivo”. Assim como Jesus foi enviado por Deus, agora os discípulos de Jesus são enviados por ele para propagarem o Evangelho. Assim como Jesus tinha espíritos encarnados na Terra para darem continuidade à sua missão, também tinha espíritos desencarnados comprometidos com a sua missão. É neste sentido que Jesus diz: – “recebei um espírito santo”.
Santo, na Bíblia, é tudo o que é voltado para Deus, separado para Deus. Jesus assopra sobre os seus discípulos simbolizando que o espírito para o qual o discípulo devia estar receptivo provinha dele mesmo, era enviado seu, assim como qualquer discípulo.
- Aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e àqueles a quem os retiverdes lhes são retidos.
Vamos chamar a atenção para o verbo “perdoar”, muito utilizado nos Evangelhos sinóticos. O texto original grego traz o verbo aphiémi (αφιημι), que é normalmente traduzido como “perdoar”. Este verbo quer dizer “libertar”, “deixar ir”, “deixar para trás”. Algumas vezes ele é traduzido com este sentido no Evangelho – “deixar”, “desligar-se”. Um exemplo é quando Jesus fala sobre deixar a casa ou a família, em Mateus 19:29:
“E todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou terras, por amor de meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna”.
O verbo traduzido como “tiver deixado” é aphiémi. Aphiémi é o desapego, tanto de pessoas, como de coisas, de situações ou de ações praticadas por alguém.
“Pecado” quer dizer “erro”, nada mais que isso. O que é traduzido como perdoar os pecados, então é, na verdade, “deixar os erros”, “desligar-se dos erros”, “desapegar-se dos erros”. Jesus não está concedendo a ninguém o poder de perdoar pecados, isso é absurdo e até ridículo. Como é que um ser humano vai ter esse poder sobre outro ser humano? Todo erro que nós cometemos nós mesmos respondemos por ele. O Universo exige a reparação dos erros que comentemos. A Lei é perfeita, ninguém pode passar por cima dela. “A cada um segundo as suas obras” (Mateus 16:27).
O que Jesus está dizendo aos seus discípulos é que nós temos o poder de nos desligar dos erros, sejam nossos ou de outras pessoas. Todos somos filhos de Deus. Há aqueles que cometem crimes terríveis, mas mesmo estes são tão filhos de Deus quanto nós. O que há de errado com eles são as suas atitudes, não a sua natureza.
Se sintonizarmos, se permanecermos ligados às atitudes erradas, estaremos vinculados a essas atitudes. Se tivermos consciência de que não é a pessoa que erra que deve ser eliminada, mas que é o seu erro que deve ser eliminado, nós nos desligamos do erro, nos desvinculamos do erro cometido.
Isso de perdoar pecados dos outros foi usado para dar autoridade à Igreja, como se alguma instituição tivesse recebido a delegação de Jesus de perdoar ou reter pecados. Nada nem ninguém tem esse poder sobre nós. Só quem pode nos libertar ou nos manter presos somos nós mesmos.
- Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus.
- Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o meu dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei.
Assim como Maria Madalena entrou para o imaginário popular como a prostituta arrependida, Tomé entrou para o imaginário popular como o incrédulo, aquele que só acredita vendo.
Curiosamente, Maria Madalena e Tomé eram os discípulos mais conceituados para os gnósticos. O Evangelho de Tomé, tão antigo quanto os sinóticos, não nos passa essa impressão de incredulidade.
Diferentemente dos Evangelhos sinóticos, que foram precursores, juntamente com as cartas de Paulo, quando este Evangelho de João foi escrito o Cristianismo já era um movimento bem difundido, e já havia partidos que defendiam posições diferentes.
Nesta época começam as grandes disputas no seio do Cristianismo, que só vão ter fim quando Constantino torna o Cristianismo a religião oficial do Império Romano. Ali fica bem estabelecido que a corrente de pensamento ganhadora foi a que deu origem à Igreja Católica Apostólica Romana, e as outras correntes são duramente perseguidas e esmagadas.
Mas na época deste Evangelho nada estava definido, e o evangelista cita, com alguma conotação de desvantagem, de diminuição, todos os que se opunham à sua corrente de pensamento.
Fala de João Batista, que tinha milhares de seguidores; fala de Moisés, que era a maior autoridade para os judeus que não se converteram ao Cristianismo; se opõe aos docetas, que pregavam que Jesus não tinha vindo num corpo de carne como o nosso; e agora diminui Maria Madalena e Tomé.
Não estamos contestando a importância ou a autoridade do evangelista. Nem duvidando da sua palavra. Mas se você conviver conosco durante um dia, terá dezenas de coisas para dizer a nosso respeito. Essas coisas podem ser naturalmente boas ou naturalmente más, pois nós temos coisas boas e más. Mas quem vai escolher o que dizer sobre nós é você. Aqueles que ouvirem você falar de nós ouvirão coisas de nós de acordo com o seu entendimento sobre nós.
Quando Jesus estava se dirigindo com os seus discípulos para verem Lázaro, que estava morrendo, Tomé é o mais corajoso, e conclama os outros para morrerem junto com Lázaro. É claro que Tomé sabia que se tratava de ritual, que Lázaro não estava morrendo de fato. Tomé também sabia que aconteceria algo semelhante com Jesus, e talvez tenha pensado que a morte a que Jesus se submeteria fosse semelhante à morte de Lázaro. É possível que ao ver o que havia acontecido com Jesus e observando a ansiedade e o medo dos seus colegas de discipulado, que estavam trancados em casa com medo dos judeus, Tomé tenha se precavido emocionalmente contra quaisquer fraquezas e ilusões, e por isso exigisse agora provas convincentes a respeito do que os seus colegas lhe contavam.
Tomé tornou-se símbolo do “ver para crer”, mas também pode ser visto como um representante da fé raciocinada. Se é verdade que há muitas coisas relacionadas à fé que estão muito além da simples razão, também é verdade que se nós fôssemos mais racionais evitaríamos muitos engodos e enganações.
Lembro aqui, novamente, que considero os Evangelhos como superiormente inspirados. Mesmo as eventuais falhas humanas dos seus autores não são registradas por acaso. Tudo obedece a um propósito maior que nós mal podemos vislumbrar.
- E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco.
- Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente.
- E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu!
- Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram.
Novamente Jesus entra na casa com as portas fechadas. Jesus se materializa na presença dos seus discípulos.
Seria possível a Tomé tocar em Jesus e sentir no corpo fluídico de Jesus a mesma consistência de um corpo físico.
Há muitos casos de materialização registrados. Talvez o mais famoso deles seja o narrado por Sir William Crookes no livro Fatos Espíritas, em que ele, como cientista, produziu experimentos com o espírito Katie King. Ora, se um espírito semelhante a nós, no mesmo grau evolutivo que nós, consegue se materializar em determinadas circunstâncias, é claro que Jesus conseguiria.
De qualquer forma, Tomé não toca em Jesus, pelo menos isso não é narrado. Tomé diz apenas: – “Senhor meu e Deus meu”. Essa exclamação de Tomé é tomada como prova de que Jesus é Deus.
Para começar, Tomé está exclamando isso com espanto, não está se referindo a Jesus como senhor e Deus. O texto grego diz: ο κυριος μου και ο θεος μου. Tanto κυριος como θεος estão no nominativo, e não no vocativo como seria de se esperar.
Mesmo assim, escrito desta forma, poderia ser que ele se referisse a Jesus – embora a escrita não seja a correta. Neste caso temos que considerar que Jesus representa o Cristo que habita em cada um de nós. O Cristo é Deus em nós. Se mesmo assim alguém achar que Tomé não está se referindo ao Cristo que habita em cada um de nós, mas ao próprio Deus, chamando Jesus de Deus, neste caso temos a opinião de Tomé num momento de euforia, contra a opinião de Jesus, dada agora há pouco, quando ele disse: “vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”.
“Bem-aventurado” é a tradução de makarios (μακαριος) que também pode ser traduzido como “bendito” ou “feliz”. Aqueles que não necessitam de provas materiais para serem fieis, para aderirem intimamente, para sintonizaram, estes são felizes, pois superaram a necessidade de estímulos externos para manterem a fé, estes já encontraram a verdade em si mesmos.
- Jesus, pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro.
- Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
Falamos sobre “crer no nome de Jesus” no comentário ao capítulo 1.
Jesus representa o Cristo. O Cristo é a manifestação de Deus no mundo sensível. Ter vida no nome do Cristo é viver em harmonia com a creação de Deus.
“(…) Jesus é o Cristo, o Filho de Deus (…)” – todos somos filhos de Deus, como Jesus disse há pouco. E todos temos o Cristo dentro de nós. Jesus veio demonstrar isso.
Este é o final original do Evangelho. O capítulo 21, que nós vamos ver a seguir, foi um acréscimo posterior. Temos então dois finais no Evangelho de João.
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