Estudo do Evangelho em vídeo, Vídeo

Jesus mentiu? Jesus se contradisse?

Dependendo do olhar que tivermos sobre o conteúdo do Evangelho, é possível, sim, concluir que há contradições no ensino de Jesus. Mas essas contradições são apenas aparentes, não sobrevivem a uma análise mais profunda.

Neste vídeo estudamos o capítulo 7 do Evangelho de João. Neste capítulo Jesus diz que não iria à festa, mas depois vai à festa “em segredo”. Este é apenas um dos vários temas tratados neste capítulo. Este é o 14º vídeo em que interpretamos o Evangelho de João. Consultamos os textos originais gregos, mais de uma dezena de traduções, além das obras de biblistas e estudiosos dos Evangelhos, espíritas e não espíritas. Também temos que mencionar a inspiração que recebemos do Alto durante os meses em que este trabalho foi realizado.

Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.

JOÃO 7

  1. E depois disto Jesus andava pela Galiléia, e já não queria andar pela Judéia, pois os judeus procuravam matá-lo.
  2. E estava próxima a festa dos judeus, a dos tabernáculos.
  3. Disseram-lhe, pois, seus irmãos: Sai daqui, e vai para a Judéia, para que também os teus discípulos vejam as obras que fazes.
  4. Porque não há ninguém que procure ser conhecido que faça coisa alguma em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo.
  5. Porque nem mesmo seus irmãos criam nele.
  6. Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda não é chegado o meu tempo, mas o vosso tempo sempre está pronto.

Notamos mais uma vez a imagem negativa que o evangelista nos passa dos judeus. Mesmo que a sua intenção seja se referir aos responsáveis pela religião judaica, aos líderes político-religiosos ligados ao templo, a imagem do judeu como perseguidor de Jesus fica evidente.

Não podemos perder de vista a época e o contexto histórico em que este Evangelho foi escrito. João escreveu na cidade de Éfeso, dirigindo-se ao mundo grego. Era preciso explicar aos gregos, que não conheciam as tradições judaicas, o motivo de Jesus ter sido crucificado.

As controvérsias sobre quem seriam os irmãos de Jesus nunca foram solucionadas. Podem ser filhos de um casamento anterior de José, portanto irmãos mais velhos; podem ser filhos de José e Maria, então irmãos mais novos; ou podem ser seus primos, que também poderiam ser chamados de “irmãos”.

Quem diz que os irmãos de Jesus não criam nele é o evangelista. Pelas palavras atribuídas aos seus irmãos não notamos nem descrença nem má vontade alguma da parte deles em relação a Jesus, pelo contrário.

Diz a tradição que este Evangelho foi escrito pelo apóstolo João. Este mesmo João, quando jovem, perguntou a Jesus se poderiam fazer descer fogo do céu sobre os samaritanos que não os deixaram passar pelas suas terras (Lucas 9:54). É uma atitude de um jovem impulsivo e que certamente não havia entendido, naquele momento, a missão de Jesus.

Os irmãos de Jesus também não haviam entendido o alcance da missão de Jesus. A sua intenção era boa: se Jesus cumpria uma missão, nada mais natural que se fizesse conhecido em Jerusalém, por ocasião de uma festa popular como era a festa dos tabernáculos, que durava sete dias.

Os judeus esperavam há séculos pelo messias, o grande líder enviado de Deus que iria devolver ao povo israelita a glória que ele julgava merecer. Pela análise das previsões a respeito do messias, nas escrituras, tinham como certo que o messias devia ser o diretor dos poderes civis e religiosos do país. Então não havia nada de errado no fato de seu irmãos sugerirem que Jesus comparecesse à festa e fizesse lá uma aparição espetacular.

Será que João tinha má vontade com os irmãos de Jesus, para afirmar que os seus irmãos não criam em Jesus? Essa é a impressão que a tradução nos passa, porque traduzem o verbo grego pisteuó (πιστευω) como “crer”, quando na verdade pisteuó tem um sentido muito mais amplo, de “ser fiel”, de “sintonizar”, “estar em harmonia”, “aderir totalmente”.

Crer eles criam em Jesus, tanto é que aconselhavam Jesus a se mostrar – assim como muitas pessoas de péssimos currículos se convertem a determinadas denominações religiosas e dizem que creem em Deus. Aliás, há passagens que dizem que os irmãos de Jesus eram seus seguidores depois da sua morte:

“E não vi a nenhum outro dos apóstolos, senão a Tiago, irmão do Senhor” . (Gálatas 1:19)

“E acenando-lhes ele com a mão para que se calassem, contou-lhes como o Senhor o tirara da prisão, e disse: Anunciai isto a Tiago e aos irmãos. E, saindo, partiu para outro lugar”. (Atos 12:17)

“Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas?” (1 Coríntios 9:5)

Mas exatamente nesta sugestão dos irmãos de Jesus e na resposta de Jesus a eles nós encontramos o porquê de só agora termos condições de compreender o ensinamento de Jesus com mais profundidade.

“(…) não há ninguém que procure ser conhecido que faça coisa alguma em oculto. Se fazes estas coisas, manifesta-te ao mundo” – a palavra grega traduzida como “oculto” é kruptos (κρυπτος), que significa uma coisa secreta, voltada para dentro.

“(…) não há ninguém que procure ser conhecido (…)” – a palavra traduzida como “conhecido” é parrésia (παρρησια), que quer dizer “ousadia”, “coragem para falar em público”, “falar abertamente”.

E o verbo traduzido como “manifestar” – “(…) manifesta-te ao mundo (…)” – é phaneroo (φανεροω): “brilhar”, “tornar evidente”.

Por que nós temos que interpretar o Evangelho de Jesus? Porque somos 7 bilhões de espíritos encarnados e mais muitos bilhões de espíritos desencarnados, todos em graus evolutivos ligeiramente diferentes. Não há nenhum espírito exatamente igual ao outro em conhecimentos e experiências. Hoje ainda muitos milhões de espíritos não têm condições de compreender o Evangelho nem ao pé da letra, muito menos de buscar o seu verdadeiro sentido por trás das letras mortas.

Jesus sabia disso e por isso nos legou este ensino de maneira oculta, de maneira voltada para
dentro. Seus irmãos, que representam todos nós (Jesus é o nosso irmão mais velho) pedem que ele não ensine secretamente, que não dê ensinamentos voltados para dentro, que ele manifeste-se ao mundo, ou seja, que brilhe, que faça brilhar o seu ensino, que torne o seu ensino evidente a todos.

Mas Jesus diz que ainda não é chegado o seu tempo. Ainda não chegou o tempo de ser compreendido em sua profundidade – mas o nosso tempo está pronto, quem faz o nosso tempo somos nós mesmos.

Nosso destino é a felicidade. Quem decide sobre o maior ou menor tempo que levaremos para conquistar o nosso destino de felicidade somos nós. João explica que os irmãos de Jesus não aderiam a ele. Os irmãos somos nós. E nós encontramos a felicidade quando aderimos definitivamente ao Cristo que está dentro de nós.

Jesus continua:

  1. O mundo não vos pode odiar, mas ele me odeia a mim, porquanto dele testifico que as suas obras são más.

No primeiro capítulo vimos que “a luz brilha nas trevas mas as trevas não a compreenderam”. A luz deixa à vista os erros, as obras más.

O mundo não odeia quem é semelhante ao mundo. Quem se identifica com os falsos valores do mundo está ajustado a ele, não é odiado. Mas quem se opõe aos falsos valores do mundo é o que chamam de desajustado – o que deve ser recebido como um elogio. Este tema é desenvolvido em 15:18-24.

  1. Subi vós a esta festa; eu não subo ainda a esta festa, porque ainda o meu tempo não está cumprido.
  2. E, havendo-lhes dito isto, ficou na Galiléia.
  3. Mas, quando seus irmãos já tinham subido à festa, então subiu ele também, não manifestamente, mas como em oculto.

Nesta tradução Jesus diz: “(…) eu não subo ainda a esta festa (…)” – há manuscritos antigos que não contém este “ainda”. Jesus não disse que não subiria “ainda” a esta festa – ele disse que não subiria à festa.

O “ainda” foi acrescentado para que não ficasse a impressão de que Jesus mentiu ou se contradisse – pois Jesus disse que não subiria a esta festa, mas depois, quando seus irmãos já tinham ido, ele também foi, como diz o texto, “(…) não manifestamente, mas como em oculto”.

Esses receios são típicos de quem não compreende o ensino de Jesus. A encarnação de Jesus foi milenarmente planejada. Ele não iria precipitar os fatos, colocando em risco o seu planejamento, por causa de pudores que nós valorizamos, mas que não têm o menor fundamento no ensino de Jesus. Pensam que isso possa ter sido uma mentira de Jesus. Nem sempre convém dizer toda a verdade.

O que temos que buscar, sempre, é o simbolismo que está por trás das letras. É isto o que nos interessa nos Evangelhos. Este Evangelho fala muito em “sinais”, que é a tradução do grego semeion (σημειων). Semeion quer dizer “símbolo”. O Evangelho é feito de símbolos.

Esta festa era a festa dos judeus, a festa dos tabernáculos. “Tabernáculo” ou “tenda” é um dos modos de se referir ao corpo físico:

“E tenho por justo, enquanto estiver neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações, Sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, como também nosso Senhor Jesus Cristo já mo tem revelado”. (2 Pedro 1:13-14)

“Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação, que é do céu; Se, todavia, estando vestidos, não formos achados nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados; não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida”. (2 Coríntios 5:1-4)

“Judeu” quer dizer “o que louva a Deus”.

Esta festa representa, aqui, a festa dos corpos, a festa das coisas materiais, dos prazeres físicos. Representa os que louvam a Deus mas percebem Deus apenas como um provedor de coisas materiais – vivem em função do seu ego, da sua personalidade, sem se ocuparem com as coisas do espírito.

O Cristo não participa dessa festa, pois ele está ligado ao espírito imortal, não ao corpo transitório. Ele está em nós, onde quer que nós estejamos, mas nós não podemos vê-lo, pois ele não se manifesta em meio às coisas materiais – está oculto dentro de nós.

  1. Ora, os judeus procuravam-no na festa, e diziam: Onde está ele?
  2. E havia grande murmuração entre a multidão a respeito dele. Diziam alguns: Ele é bom. E outros diziam: Não, antes engana o povo.
  3. Todavia ninguém falava dele abertamente, por medo dos judeus.

Os que louvam a Deus procuravam o Cristo e dividem as opiniões a seu respeito. Uns defendem que o Cristo, que é Deus em nós, é bom; outros acham que o Cristo é uma enganação. Mas ninguém fala abertamente do Cristo que habita em nós por medo das reações daqueles que louvam a Deus.

  1. Mas, no meio da festa subiu Jesus ao templo, e ensinava.
  2. E os judeus maravilhavam-se, dizendo: Como sabe este letras, não as tendo aprendido?

Essa festa é a vida como encarnado, pois é a festa dos corpos, a festa da nossa personalidade transitória, desta personagem que nós interpretamos e que associamos ao corpo físico, como se fôssemos o corpo.

No meio da festa (ou seja, no meio da vida) o Cristo surge no templo. O templo, como nós já vimos (2:19-21), também simboliza o corpo. O Cristo sobe no templo e ensina.

Os que louvam a Deus ficam maravilhados, pois não entendem de onde vem o ensino que brota do seu íntimo, não entendem a natureza do seu Cristo interno, não sabem que ele é Deus em nós.

“(…) Como sabe este letras, não as tendo aprendido?” – as “letras” a que eles se referem é o ensino rabínico no templo de Jerusalém. Jesus não havia estudado formalmente como um rabino, não havia frequentado as suas escolas.

  1. Jesus lhes respondeu, e disse: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou.
  2. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo.

Mais uma vez Jesus deixa claro que não é Deus, pois foi enviado. Jesus diz isso mais de 40 vezes. Só é enviado quem é subalterno. Um ministro não envia o presidente em missão. E a sua doutrina não é sua, é de Deus. Se é de Deus e não é de Jesus, Jesus não é Deus.

A palavra grega theléma (θελημα) pode ser traduzida como “querer” ou como “vontade”. Aqui ela aparece duas vezes: “Se alguém quiser fazer a vontade dele (…)” – ou seja, se alguém “querer o seu querer”, se alguém “querer o que Deus quer”.

“(…) pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo” – esta tradução não é correta. O que o texto grego diz é que “quem quiser fazer a vontade de Deus conhecerá acerca da doutrina se ela é de Deus ou se falo de mim mesmo”.

Essa distinção é importante. Do modo como está traduzido parece que temos que estudar ou analisar a doutrina para conhecermos se ela é de Deus ou de Jesus. Mas o que o texto grego diz é que o modo de conhecermos se a doutrina é de Deus ou de Jesus é fazendo a Vontade de Deus. Se quisermos fazer a Vontade de Deus conheceremos se a doutrina apresentada por Jesus é dele ou se é de Deus. Do modo como está traduzido somos obrigados a conhecer essa doutrina, o que não é verdade.

O que é indispensável é que façamos a Vontade de Deus. Não importa se somos cristãos, hinduístas, budistas, muçulmanos ou ateus. O que importa é que façamos a Vontade de Deus.

  1. Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça.

Jesus foi enviado, a sua mensagem não é sua, então a glória não cabe a ele, mas cabe a quem o enviou, que é Deus.

Do mesmo modo, embora numa escala incalculavelmente menor, neste trabalho a que nos propusemos nós não falamos por nós, nós falamos por Jesus. Os equívocos que porventura houver neste estudo se devem às nossas imperfeições como instrumento. Um instrumento imperfeito não pode realizar um trabalho perfeito. Não merecemos, portanto, elogios quanto ao conteúdo do que escrevemos, pois apenas repetimos o que lemos, ouvimos e recebemos como inspiração.

Mas vamos analisar a palavra doxa (δoξα) neste versículo 18, traduzido como glória. Já falamos a respeito da palavra doxa, quase sempre traduzida como glória. Embora a palavra “glória” faça sentido aqui, o contexto parece pedir a palavra “opinião”: “Quem fala de si mesmo busca a sua própria opinião; mas o que busca a opinião daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça”.

Jesus está se posicionando como um enviado que traz uma mensagem de quem o enviou. Se ele falasse de si mesmo, estaria dando a sua própria opinião – mas ele busca a opinião daquele que o enviou, nos transmite fielmente a opinião (ou a doutrina) daquele que o enviou.

Então Jesus, nas suas próprias palavras, “(…) é verdadeiro, e não há nele injustiça” –“verdadeiro” é a tradução de alétheia (αληθεια), palavra composta pelo prefixo a com o sentido de negação e a palavra léthe, que quer dizer “esquecimento”: alétheia é o “despertamento”, o “desvelamento do que estava esquecido”. Jesus nos desperta, Jesus tira o véu do esquecimento da nossa verdadeira natureza espiritual e divina.

Essa parte do discurso de Jesus que começa no versículo 19 e vai até o versículo 23, provavelmente seja a continuação de 5:16, como já vimos. É a sequência lógica daquela passagem – e se saltarmos do versículo 18 para o versículo 24, veremos que a sequência deste capítulo 7 não é quebrada: Quem fala de si mesmo busca a sua própria glória; mas o que busca a glória daquele que o enviou, esse é verdadeiro, e não há nele injustiça. Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” (7:18,24).

Mas isso não influencia nas lições que encontramos aqui.

  1. Não vos deu Moisés a lei? e nenhum de vós observa a lei. Por que procurais matar-me?

Corria de boca em boca a notícia de que queriam matar Jesus. E Jesus, enquanto falava, certamente percebia na mente de cada um as suas intenções para com ele. Muitos dos presentes não teriam coragem de matá-lo, mas gostariam que ele fosse morto.

Em Mateus, Jesus se refere à lei de Moisés e a amplia:

“Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo. Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno”. (Mateus 5:21,22)

Não basta não matar: não podemos desejar a morte, não podemos desejar o mal de ninguém.

  1. A multidão respondeu, e disse: Tens demônio; quem procura matar-te?

Como no texto grego não há artigo antes da palavra demônio, a melhor tradução é “tens um demônio” – ou, como se diria hoje em algumas igrejas, “estás com demônio”; ou como se diz em alguns centros espíritas, “você está obsediado”.

Acusavam Jesus de estar iludido por algum espírito atrasado, de estar paranoico. Fizeram essa acusação outras vezes (8:48; 10:20), assim como também diziam que João Batista tinha demônio (Mateus 11:18).

  1. Respondeu Jesus, e disse-lhes: Fiz uma só obra, e todos vos maravilhais.
  2. Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais), no sábado circuncidais um homem.
  3. Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no sábado curei de todo um homem?
  4. Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça.

A obra a que Jesus se refere é a cura do paralítico no tanque de Betesda, relatado no capítulo 5. Jesus curou o paralítico e mandou-o carregar o leito: “Levanta-te e anda”.

O sábado era o dia do descanso, o dia dedicado a Deus, e qualquer trabalho era proibido, inclusive carregar o próprio leito. Jesus, portanto, era acusado de desrespeitar o sábado, o que era uma acusação gravíssima.

Jesus lembra da circuncisão. Todo filho homem era circuncidado no oitavo dia de vida, mesmo que o oitavo dia caísse num sábado. A circuncisão era o sinal da aliança com Deus, e era considerada mais importante do que a lei de Moisés.

É isso que Jesus propõe que eles analisem. Se o sinal da aliança com Deus era tão importante para eles, a cura de um homem, que é a própria manifestação do poder de Deus, não devia
ser considerada mais importante? Mas aqueles homens eram tão apegados às formalidades da lei que não se permitiam raciocinar.

Isso é muito comum ainda hoje. Muitas pessoas que se dizem religiosas apegam-se mais a um conjunto de livros do que ao próprio conceito de Deus. Não conseguem superar as letras mortas, as suas tradições, os seus dogmas, os seus preconceitos, não se permitem raciocinar, não se permitem perceber as incontáveis incoerências e contradições que este conjunto de livros contém. Não têm coragem de reconhecer que, se há contradições, nem tudo o que está lá é válido, e que o modo de selecionarmos o que é válido e o que não é válido é através do uso da razão. Deus nos dotou de razão para usarmos a razão, para raciocinarmos.

Acusavam Jesus de violar a lei. E indignavam-se contra Jesus. O verbo grego traduzido como “indignar” é cholate (χολατε), que se refere a “fel”, “amargor”. As pessoas se tornam amargas por causa da sua intolerância.

“Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” – já chamamos a atenção a respeito do verbo krino (κρινω) que é traduzido como “julgar”. Essa não é a melhor tradução, e isso fica bem evidente neste versículo. No texto grego nós temos três vezes krino: duas como verbo e uma como substantivo, traduzidas como “julgueis”, “julgai” e “justiça”; e uma vez o adjetivo dikaios (δικαιος) traduzido como “reta”.

Krino se refere ao ato de escolher, selecionar, peneirar, “separar o joio do trigo”. Do verbo grego krino nós temos em português a palavra “critério” – nós fazemos escolhas baseados em critérios, mas essas escolhas nem sempre são “julgamentos”.

Se temos duas camisas e temos que vestir uma, nós escolhemos uma camisa – mas isso não é exatamente um julgamento, nós não estamos julgando as camisas: “Tu, camisa branca, és a escolhida por mim! E tu, ó camisa azul, estás condenada a ficar pendurada no cabide nas trevas do guarda-roupa!”

Pois é essa a impressão que nós temos quando lemos sobre “julgamento” na Bíblia. Sempre que se fala em “juízo”, “dia do juízo”, “juízo de Deus”, ou que “Jesus virá julgar”, sempre é o verbo krino, sempre se refere a “seleção”, “selecionar”, “separar”, “escolher utilizando um critério estabelecido”.

Então em vez de “Não julgueis segundo a aparência, mas julgai segundo a reta justiça” – a tradução mais adequada é “não baseiem (ou “não fundamentem”) o seu critério na aparência; escolham o critério justo”.

  1. Então alguns dos de Jerusalém diziam: Não é este o que procuram matar?

Aqui notamos que o evangelista se refere ao povo como “os de Jerusalém”. Isso demonstra que quando ele fala “os judeus” ele está se referindo às autoridades.

Isso pode ficar claro hoje, se prestarmos atenção. Mas os gregos, para quem este Evangelho foi escrito (e, posteriormente, grande parte do mundo ocidental) não entenderam assim, e os judeus ficaram marcados como aqueles que perseguiram e mataram Jesus.

  1. E ei-lo aí está falando abertamente, e nada lhe dizem. Porventura sabem verdadeiramente os príncipes que de fato este é o Cristo?
  2. Todavia bem sabemos de onde este é; mas, quando vier o Cristo, ninguém saberá de onde ele é.

“Cristo” é a tradução grega da palavra hebraica “messias”, que é o “ungido” de Deus, o escolhido de Deus, aquele que as previsões diziam que seria o enviado de Deus para salvar o povo.

Eles acreditavam que o messias iria surgir do nada, numa aparição repentina, sem que ninguém soubesse quem ele era ou de onde tinha vindo. Como sabiam a origem de Jesus, descartavam a hipótese de que ele fosse o messias, o Cristo.

  1. Clamava, pois, Jesus no templo, ensinando, e dizendo: Vós conheceis-me, e sabeis de onde sou; e eu não vim de mim mesmo, mas aquele que me enviou é verdadeiro, o qual vós não conheceis.
  2. Mas eu conheço-o, porque dele sou e ele me enviou.

Deus é a causa primária de todas as coisas. Todos viemos de Deus. Nossa personalidade atual tem um nome, está ligada a um corpo, este corpo foi gerado a partir do encontro de um homem e uma mulher. Mas o espírito vem de Deus, e conforme vamos nos autoconhecendo vamos percebendo Deus.

  1. Procuravam, pois, prendê-lo, mas ninguém lançou mão dele, porque ainda não era chegada a sua hora.
  2. E muitos da multidão creram nele, e diziam: Quando o Cristo vier, fará ainda mais sinais do que os que este tem feito?
  3. Os fariseus ouviram que a multidão murmurava dele estas coisas; e os fariseus e os principais dos sacerdotes mandaram servidores para o prenderem.
  4. Disse-lhes, pois, Jesus: Ainda um pouco de tempo estou convosco, e depois vou para aquele que me enviou.
  5. Vós me buscareis, e não me achareis; e onde eu estou, vós não podeis vir.
  6. Disseram, pois, os judeus uns para os outros: Para onde irá este, que o não acharemos? Irá porventura para os dispersos entre os gregos, e ensinará os gregos?
  7. Que palavra é esta que disse: Buscar-me-eis, e não me achareis; e: Aonde eu estou vós não podeis ir?

Jesus disse: Vós me buscareis, e não me achareis; e onde eu estou, vós não podeis vir” – Jesus está se referindo ao Cristo, ao Cristo interno de cada um. Aqueles que o perseguiam e procuravam matá-lo estão evolutivamente muito distantes de descobrirem o Cristo dentro de si. Por uma questão vibracional, mesmo que busquem o Cristo, não o encontram.

É o mesmo que um bandido que cometeu muitos crimes procurar ter paz. Ele não vai encontrar paz. Ele está vibrando na frequência do crime, e terá que passar por uma transformação interna e dispor-se a reparar os seus erros para que encontre paz. Enquanto não houver essa transformação interna ele não poderá ir onde está o Cristo. Ele não tem acesso ao Cristo interno, pois o seu padrão vibratório não permite, a sua consciência não foi suficientemente despertada.

Jesus diz “aonde eu estou” – “ser” e “estar”, no grego (assim como no inglês), são o mesmo verbo: “Aonde eu sou vocês não podem ir”. “Eu sou” é a consciência, é a percepção de “ser” que caracteriza a consciência.

Os judeus se perguntaram: “(…) Irá porventura para os dispersos entre os gregos, e ensinará os gregos?” – os “dispersos entre os gregos” eram os descendentes dos judeus que haviam sido levados cativos para outros países. Os descendentes daqueles judeus mantinham sua religião e suas tradições. Foi a eles que Paulo e os demais apóstolos pregaram, e, a partir dessa pregação inicial, os gentios, ou seja, os povos não-judeus, tiveram acesso ao Cristianismo.

  1. E no último dia, o grande dia da festa, Jesus pôs-se em pé, e clamou, dizendo: Se alguém tem sede, venha a mim, e beba.
  2. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre.

“(…) rios de água viva correrão do seu ventre” não tem o menor sentido – “ventre” é a tradução da palavra grega koilia (κοιλια), que pode se referir a qualquer órgão interno do corpo, mas que figurativamente faz referência ao interior do homem, ao nosso íntimo. Não tem nada a ver com ventre.

Na conversa de Jesus com a mulher samaritana, no capítulo 4, nós vimos que a água viva representa o espírito. A água, na Bíblia, é o elemento gerador absoluto, é o princípio material. A água viva é a vida na matéria, a vida que anima a matéria, ou seja, o espírito.

Temos que lembrar da escassez de água na região e a consequente importância da água. Jesus procura uma imagem forte, marcante, para gravar o seu ensinamento.

Falamos antes que a festa dos tabernáculos representa os que louvam a Deus mas percebem Deus apenas como um provedor de coisas materiais, aqueles que vivem em função do seu ego, da sua personalidade, sem se ocuparem com as coisas do espírito.

Agora era o último dia da festa. Assim como a água viva é a vida na matéria (a vida que anima a matéria, a vida que surge na matéria), quando esta festa, este ciclo de materialidade chega ao fim, surge a percepção do espírito, tem início a espiritualização. “A espiritualização surgirá abundantemente do íntimo daquele que adere ao Cristo”.

  1. E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado.

Esta versão diz “(…) porque o Espírito Santo ainda não fora dado (…)” – a palavra “santo” foi acrescentada em alguns manuscritos posteriores. A frase original diz literalmente: “o espírito ainda não era”.

Vemos que os discípulos de Jesus só perceberam a sua verdadeira grandeza depois da sua morte. Foi depois da morte de Jesus que teve início o Cristianismo, criado por espíritos encarnados e desencarnados comprometidos em levar adiante o seu ensinamento, praticando e propagando o seu ensino. Houve então um período de intensas práticas mediúnicas, como se vê em 1 Cor 14:1-25, em que Paulo dá instruções a esse respeito.

Alguns alegam que Paulo esteja se referindo ao que chamam de “dons do espírito santo” – “santo”, para Paulo, quer dizer “bom”. Um “espírito santo” é um “espírito bom”. Se existisse, como dizem, o espírito santo como uma das três pessoas de Deus, e se no momento em que Jesus falou isso ainda não havia o espírito santo (o espírito santo ainda não estava disponível), se Jesus precisava morrer primeiro para depois se manifestar o espírito santo, como é que em Lucas 11:13 Jesus diz que Deus dá o espírito santo a quem o pedir? É o que nós vemos em Lucas:

“Pois se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?”

Aqui é Jesus falando, e isso era válido para qualquer momento – Jesus não disse que só teria espírito santo quando ele morresse.

Na verdade não se trata “do” espírito santo, mas de “um” espírito santo, ou seja, de um espírito bom. Jesus nesta passagem de Lucas está nos ensinando a orar, a mentalizar, e nos explica que sempre que elevamos o nosso pensamento a Deus os bons espíritos que trabalham em nome de Deus vêm em nosso auxílio. Deus não age diretamente sobre nós. Deus age sobre os espíritos através dos espíritos.

Em 1 Cor 12: 4-11 Paulo fala sobre as diferentes faculdades mediúnicas:

“Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil. Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer”.

Se Paulo não estivesse se referindo a espíritos não haveria porque ele falar de um “dom de discernir os espíritos” – se é para discernir os espíritos, é porque eles se comunicavam com espíritos.

Aliás, o mesmo João que escreveu este Evangelho diz a mesma coisa na sua primeira epístola:

“Amados, não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus”. (1 João 4:1)

Jesus está dizendo, então, que a comunicação com os bons espíritos seria tão facilitada que seria como água viva brotando do seu íntimo.

O texto diz “o espírito ainda não era”, ou “o espírito ainda não estava”, “(…) por ainda Jesus não ter sido glorificado” – a tradução mais literal para “glorificado” seria “atribuir peso” ou “atribuir importância” reconhecendo a verdadeira substância, ou seja, reconhecer a substância divina de Jesus.

Foi depois da morte de Jesus que isso aconteceu. Jesus disse que ninguém é profeta em sua terra. Também é verdade que ninguém é profeta em seu tempo. O convívio, a proximidade, muitas vezes não nos permitem avaliar a importância de algumas pessoas.

  1. Então muitos da multidão, ouvindo esta palavra, diziam: Verdadeiramente este é o Profeta.
  2. Outros diziam: Este é o Cristo; mas diziam outros: Vem, pois, o Cristo da Galiléia?
  3. Não diz a Escritura que o Cristo vem da descendência de Davi, e de Belém, da aldeia de onde era Davi?
  4. Assim entre o povo havia dissensão por causa dele.
  5. E alguns deles queriam prendê-lo, mas ninguém lançou mão dele.

A palavra traduzida como “dissensão” é schisma (σχισμα). Até hoje são comuns os cismas por causa dos diferentes entendimentos acerca de Jesus.

  1. E os servidores foram ter com os principais dos sacerdotes e fariseus; e eles lhes perguntaram: Por que não o trouxestes?
  2. Responderam os servidores: Nunca homem algum falou assim como este homem.
  3. Responderam-lhes, pois, os fariseus: Também vós fostes enganados?
  4. Creu nele porventura algum dos principais ou dos fariseus?
  5. Mas esta multidão, que não sabe a lei, é maldita.
  6. Nicodemos, que era um deles (o que de noite fora ter com Jesus), disse-lhes:
  7. Porventura condena a nossa lei um homem sem primeiro o ouvir e ter conhecimento do que faz?
  8. Responderam eles, e disseram-lhe: És tu também da Galiléia? Examina, e verás que da Galiléia nenhum profeta surgiu.
  9. E cada um foi para sua casa.

É possível que o próprio Nicodemos tenha sido o informante destes fatos, já que isso não aconteceu em público. Vemos o preconceito dos líderes religiosos em relação ao povo e o preconceito contra os galileus. Chegam a dizer que nenhum profeta surgiu na Galileia, o que não é verdade. Jonas, citado por Jesus em Lucas e Mateus, era da Galileia. O próprio Elias nasceu na região da Galileia.

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