Lázaro ressuscitou ou ele não estava morto?
A morte física é uma Lei de Deus. Deus é perfeito, então as Suas Leis são perfeitas. Se as Suas Leis são perfeitas, não podem ser derrogadas, nem mesmo por Jesus.
O que, então, ocorreu com Lázaro?
Este é o tema abordado neste vídeo, que abrange todo o capítulo 11 do Evangelho de João. Este é o 20º vídeo desta série de estudos sobre o Evangelho de João.
Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.
CAPÍTULO 11
Este capítulo trata de um tema polêmico: a chamada ressurreição de Lázaro. Este é o sinal (que alguns chamam de milagre) que ocupa mais espaço nos Evangelhos. Lembramos que a palavra semeion (σημειων), que traduzem como “sinal” ou “milagre” também quer dizer “símbolo” – pois é disso que o Evangelho trata: de símbolos.
O ensinamento contido nos Evangelhos nos é trazido em vários níveis. Há o sentido literal – que é aceito pelos fundamentalistas, que fazem uma leitura ao pé da letra; há o sentido alegórico, onde encontramos ensinamentos morais importantes; e há o sentido simbólico – que é o foco do nosso trabalho.
Qualquer pessoa, religiosa ou não, que leia os Evangelhos, percebe que ele é escrito de maneira diferente de outros livros. Suas afirmações e informações são muitas vezes ininteligíveis, muitas das palavras de Jesus não são compreendidas por quase ninguém, há dados aparentemente sem importância, e, por outro lado, faltam dados para uma maior compreensão acerca dos fatos narrados. Só não nota isso quem não é dado ao hábito da leitura.
Por que os textos evangélicos são tão diferentes? Será porque eles foram escritos em grego? Mas há uma abundante literatura grega à nossa disposição, anterior a Jesus, contemporânea a Jesus e posterior a Jesus, e a sua leitura é fácil, corrente, como qualquer livro dos nossos dias.
Será porque o grego utilizado é o grego koiné? O grego koiné não é um idioma à parte do grego, é apenas o grego comum (koiné quer dizer “comum”), era o grego falado em grande parte do mundo, semelhante ao que acontece com o inglês hoje. Isso deveria tornar a escrita (e consequentemente a leitura) mais fácil, não mais difícil.
Alguns alegam que os evangelistas eram homens incultos, que não sabiam escrever direito. Lucas era grego e era culto, e a leitura do seu Evangelho é tão difícil quanto a dos outros. Além disso, tirando Lucas, os outros evangelistas – se foram realmente Mateus, Marcos e João que escreveram – falavam o aramaico. Será que podemos chamar de incultas pessoas que escrevem livros num idioma que não é o seu? A linguagem utilizada neste Evangelho de João não tem nada de inculta, pelo contrário. Não há erros gramaticais e as palavras são muito bem escolhidas.
Na verdade não são só os Evangelhos que têm essas características de dificuldade. Outros livros bíblicos também são assim, o Baghavad Gita, talvez o principal livro sagrado dos hindus é assim, a literatura budista e o Tao são assim, o Corão, livro sagrado dos islâmicos, também é assim. Porque essa é uma característica dos livros sagrados, dos livros que abordam os segredos da espiritualidade. Todos esses livros falam uma linguagem simbólica, uma linguagem que guarda vários níveis de entendimento.
Hoje quando um radical islâmico comete um atentado os infelizes generalizam e culpam o Islã ou o Corão. O Corão tem coisas belíssimas, é um repositório de grandes riquezas espirituais. O Islã e o Corão não são culpados porque alguns fundamentalistas o compreendem ao pé da letra. Assim como Jesus e os Evangelhos não são culpados pela intolerância dos fundamentalistas bíblicos que só conseguem fazer uma leitura ao pé da letra.
A linguagem sagrada é simbólica, porque para chegar lá – para chegar a compreender os símbolos – é preciso ter passado pelos outros níveis.
Não é errado fazer uma leitura ao pé da letra. Todos passamos por isso nesta ou em outras existências. O que não convém é permanecer indefinidamente neste nível primário. Por causa dessa leitura ao pé da letra cada vez mais pessoas abandonam a religião. Em relação ao Cristianismo, especificamente, com o nível de informação que temos hoje à nossa disposição, é cada vez mais comum que aqueles que se animam a analisar os Evangelhos – ou o Novo Testamento como um todo – se desiludam e se tornem descrentes.
Num episódio como a chamada ressurreição de Lázaro, que exige uma boa dose de crença cega para aceitá-lo ao pé da letra, há uma corrente hoje que defende ardorosamente que Jesus é um mito, que Jesus é cópia de antigos deuses, que o Cristianismo é uma colcha de retalhos de antigas religiões pagãs.
Em relação ao Cristianismo há muito de verdade nisso – isso não é novidade, apenas está se popularizando agora por causa da internet.
Jesus não fundou nenhuma religião. Jesus não foi reconhecido popularmente no seu tempo -na verdade Jesus passou quase despercebido. As referências históricas não cristãs a Jesus se resumem a rápidas menções de Tácito, Suetônio, Plínio, o jovem, e Flavio Josefo. Josefo deu mais ênfase a João Batista do que a Jesus.
Mas negar a existência do Jesus histórico é apostar na hipótese mais difícil. Seria muito mais difícil que várias pessoas, de várias partes do mundo, criassem um mito e sustentassem uma história coesa sem buscarem méritos para si mesmos.
Algumas décadas depois da morte de Jesus já havia várias correntes de pensamento enfocando aspectos diversos do mesmo ensinamento – ensinamento trazido pelo mesmo homem, Jesus. A possibilidade de tantas pessoas de lugares diferentes, de orientações diferentes, permanecerem unidas em torno de um mito recém criado, um mito contemporâneo a elas, num tempo em que não havia os grandes meios de comunicação (eles não tinham internet lá!) – isso sim seria um milagre. Essa hipótese seria muito mais difícil de acontecer.
Dentre aqueles que defendem que Jesus é um mito merece destaque Tom Harpur, um ex-pastor anglicano. Depois de muitos anos acreditando nas escrituras ao pé da letra, quando se deparou com maiores informações sua crença não resistiu e hoje ele defende que Jesus e tudo o que envolve o ensinamento de Jesus é mito. Ele permanece cristão, e a sua visão a respeito do ensino de Jesus é mais elevada do que a visão dos fundamentalistas – não temos a menor dúvida. Mas achamos que ele se entusiasmou demais com as hipóteses que estudou.
Tom Harpur (assim como muitos outros) defende que Jesus é uma cópia de Hórus, um deus egípcio. Ele se baseia principalmente no Livro dos Mortos e nos Textos das Pirâmides. As opiniões que eles abraça foram externadas originalmente por três autores: Godfrey Higgins, Gerald Massey e Alvin Boyd Kuhn. Esses autores acharam semelhanças entre Hórus e Jesus e concluíram que Jesus é cópia de Hórus.
Afora as opiniões desses autores, que são naturalmente contestadas por especialistas, os argumentos utilizados por Tom Harpur são superficiais, expressam apenas a sua opinião –como, por exemplo, quando ele analisa as narrativas do apóstolo Paulo e conclui que as descrições que Paulo faz de Jesus falam de um Cristo mítico, sem existência material. Tom Harpur parece confundir “mítico” com “espiritual”.
Que Paulo não se refira a um Jesus material é evidente, pois Paulo não conheceu Jesus – ele se converteu após a morte de Jesus, o contato que ele tinha com Jesus era por intuição ou por via mediúnica. Mas, para quem desconhece mediunidade, para quem desconsidera a possibilidade de comunicação entre os espíritos encarnados e desencarnados, isso pode ser realmente difícil de entender.
As semelhanças entre Jesus e outros grandes líderes espirituais (ou avatares, ou deuses) são muitas. Encontramos semelhanças de Jesus com Krishna, Buda, Hórus, Osíris, Mitra. As semelhanças entre o Cristianismo e as antigas religiões de mistérios também são muitas,
muitas mesmo, reconhecidas no próprio meio católico – como, por exemplo, por Ódo Cásel, desde antes de Tom Harpur nascer.
Talvez fosse o caso de nos perguntarmos por que todos os povos antigos, de qualquer lugar do mundo, mesmo sem nenhum contato externo, sempre acreditaram numa divindade, na continuação da vida após a morte e na possibilidade de contato com os espíritos das pessoas que já morreram. Seria o caso de nos perguntarmos, também, por que, em essência, todas as antigas religiões pregam a mesma coisa.
É claro que há mitólogos brilhantes, como Joseph Campbell, que oferecem excelentes visões para isso, que merecem ser analisadas e sentidas.
Muitos pensam que Jesus é Deus, o próprio Deus Creador do Universo encarnado. Particularmente vemos Jesus como o maior espírito (de que temos notícia) que já esteve na Terra, e acreditamos que ele seja um dos responsáveis, ou, talvez, o responsável maior pelo nosso planeta. Não temos a menor dúvida de que a vinda de Jesus foi cuidadosamente planejada.
Jesus utilizou-se de símbolos universais para que o seu ensinamento atravessasse
gerações e chegasse até nós trazendo as grandes verdades espirituais. Jesus disse isso mesmo em Lucas 8:10:
“A vós vos é dado conhecer os mistérios do reino de Deus, mas aos outros por parábolas, para que vendo, não vejam, e ouvindo, não entendam”.
Essa é a única vez que aparece a palavra “mistério” nos Evangelhos. O conhecimento dos mistérios é para poucos. Para a grande massa Jesus deu um ensinamento externo, superficial, mais aparente do que verdadeiro.
1. Estava, porém, enfermo um certo Lázaro, de betânia, aldeia de Maria e de sua irmã Marta.
2. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com ungüento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo.
3. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas.
4. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela.
5. Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro.
6. Ouvindo, pois, que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava.
7. Depois disto, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judéia.
8. Disseram-lhe os discípulos: Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e tornas para lá?
9. Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo;
10. Mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz.
11. Assim falou; e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono.
12. Disseram, pois, os seus discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo.
13. Mas Jesus dizia isto da sua morte; eles, porém, cuidavam que falava do repouso do sono.
14. Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto;
15. E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele.
16. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele.
Percebemos, antes de mais nada, que havia grande intimidade entre Jesus e os três irmãos. Maria e Marta são citadas no Evangelho de Lucas (Lucas 10:38-42). O evangelista diz claramente que Jesus os amava, uma declaração bastante incomum.
A palavra traduzida como “enfermo” é asthenes (ασθενης), formada pelo prefixo de negação a e a palavra sthenos, que quer dizer “vigor”, “força”. Asthenes, então, é “sem vigor”, “sem força”.
“(…) Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por ela” – já falamos sobre a palavra doxa (δoξα), que quase sempre traduzem como “glória”. Jesus não buscava a glória. Jesus nos ensina exatamente o contrário disso. Jesus lavou os pés dos seus apóstolos para que ficasse registrado que temos que buscar a humildade (João 13:12).
O significado mais comum de doxa originalmente é “opinião”. Jesus busca uma “boa opinião”, ou seja o “reconhecimento”.
O “filho de Deus” é o Cristo, que no hino de abertura deste Evangelho é chamado de Logos. O Cristo habita em cada uma de nós, e isso é o que precisa ser reconhecido por todos. Não é Jesus que precisa ser “glorificado” por todos – isso seria exigir que dois terços da população mundial trocasse de religião para enaltecer Jesus. Jesus não precisa ser enaltecido e ninguém precisa ser cristão para evoluir espiritualmente. A nossa “natureza crística” precisa ser “reconhecida” – por nós mesmos! Quando estivermos plenamente conscientes da nossa natureza divina, começaremos a viver de acordo com essa natureza.
No capítulo anterior vimos que os judeus queriam apedrejar Jesus. Por isso seus discípulos estranham que ele já queira voltar para a Judeia. Isso indica que eles provavelmente estavam na Galileia. Então Jesus diz: “(…) Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; Mas, se andar de noite, tropeça, porque nele não há luz” – Em 9:4, no episódio da cura do cego de nascença, vimos que Jesus disse que “é preciso trabalhar quando é dia, porque já vai a noite quando não podiam trabalhar”.
Isso é normalmente traduzido de outra forma, como se tivéssemos que trabalhar rápido porque logo virá a noite. Mas não é este o sentido, nem lá e nem aqui. Aqui, se essa expressão quisesse dar a ideia de pressa, Jesus teria ido imediatamente. Jesus nos fala do dia e da noite. Obviamente o dia é a luz (1 João 1:5-7) e a noite é a treva, a escuridão. Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo – a luz do mudo somos nós. Jesus disse “eu sou a luz do mundo” (João 8:12) e Jesus também disse “vós sois a luz do mundo” (Mateus 5:14). Quando Jesus diz que ele é a luz do mundo ele está falando como o Cristo, pois o Cristo é a luz do mundo. O Cristo está dentro de nós, por isso nós temos a luz dentro de nós. Mas Jesus desenvolveu plenamente a sua luz crística, nós não. Nós temos a luz em estado latente, em estado embrionário. Compete a cada um de nós o desenvolvimento da sua luz, como Jesus também nos disse: “resplandeça a vossa luz” (Mateus 5:16). Quando nos iluminamos não mais tropeçamos.
“(…) Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono” – Lázaro dorme. Dormimos quando é noite, dormimos no escuro, fechamos os olhos, perdemos a visão, não vemos a luz. Jesus vai despertar Lázaro do sono. Jesus vai tirar Lázaro do sono da escuridão e trazê-lo para a luz.
“(…) Senhor, se dorme, estará salvo. Mas Jesus dizia isto da sua morte; eles, porém, cuidavam que falava do repouso do sono. Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto” – o evangelista diz que os discípulos não compreenderam, num primeiro momento, do que se tratava. Pensaram que Lázaro estivesse convalescendo de alguma doença. Jesus então diz claramente que Lázaro está morto – “claramente” é a tradução de parresia (παρρησια), que se refere a “ousadia”, a “coragem de falar em público”. Jesus trata em público, abertamente, com os seus discípulos, de um assunto a que poucos tinham acesso.
Lázaro está morto é a tradução de λαζαρος απεθανεν – apethanen (απεθανεν): indicativo aoristo, na voz ativa, terceira pessoa do singular do verbo apothnéskó (αποθνησκω). O substantivo correspondente a este verbo é thanatos (θανατος), traduzido como “morte”. Thanatos vem do sânscrito e significa, originalmente, “envolto”, “escuro”. Essa palavra só adquiriu o significado de “morte” por analogia – assim como os judeus usavam eufemismos para se referir à morte e ao retorno à vida. Para morrer diziam “deitar-se”; e para voltar à vida diziam “levantar-se”. Anastasis (αναστασις), traduzido como “ressurreição”, quer dizer “tornar a ficar de pé”.
Os discípulos não entenderam como morte – Isso fica muito claro aqui: “E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele” – Tomé convida os seus colegas de discipulado para morrerem junto com Lázaro, para aproveitarem a oportunidade e morrerem também. É claro que ele não está se referindo à morte física.
João Batista mergulhava as pessoas (batizar quer dizer mergulhar) como um símbolo de renascimento. Era o batismo de conversão para o perdão dos pecados (Lucas 3:3). Sabemos que os discípulos de Jesus também batizavam (João 4:2). Essa morte de Lázaro é, assim como o ritual do batismo, um símbolo de morte e renascimento – só que num grau muito mais adiantado, poucos tinham acesso a isso.
É por isso que o amor que Jesus dedicava a Marta, Maria e Lázaro é ágape (αγαπη): o amor que é querer bem, uma preferência por alguém; mas quando é dito que Lázaro é aquele que Jesus ama, a palavra traduzida como “amor” não é ágape, mas philos (φιλος), que é uma afeição calorosa, uma amizade profunda baseada na experiência. O verbo phileo (φιλεω) também é traduzido como “beijo”, o que dá a essa palavra um sentido de comunhão – o amor que unia Jesus a Lázaro era diferente do amor que Jesus dedicava às suas irmãs. Havia uma comunhão entre Lázaro e ele.
Lázaro estava passando por um ritual, uma experiência mística. Esse tipo de ritual ou sacramento era muito comum na Antiguidade. O que hoje pode causar estranheza, naquele tempo era comum, era como falarmos em mediunidade hoje em dia. Há dezenas de milhões de pessoas no Brasil que não sabem o que é mediunidade, mas há milhões de pessoas que sabem, e alguns milhares sabem muito bem.
Os mistérios de Elêusis, em pleno vigor durante a vida de Jesus, faziam um paralelo, nos seus rituais, entre a semente e o homem. Jesus faz referência a isso em 12:24, ainda tratando da chamada ressurreição de Lázaro: “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica infecundo; mas, se morrer, produz muito fruto”.
Lázaro morreu para o passado. Assim como disse mais tarde o apóstolo Paulo, “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). Tomé, sabendo que se tratava de um ritual, convida todos a morrerem juntamente com Lázaro.
Há dezenas de casos de ressurreição registrados na Antiguidade, e todos são vistos como mitos. Na própria Bíblia há vários relatos de ressurreição de mortos. No Antigo Testamento há dois casos de ressurreição de mortos atribuídos a Elias e Eliseu (1Reis 17; 2Reis 4). O Novo Testamento, além de três casos atribuídos a Jesus, diz que Pedro e Paulo também ressuscitaram pessoas. Pedro, segundo nos relata Lucas, ressuscitou Tabita (Atos 9:36-42). No caso de Paulo há a suposta ressurreição de Eutico (Atos 20:7-12) – que evidentemente não estava morto, conforme assegurou o próprio Paulo, ao dizer: “Não vos perturbeis; que a sua alma nele está” (Atos 20,10). Na mesma época de Jesus viveu Apolônio de Tiana, que usou palavras mágicas para levantar uma menina da morte – é lógico que ela também não estava morta.
Ninguém, depois de morto, pode voltar à vida no mesmo corpo. Nós somos espíritos imortais, mas o corpo morre uma só vez. É isso que diz a tão famosa passagem de Hebreus 9:27, que os apressados que não acreditam na reencarnação adoram usar como argumento.
O homem morre uma só vez, é verdade. Eu, Morel Felipe Wilkon, com esta personalidade, este corpo, esta pequena trajetória pelo plano físico, vou morrer uma só vez. Mas a minha individualidade não se perde. Continuarei sendo eu mesmo e voltarei noutro corpo, e em muitos outros corpos, tantas vezes quantas forem necessárias para o meu aprendizado no plano terrestre.
Jesus não poderia fazer alguém ressuscitar? Não. Se Deus é absoluto, Ele é perfeito; se Ele é perfeito, as Suas Leis são perfeitas; se as Suas Leis são perfeitas, elas são imutáveis; se elas são imutáveis, não podem ser derrogadas.
Qual é o sentido de ressuscitar alguém? Por que Jesus faria isso? E se isso fosse importante por algum motivo, por que não fazia isso com todo mundo que morria?
Um ponto que chama a atenção é que os Evangelhos sinóticos não narram esse chamado milagre ocorrido com Lázaro. Se esse tão famoso “milagre” tivesse realmente acontecido, se realmente se tratasse de uma morte física, por que os evangelhos sinóticos não falam nada sobre ele?
Se Jesus é o próprio Deus Creador do Universo encarnado ressuscitando pessoas, por que uma prova tão importante do poder divino de Jesus foi ignorada pelos outros evangelistas?
Este Evangelho termina dizendo que muitas outras coisas Jesus fez (João 21:25). É claro que os Evangelhos narram apenas uma pequena parte dos atos e ensinamentos de Jesus. Este ritual envolvendo Lázaro talvez não fosse bem visto pelo público a que se dirigiram os primeiros evangelistas. Nos primeiros tempos o Cristianismo ainda estava fortemente vinculado ao judaísmo, e essas práticas helenísticas não seriam bem recebidas.
João escreveu o seu Evangelho em Éfeso, onde os mistérios de Elêusis eram bem conhecidos e populares. Em Éfeso ficava o templo da deusa Diana, uma das maravilhas do mundo antigo, citada nos Atos dos Apóstolos. João não daria importância à opinião dos judeus. A orientação do seu Evangelho é frontalmente contrária ao judaísmo oficial.
17. Chegando, pois, Jesus, achou que já havia quatro dias que estava na sepultura.
18. (Ora Betânia distava de Jerusalém quase quinze estádios. )
19. E muitos dos judeus tinham ido consolar a Marta e a Maria, acerca de seu irmão.
20. Ouvindo, pois, Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada em casa.
21. Disse, pois, Marta a Jesus: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.
22. Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá.
23. Disse-lhe Jesus: Teu irmão há de ressuscitar.
24. Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia.
25. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;
26. E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?
27. Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo.
28. E, dito isto, partiu, e chamou em segredo a Maria, sua irmã, dizendo: O Mestre está cá, e chama-te.
29. Ela, ouvindo isto, levantou-se logo, e foi ter com ele.
30. (Pois, Jesus ainda não tinha chegado à aldeia, mas estava no lugar onde Marta o encontrara.)
31. Vendo, pois, os judeus, que estavam com ela em casa e a consolavam, que Maria apressadamente se levantara e saíra, seguiram-na, dizendo: Vai ao sepulcro para chorar ali.
32. Tendo, pois, Maria chegado aonde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se aos seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido.
33. Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se.
34. E disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem, e vê.
35. Jesus chorou.
36. Disseram, pois, os judeus: Vede como o amava.
37. E alguns deles disseram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer também com que este não morresse?
“(…) muitos dos judeus tinham ido consolar a Marta e a Maria, acerca de seu irmão” – a palavra traduzida como “consolar” é paramythesontai (παραμυθησωνται), subjuntivo aoristo, na voz média, terceira pessoa do plural do verbo paramutheomai (παραμυθεομαι), ou “paramitar”. “Paramitar” é formado pelo prefixo para, que quer dizer “a partir de”, “desde”, “na presença de”, e a palavra mito, que se refere a uma fábula, uma história fantasiosa, um conto ou encenação que substitui o que é realmente verdade.
Isso não tem nada a ver com consolar. Era costume entre os judeus chorarem os seus mortos por vários dias. Existiam as carpideiras profissionais, mulheres pagas para chorar. Aliás, isso existia no Brasil não muito tempo atrás.
Isso então era um “paramito”, era como se fosse um mito, uma encenação. Muitos dos judeus vieram “paramitar” Marta e Maria acerca do seu irmão Lázaro. Tanto Marta, que foi ao encontro de Jesus primeiro, quanto Maria, quando chegou onde Jesus estava, disseram a mesma coisa: “(…) se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido (…)”.
Quando o mensageiro avisou Jesus de que Lázaro estava sem vigor, sem força, Jesus ainda se demorou no lugar por dois dias, e, quando chegou, fazia quatro dias que Lázaro estava sepultado.
Marta e Maria sabiam que Lázaro ia passar por uma prova especial, por uma espécie de ritual, mas quando o viram perder as forças vacilaram na sua fé. Se elas não tivessem se preparado para alguma coisa importante que iria acontecer com Lázaro, talvez não soubessem como localizar Jesus, e, além disso, quando Jesus diz a Marta que Lázaro viveria, ela vai chamar Maria em segredo. Por que o segredo, se não se tratasse justamente de algo secreto, que o público comum não poderia saber?
Notamos que nem todos os discípulos sabiam do que se tratava, pois pensaram que Lázaro estava doente. Tomé compreendeu e propôs que fossem morrer com Lázaro – que participassem, mesmo que na assistência, desse momento grandioso.
Tomé ficou conhecido por uma suposta incredulidade. Entrou para o imaginário popular como “aquele que só acredita vendo”. O Evangelho de Tomé, descoberto em 1945, tão antigo quanto os Evangelhos canônicos, além de outros textos apócrifos, lhe dão uma outra dimensão. O Evangelho de Tomé começa exatamente com esta sentença: “Quem descobrir o sentido destas palavras, não provará a morte”. Um pequena minoria conseguiu compreender na íntegra as palavras contidas nos Evangelhos.
“Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá” – por que só agora Marta sabia que tudo o que Jesus pedisse a Deus lhe seria concedido? Por que ela não sabia disso antes? Certamente não foi o atraso de Jesus em atender ao seu chamado que lhe proporcionou essa descoberta. Ela presenciou alguma coisa, antes de Jesus chegar, que a fez chegar a essa conclusão.
“(…) Teu irmão há de ressuscitar” – essa declaração de Jesus era de praxe, era como dizer “meus pêsames, Deus sabe o que faz”.
“Disse-lhe Marta: Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia. Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” – esta é a quinta afirmação de “Eu sou” de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida”. Ou, como prefere Pastorino, “Eu sou a ressurreição da vida”, pois “ressurreição” quer dizer “ressurgimento”. O Cristo é a vida e o ressurgimento da vida. O Cristo é a manifestação de Deus no mundo sensível, então ele é a própria vida no mundo sensível. Com essa declaração a Marta, Jesus está dizendo: “Eu sou o ressurgimento de Lázaro e a sua nova vida”.
Temos que chamar a atenção, mesmo sendo repetitivo, para o verbo “crer”. “Crer” é uma má tradução do verbo pisteuó (πιστευω), que quer dizer “ser fiel”, “obedecer”, “aderir”, “sintonizar”. Quem sintoniza com o Cristo, ainda que esteja espiritualmente morto viverá.
“E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá (…)” – quem vive e sintoniza com o Cristo, quem adere intimamente ao Cristo, não morrerá. Isso não se refere à morte física, é óbvio, pois todos morremos – até Lázaro certamente morreu depois. Isso também não se refere a uma promessa de “vida eterna” no sentido de “viver para sempre”, uma vida mística ou beatífica. O não morrer a que se refere Jesus é não perder a consciência de uma existência para outra.
Logo depois vemos que os judeus que consolavam Maria, percebendo que ela saía apressadamente, seguiram-na até o sepulcro.
“Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se” – o que será que é “mover-se em espírito”? É como traduziram enebrimesato (ενεβριμησατο), que é o indicativo aoristo, na voz média depoente, terceira pessoa do singular do verbo embrimaomai (εμβριμαομαι), que quer dizer “indignar-se” – popularmente, “bufar de raiva”. Como o tradutor achou que não ficaria bem Jesus indignar-se, ou pelo menos desagradar-se, disse que ele “moveu-se muito”. Então Jesus desagradou-se em espírito e agitou-se.
“Jesus chorou” – esse versículo 35 é famoso por ser o menor versículo dos Evangelhos. Jesus chorou. Só que a palavra que se refere ao choro de Jesus é diferente da palavra que se refere ao choro de Maria e dos judeus que estavam com ela.
O verbo que se refere ao choro deles é klaió (κλαιω), que é o choro em voz alta, o lamento; o choro de Jesus na verdade não chega a ser choro – o verbo dakruó (δακρυω) quer dizer “lacrimejar”, “umedecer os olhos” ou “encher os olhos d’água”.
Por que Jesus se desagradou, agitou-se e depois ficou com os olhos cheios d’água? Temos que considerar que as lágrimas podem ser vistas, mas o que se passa no íntimo de alguém nem sempre pode ser visto. O evangelista viu Jesus com o semblante carregado, parecendo agitado, e disse que ele estava indignado.
Pode ser que Jesus estivesse desagradado pelo grande número de pessoas numa cerimônia que devia ser secreta – mas o mais provável é que Jesus estivesse se concentrando, canalizando as suas energias para o despertamento de Lázaro. Certamente isso exigiu muita energia de Jesus.
Onde estava o espírito de Lázaro? Nós conhecemos o desdobramento do corpo astral, que, quando consciente, é chamado de viagem astral ou projeção consciente. O corpo astral se desloca, se desprende do corpo físico e nós nos mantemos conscientes, tão conscientes como você está agora lendo essas páginas. O espírito então tem liberdade para se deslocar para onde ele quiser – dependendo, é claro, do seu domínio sobre esse processo, o que varia de pessoa para pessoa. Mas o espírito permanece ligado ao corpo pelo chamado cordão de prata, que é um conjunto de incontáveis fios energéticos que ligam o corpo astral ao corpo físico. O cordão de prata é citado até mesmo na Bíblia, no Eclesiastes 12:6-7.
Estamos citando a projeção consciente apenas como um exemplo que nós conhecemos pessoalmente – a separação consciente do espírito em relação ao corpo físico. Mas não era esse o caso de Lázaro, pois ele havia perdido o vigor e provavelmente deixou de apresentar sinais vitais visíveis, pois fora dado como morto.
Nós sabemos que alguns faquires indianos conseguem interromper, pelo menos aparentemente, os batimentos cardíacos, e permanecerem assim por muito tempo. Entre os budistas há um estado espiritual conquistado através da meditação que se chama tukdam, em que não há os sinais vitais comuns, embora o corpo permaneça vivo. Foi algo assim que Lázaro experimentou. Estava fora do corpo, provavelmente com plena lucidez, ou num estado alterado de consciência. Paulo, falando indiretamente de si mesmo, diz que foi arrebatado, transportado para o que ele chamou de terceiro céu (2 Coríntios 12:2). Esses fenômenos são mais comuns do que se pensa.
Lázaro muito provavelmente não conseguiria retornar sozinho ao seu corpo físico. Precisava que um poderoso fluxo de energia externa comandasse o seu retorno, atraísse o seu espírito novamente para o corpo físico e que este retomasse instantaneamente as funções vitais.
38. Jesus, pois, movendo-se outra vez muito em si mesmo, veio ao sepulcro; e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela.
39. Disse Jesus: Tirai a pedra. Marta, irmã do defunto, disse-lhe: Senhor, já cheira mal, porque é já de quatro dias.
Marta supôs que Lázaro cheirasse mal por ter sido sepultado há quatro dias. Mas ninguém poderia saber se ele cheirava mal ou não, pois ele estava dentro de uma caverna tapada com uma pedra e eles estavam fora.
40. Disse-lhe Jesus: Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?
41. Tiraram, pois, a pedra de onde o defunto jazia. E Jesus, levantando os olhos para cima, disse: Pai, graças te dou, por me haveres ouvido.
42. Eu bem sei que sempre me ouves, mas eu disse isto por causa da multidão que está em redor, para que creiam que tu me enviaste.
43. E, tendo dito isto, clamou com grande voz: Lázaro, sai para fora.
44. E o defunto saiu, tendo as mãos e os pés ligados com faixas, e o seu rosto envolto num lenço. Disse-lhes Jesus: Desligai-o, e deixai-o ir.
“(…) Lázaro, sai para fora” – Lázaro quer dizer “auxílio de Deus”. Todos nós temos “Lázaro” dentro de nós à nossa disposição. Jesus ordena que Lázaro venha para fora. O “auxílio de Deus” que está dormindo numa caverna escura, deve vir para fora, ou seja, deve partir de dentro de nós em direção aos outros. O “auxílio de Deus” está com pés e mãos atadas e um lenço sobre o rosto, dificultando o movimento, a ação e o contato com o mundo exterior. Jesus ordena que Lázaro seja desatado, que o “auxílio de Deus” seja desatado e que o deixem ir.
“Lázaro, sai para fora” é um despertamento do auxílio de Deus que nós podemos praticar, nos tornando instrumentos de Deus, veículos de manifestação de Deus – é um chamamento para que o que há de melhor em nós para os outros saia para fora.
Este foi o sétimo sinal de Jesus – ou o sétimo símbolo do Cristo, o símbolo decisivo para mostrar o Cristo como aquele que faz viver.
45. Muitos, pois, dentre os judeus que tinham vindo a Maria, e que tinham visto o que Jesus fizera, creram nele.
46. Mas alguns deles foram ter com os fariseus, e disseram-lhes o que Jesus tinha feito.
Aqueles homens (assim como muitos ainda hoje) pensaram que se tratava realmente de uma ressurreição, acharam que Lázaro tinha morrido de fato e voltado a viver. Essa crença nos dias de hoje é reforçada por Mateus 27:51-53, que fala que quando Jesus morreu houve um terremoto, os sepulcros se abriram e muitos corpos de santos ressuscitaram, entraram em Jerusalém e apareceram a muitos – algo semelhante a um filme de terror de muito sucesso nos anos oitenta: “A volta dos mortos vivos”.
Não há nada de mau em ser crédulo, mas não podemos ser ingênuos. Um ato nunca antes visto como este certamente ficaria registrado na História. Que a morte de Jesus não tenha merecido destaque nem por Flavio Josefo nem pelos romanos não causa estranheza nenhuma – a crucificação era uma coisa trivial. Mas um terremoto não passaria despercebido, muito menos um terremoto que abrisse os sepulcros, os mortos se levantassem e fossem caminhando até Jerusalém.
É bem possível – até provável – que tenha havido aparições de espíritos, talvez até a materialização de espíritos – mas não defunto levantando do caixão! Essa maneira de contar as coisas pode ter sido necessária há quase dois mil anos, quando as mentes simples das pessoas precisavam ser impressionadas para acreditarem em alguma coisa – mas hoje, com tanta informação ao nosso dispor…
47. Depois os principais dos sacerdotes e os fariseus formaram conselho, e diziam: Que faremos? porquanto este homem faz muitos sinais.
48. Se o deixamos assim, todos crerão nele, e virão os romanos, e tirar-nos-ão o nosso lugar e a nação.
Os principais dos sacerdotes eram provavelmente saduceus. Saduceus e fariseus eram adversários, e se uniram contra Jesus, pois Jesus representava uma ameaça a todos eles.
Lembramos que os judeus eram dominados por Roma, a autoridade real pertencia a Roma. No tempo de Jesus havia vários grupos que pretendiam expulsar os romanos. Muitos pensaram que Jesus fosse a pessoa indicada para liderar o povo numa revolta. Quando perceberam que Jesus não tinha interesse no poder mundano, se decepcionaram e se voltaram contra ele.
O medo das autoridades judaicas, agora, era que o povo, vendo os sinais de Jesus, se animasse, se rebelasse e provocasse uma reação violenta por parte de Roma.
49. E Caifás, um deles que era sumo sacerdote naquele ano, lhes disse: Vós nada sabeis,
50. Nem considerais que nos convém que um homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação.
51. Ora ele não disse isto de si mesmo, mas, sendo o sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação.
52. E não somente pela nação, mas também para reunir em um corpo os filhos de Deus que andavam dispersos.
O evangelista acha que pelo fato de Caifás ocupar o mais importante cargo religioso, teria profetizado – teria servido de instrumento da espiritualidade – independentemente do seu valor moral.
João diz que Jesus devia morrer para que os filhos de Deus que andavam dispersos “se reunissem em um”. O texto grego não fala em “corpo”, diz apenas que “se reunissem em um”. Jesus mais tarde pede a Deus que “sejamos um com ele”, assim como “ele é um com Deus” (17:21-22).
Essa ideia de que Jesus devia morrer para reunir os filhos de Deus deve ser vista com muito cuidado. Os comodistas sentem-se muito confortáveis com esta afirmação porque os dispensa do esforço próprio. Nas suas mentes subutilizadas imaginam que, já que Jesus morreu por eles, eles não precisam fazer mais nada – nenhum esforço para progredir moralmente, para se tornar pessoas melhores, para ajudar o próximo, para abandonar os seus maus hábitos, para imitar Jesus.
Jesus nos deixou dezenas de recomendações nos Evangelhos. Achar que Jesus morreu por nós e está tudo resolvido é comodismo – e uma grande perda de tempo, pois em vez de investirem o precioso tempo de uma reencarnação no exercício de auto-salvação, apostam comodamente numa alo-salvação impossível.
Podemos aceitar a ideia de que Jesus morreu por nós como uma prova do seu amor pela humanidade, do seu amor a Deus e da seriedade com que encarou a sua missão. Morrer na data, no lugar e da forma como morreu foi a maneira encontrada para fazer com que a sua lembrança ficasse fortemente gravada na memória daqueles que o conheceram e que os seus ensinamentos ficassem registrados e atravessassem gerações.
Mas achar que a morte de Jesus, por si só, tenha o poder de salvar alguém é lutar contra as evidências. Aqueles homens que o condenaram e todo o povo que anuiu com a sua condenação se salvaram? Ao longo desses dois milênios estão todos salvos?
Ninguém foi salvo por isso. A salvação depende das suas próprias atitudes – sem imitar Jesus, sem desenvolver o seu Cristo interno, não é possível nenhuma salvação.
53. Desde aquele dia, pois, consultavam-se para o matarem.
54. Jesus, pois, já não andava manifestamente entre os judeus, mas retirou-se dali para a terra junto do deserto, para uma cidade chamada Efraim; e ali ficou com os seus discípulos.
55. E estava próxima a páscoa dos judeus, e muitos daquela região subiram a Jerusalém antes da páscoa para se purificarem.
56. Buscavam, pois, a Jesus, e diziam uns aos outros, estando no templo: Que vos parece? Não virá à festa?
57. Ora, os principais dos sacerdotes e os fariseus tinham dado ordem para que, se alguém soubesse onde ele estava, o denunciasse, para o prenderem.
Foi possível, mais tarde, prender e matar Jesus. Mas o Cristo que se manifestou através de Jesus é o Cristo que habita em cada um de nós. Compete a cada um de nós conhecer intimamente o nosso Cristo interno.
PRÓXIMO ESTUDO DE JOÃO: CLIQUE AQUI
ESTUDO ANTERIOR DE JOÃO: CLIQUE AQUI