Evangelho

Dar a outra face

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Li o Evangelho pela primeira vez aos oito anos. Estava em Mateus, e tudo ia muito bem. Aquilo parecia tão bonito e tão simples, que pensei que podia me tornar como Jesus. Quando chegou aquela parte de “dar a outra face”, foi uma decepção enorme. Eu não poderia ser como Jesus. Imediatamente me veio à mente a gurizada da rua onde eu morava, os colegas de colégio, e só de pensar em levar um tapa na cara eu sentia o sangue ferver: Dar a outra face! Que história é essa?!

Claro que não devemos compreender isso ao pé da letra. Dar a outra face é a melhor representação da não resistência. E a não resistência é estar de acordo com a ordem do universo. Por causa do nosso orgulho, vemos a não resistência como sinal de fraqueza, e só a sua ideia já nos revolta. Dá a impressão de que, ao não resistir, estamos deixando que os outros pisem sobre nós, como se fôssemos um capacho.

Dar a outra face! Que história é essa?!

Mas não é nada disso, totalmente pelo contrário. A maior demonstração de força e dignidade é a não resistência. Por que nos deixamos atingir por ofensas e contrariedades? Só é ofendido quem não tem plena confiança em si. Você não concorda? O que é uma ofensa? Algo que fere seus brios? Alguma coisa que mexe com seu orgulho? Pois é, o orgulho, sempre ele.

O orgulho é um apego desesperado em qualquer coisa que o diferencie dos demais, qualquer coisa que faça você se iludir pensando que é melhor que os outros. Você não é melhor do que ninguém. Eu não sou melhor do que ninguém. Todos são diferentes, uns mais adiantados, outros menos, mas não tem essa de melhor ou pior. Então orgulho do quê? Se eliminarmos o orgulho já não há ofensa. Só nos sentimos ofendidos por que não confiamos em nós mesmos, e qualquer coisa que mexa com a ilusão que criamos sobre nós mesmos, nos dá medo e raiva. Isso é se sentir ofendido.

Dar a outra face é não resistir, não devolver na mesma moeda, não devolver o mal com o mal, mas anular o mal com o bem. Isso é a outra face. Um lado da moeda é o mal. O outro é o bem. Em tese é bonito, né? E na prática? Nessa hora eu me olho no espelho que tenho à minha frente, pois o que escrevo é em primeiro lugar pra mim mesmo. Na prática sabemos que não estamos assim tão prontos. Mas dá pra fazer alguma coisa, sim.

Um bom começo é elogiar, e elogiar com sinceridade, aquele que nos critica. Isso é possível, embora o primeiro impulso seja revidar. Também é possível ser educado com quem é mal-educado, ou ser generoso com quem é egoísta conosco, ser benevolente com que nos decepcionou… Se eu citar mais exemplos estarei forçando a barra. Já ia dizer que podemos não revidar aos que nos agridem verbalmente, mas poucas vezes fiz isso. É uma vergonha. Mas o fato inegável é que vingança é coisa de fracos. Os fortes matam no peito. Aguentam o tirão, como se diz aqui no Sul.

Em qualquer contrariedade, se resistirmos a ela, ela permanece, ela continua existindo. E não adianta fugir, ela nos alcança. Devemos encará-la de frente, sem temor, e olhá-la com bons olhos. Tente ver a contrariedade como uma boa oportunidade de experiência e crescimento para você, espírito imortal. Forcei a barra? Não, acho que não. Aqui vale o mesmo princípio abordado em relação à ofensa. Só percebemos como contrariedade aquilo que nos atinge em algum ponto fraco, aquilo que afeta alguma desarmonia íntima. Se não fôssemos egoístas jamais seríamos contrariados, pois não seríamos atingidos em nossos interesses. Se deixarmos de pensar egocentricamente no momento da contrariedade, ela deixa de existir. É uma mudança de atitude perante a vida, é a tão falada reforma íntima. Podemos fazer isso. Eu tenho obtido alguns sucessos. Ainda não sou nenhum Ghandi, mas já melhorei um pouco… Vamos tentar?

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