Será que Judas traiu Jesus ou tudo fazia parte de algo que não conseguimos compreender ainda? Este tema, junto com a última ceia de Jesus, são os assuntos abordados neste vídeo que aborda a primeira parte do capítulo 22 de Lucas. Este é o 27º vídeo de uma série de 30 vídeos em que analiso e interpreto o Evangelho de Lucas baseado na visão espírita.
Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.
CAPÍTULO 22
1.Estava, pois, perto a festa dos pães ázimos, chamada a páscoa.
2. E os principais dos sacerdotes, e os escribas, andavam procurando como o matariam; porque temiam o povo.
3. Entrou, porém, Satanás em Judas, que tinha por sobrenome Iscariotes, o qual era do número dos doze.
4. E foi, e falou com os principais dos sacerdotes, e com os capitães, de como lho entregaria;
5. Os quais se alegraram, e convieram em lhe dar dinheiro.
6. E ele concordou; e buscava oportunidade para lho entregar sem alvoroço.
Este capítulo começa com um dos mais controversos acontecimentos que envolvem a vida de Jesus. A chamada traição de Judas.
Estamos em Jerusalém na semana da páscoa. A páscoa comemorava a fuga do povo israelita da escravidão do Egito, a libertação do povo. E nesta época do ano confluíam para Jerusalém judeus de todas as partes, a cidade estava cheia de gente.
Jesus, na sua entrada na cidade, foi recebido triunfalmente. O povo o saudou como o filho de Davi, que seria o messias esperado, o grande líder que o povo esperava para libertá-lo do invasor romano. Por isso as autoridades judaicas receavam fazer qualquer coisa contra Jesus abertamente, temiam a reação do povo.
“Entrou, porém, Satanás em Judas”. – Já vimos que satanás quer dizer adversário, opositor, é o nosso apego à materialidade, o orgulho, o egoísmo, é o pólo material em contraponto ao pólo espiritual. É possível que se diga isso de Judas pelo fato de ele ter aceitado dinheiro, e não por ter entregue Jesus.
Temos que lembrar que quem fala sobre Judas são os evangelistas, não Jesus. Não sabemos o que se passou, e percebemos, várias vezes, ao longo dos Evangelhos, que os próprios discípulos de Jesus muitas vezes não compreendiam o seu ensinamento. O que se fala de Judas, então, é opinião de quem escreve.
Há muitas teorias sobre a traição de Judas, que talvez nem tenha sido traição. A mais popular, talvez, seja a que diz que Judas pertencia à seita dos zelotes, um partido revolucionário que queria expulsar os romanos através da luta armada. Judas teria se iludido, pensando que Jesus seria o líder que eles esperavam, capaz de unir o povo judeu em torno de uma mesma ideia e lutar contra os romanos. Ao perceber que Jesus era um pacifista, teria se decepcionado e o traído.
Outra teoria, semelhante a essa, sustenta que Judas achava que, entregando Jesus, provocaria, enfim, uma reação de Jesus que uniria o povo em sua defesa, para, então, enfrentar os romanos.
O Evangelho de Judas, um livro apócrifo, narra supostos ensinamentos confidenciais que Jesus teria passado a Judas.
É possível entender – e nós estamos inclinados a essa hipótese, embora não tenhamos convicção – que Jesus, conhecendo o que iria lhe acontecer, por sua inteligência largamente superior à nossa, sabia que a melhor forma de perpetuar a sua passagem pela matéria, a melhor maneira de desencadear a comoção popular capaz de manter viva a sua mensagem logo após a sua morte, era sendo entregue para os inimigos durante as festividades da páscoa. Em qualquer outra ocasião o seu assassinato passaria despercebido; ele seria apenas mais um entre tantos profetas ou revolucionários que havia na região naquela época.
Nós já vimos que mesmo os pequenos atos da vida pública de Jesus guardam, através de imagens fortes, ensinamentos eternos. Jesus servia-se de figuras ilustrativas, significativas, capazes de sobreviver ao tempo carregando o seu simbolismo para quem estivesse apto a decifrá-lo e compreendê-lo. Isso explica o porquê de as coisas terem ocorrido como ocorreram.
Sendo assim, Judas cumpriu um papel talvez não imprescindível, mas útil. Fica a dúvida sobre se Judas fez isso consciente ou inconscientemente. Pode ser que Jesus tenha percebido a sua fraqueza de caráter e permitiu que os fatos se desencadeassem assim. Mas também pode ser que Jesus tenha decidido que as coisas deveriam ocorrer deste modo e Judas tenha sido o único apto a levar adiante esta decisão de Jesus. Fosse pela maior coragem de Judas, ou pelo seu livre trânsito entre os inimigos de Jesus, ou por ser o único que se sujeitasse a esse papel.
Se para os planos de Jesus o melhor é que tudo ocorresse durante as festividades, para que ficasse registrado desta forma, é provável que ele estivesse escondido, e não poderia ser entregue ou capturado em público, pois isso talvez desencadeasse uma revolta popular que não tinha nada a ver com a sua missão. Teria, então, que ser capturado e conduzido às ocultas, e isso requeria a participação de um dos seus discípulos.
7. Chegou, porém, o dia dos ázimos, em que importava sacrificar a páscoa.
8. E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a páscoa, para que a comamos.
“Os ázimos” são os pães ázimos, os pães sem fermento, que lembravam o pão sem fermento que os israelitas comeram na noite anterior à sua saída do Egito, por não terem tido tempo de fermentar a massa. Sacrificar a páscoa é sacrificar o cabrito ou cordeiro pascal, que seria comido mais tarde.
9. E eles lhe perguntaram: Onde queres que a preparemos?
10. E ele lhes disse: Eis que, quando entrardes na cidade, encontrareis um homem, levando um cântaro de água; segui-o até à casa em que ele entrar.
11. E direis ao pai de família da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?
12. Então ele vos mostrará um grande cenáculo mobiliado; aí fazei preparativos.
13. E, indo eles, acharam como lhes havia sido dito; e prepararam a páscoa.
Aqui, como no episódio em que Jesus manda dois dos seus discípulos buscarem o jumentinho, ou no encontro de Jesus com Zaqueu, relatados no capítulo 19, não precisamos imaginar que Jesus tenha usado de poderes psíquicos ou o que denominam de “poderes sobrenaturais” para encontrar o homem com o cântaro e a casa onde comeriam a páscoa. Jesus tinha simpatizantes em Jerusalém, mesmo entre pessoas influentes, como é o caso de Nicodemos ou José de Arimateia.
A casa que foi disponibilizada para Jesus e os seus discípulos mais próximos, e o homem com o cântaro, que levaria Pedro e João até a casa, provavelmente foram alvo de uma combinação prévia entre o dono da casa e Jesus ou um dos seus discípulos, talvez o próprio Judas, que era o tesoureiro do grupo e pelo jeito tinha livre acesso entre as classes dominantes.
Embora não seja o enfoque do nosso trabalho, há um símbolo aqui evidente demais para que não seja observado. Falamos do homem com o cântaro. Carregar água com um cântaro não era um trabalho de homens, naquela região e naquela época. E o homem com um cântaro de água é, desde a antiguidade, o símbolo de Aquário.
Não vamos nos estender sobre o assunto. Mas a chamada era de Aquário deve substituir a era de Peixes, e Jesus fez dos seus primeiros seguidores “pescadores de homens”. Talvez o homem com o cântaro seja um anúncio da descoberta do reino de Deus, que está dentro de cada um de nós. Essa nova era, para os espíritas, é o mundo de regeneração.
Quando avistarmos o mundo de regeneração (simbolizado pelo homem com o cântaro) nos elevaremos acima da matéria, pois o que é traduzido aqui como “cenáculo mobiliado”, que provavelmente se referia a um segundo piso, no original grego é anágaion (ανωγεον), que quer dizer literalmente “acima da terra”.
14. E, chegada a hora, pôs-se à mesa, e com ele os doze apóstolos.
15. E disse-lhes: Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça;
16. Porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus.
Até que ela, a páscoa, se cumpra no reino de Deus. Páscoa (do hebraico “pesah”) quer dizer pulo, salto. Refere-se à passagem de Deus (ou de Javé, o deus israelita, se acreditarmos nessa história como sendo real) pela terra do Egito para matar todos os primogênitos.
Os israelitas eram escravos no Egito e o faraó não queria libertá-los. Então Deus lança sobre eles dez pragas. A décima praga é a morte de todos os primogênitos de homens e animais. Deus instruiu os israelitas através de Moisés para que sacrificassem um cordeiro ou cabrito e com o seu sangue aspergissem as portas de suas casas, para que Deus reconhecesse que eram casas de israelitas e não os matasse também. A “páscoa” ou “pulo” se refere ao fato de Deus ter “pulado” ou “saltado” as casas israelitas na noite da matança dos primogênitos. Como os israelitas moravam no meio dos egípcios, Deus passava matando e “pulava” as casas onde houvesse sangue aspergido nas portas.
A páscoa, então, é a libertação, e essa libertação se dá com a morte daquele que veio antes (simbolizado pelo primogênito). A páscoa também determina, para os israelitas, o início do ano. É um novo ciclo, e é a isso que Jesus está se referindo. A uma nova era em que tenhamos matado o homem velho (o primogênito, aquele que nasceu primeiro) e assumido o homem novo, o “filho do homem”.
É evidente que Deus não bateu de porta em porta para matar os primogênitos. Isso são simbolismos, são maneiras encontradas por aquele povo para contar a sua história, que se confunde com a História do homem sobre a Terra.
17. E, tomando o cálice, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós;
18. Porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus.
19. E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim.
A segunda metade do versículo 19 e todo o versículo 20 não compõe o texto original de Lucas. É uma interpolação, uma cópia da epístola aos coríntios, de Paulo. Alguns dos textos mais antigos têm esta parte e outros não têm.
A Bíblia de Jerusalém sustenta que os copistas estranharam o fato de ser mencionado um segundo cálice, no versículo 20, pois Jesus já havia dado graças pelo vinho, e eliminaram esta parte.
Mas é muito fácil perceber, estudando Lucas, que a ideia de que Jesus veio “derramar o seu sangue por nós”, como é dito no versículo 20, não tem nada a ver com o pensamento do autor. Em nenhuma parte do seu Evangelho há qualquer margem para esse entendimento. A epístola aos coríntios foi escrita antes de qualquer Evangelho, e Paulo – que não conheceu Jesus – exerceu influência decisiva mesmo sobre aqueles que acompanharam Jesus de perto, como Pedro e João.
Esse negócio de “cordeiro de Deus”, do “sangue de Jesus” que salva, de que “Jesus morreu por nós”, isso tudo é coisa de Paulo, é teologia paulina. Paulo foi o maior responsável pela propagação do Cristianismo. E para tornar o Cristianismo palatável para outras culturas, para outros povos, teve que adaptá-lo ao gosto pagão.
Aquelas mentes infantis não conseguiam entender que a missão de Jesus foi nos trazer o seu Evangelho para que nós nos salvemos a nós mesmos. Não entendiam um salvador que não salvasse pessoalmente. Mesmo os seus discípulos mais próximos muitas vezes não o compreendiam e foram influenciados pela teologia paulina que diz que Jesus veio morrer por nós, que veio “lavar os nossos pecados no seu sangue”.
Isso não tem nada, absolutamente nada a ver com o ensino de Jesus. Essas ideias ridículas e sanguinárias permanecem até hoje, mesmo em meio a pessoas relativamente cultas. É a salvação sem esforço: Jesus morre por nós, nós acreditamos nisso e… estamos salvos!
Que isso fosse pregado dois mil anos atrás, para um povo ignorante e semibárbaro, tudo bem. Mas hoje, em pleno século XXI, sustentar uma historinha dessas é triste.
O pão e o vinho, que simbolizariam o corpo e o sangue de Jesus, Paulo diz que recebeu de Jesus. Como Paulo não conviveu com Jesus, isso só é possível se ele encontrou com Jesus mediunicamente, o que pode ter acontecido. O livro Paulo e Estêvão, de Emmanuel, psicografado por Chico Xavier, trata deste tema. Mas como nosso estudo é baseado no que entrevemos no Evangelho de Lucas, não levamos em consideração informações de espíritos, sejam eles quem forem, nem mesmo dessa grande obra da literatura espírita.
Acreditamos que tudo o que está nos Evangelhos tem sua razão de ser. E como simbolismo este ensino de Paulo é válido. O vinho, antes de ser vinho, foi uva. O pão, antes de ser pão, foi trigo. Uva e trigo sofreram transformações para se tornarem em vinho e pão. Ambos foram destruídos para formarem nova substância. Assim também o pão e o vinho são destruídos para serem assimilados pelo corpo e pelo sangue. Do mesmo modo, o homem deve ser destruído para dar lugar ao filho do homem, que é o homem em seu próximo estágio evolutivo.
E se Jesus recomendou, através de Paulo, que devemos comer e beber em memória dele, isso deve ser feito todos os dias, em todas as refeições, e não apenas em ocasiões religiosas especiais.
Jesus representa o Cristo que habita dentro de cada um de nós. Em nossas refeições, então, temos que lembrar de nossa natureza crística. Não é preciso orar, não é preciso pronunciar nenhuma palavra, basta lembrar nossa verdadeira natureza de filhos de Deus, creados à imagem e semelhança de Deus, portanto, perfectíveis.
Tudo o que existe foi creado por Deus. Nosso mundo material, e tudo o que compõe o nosso mundo material, inclusive os alimentos, é creação de Deus, é manifestação externa da essência de Deus. Quando nos alimentamos estamos ingerindo e metabolizando parte da manifestação de Deus.
Somos, como espíritos, o resultado de nossos pensamentos, palavras e ações. Refletimos nossa condição espiritual no corpo físico. Se tivermos isso em mente, o pensamento com que impregnamos o alimento cada vez que o consumimos exerce inegável influência sobre a nossa saúde.
Jesus, como nos diz no Evangelho de João, é o pão da vida (João 6:35,48). Na oração que ele nos ensinou, pedimos a Deus o pão nosso sobressubstancial nos dai hoje (Mateus 6:11). É o pão do espírito, é o alimento espiritual. O Evangelho de Jesus, a interiorização dos seus ensinamentos, é o alimento do espírito.
Não podemos crer em nenhum sentido místico ou milagroso em repetir essa cena do pão e do vinho como se o ato material tivesse algum valor. Teologias foram construídas sobre o pão e o vinho. Mas, se isso tivesse algum resultado prático, Judas não teria traído Jesus, Pedro não o teria negado e os outros discípulos não teriam fugido. O ensino de Jesus é todo espiritual e para ser vivenciado todos os dias. Não tem nada de ritualístico ou milagroso.
Sem essa interpolação da epístola aos coríntios no Evangelho de Lucas, nós leríamos assim:
“E, tomando o cálice, e havendo dado graças, disse: Tomai-o, e reparti-o entre vós;
Porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus.
E, tomando o pão, e havendo dado graças, partiu-o, e deu-lho, dizendo: Mas eis que a mão do que me trai está comigo à mesa.
E, na verdade, o Filho do homem vai segundo o que está determinado; mas ai daquele homem por quem é traído!
E começaram a perguntar entre si qual deles seria o que havia de fazer isto.”
A interpolação, que consiste em parte do versículo 19 e todo o versículo 20, é esta:
“Isto é o meu corpo, que por vós é dado; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós”.
A passagem da epístola de Paulo aos coríntios é esta:
“Isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim”.
20. Semelhantemente, tomou o cálice, depois da ceia, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós.
21. Mas eis que a mão do que me trai está comigo à mesa.
22. E, na verdade, o Filho do homem vai segundo o que está determinado; mas ai daquele homem por quem é traído!
23. E começaram a perguntar entre si qual deles seria o que havia de fazer isto.
A tradução fala em traição, “a mão do que me trai”, mas o texto grego diz “entregar”: paradidontos (παραδιδοντος), “que entrega”. Jesus diz que vai acontecer o que está determinado, mas é o que está determinado por ele, não é porque está escrito. E ai daquele homem por quem é traído, ou, melhor, por quem é entregue. Mesmo que consideremos a hipótese de que Judas cumpriu um papel necessário, o que é possível, as dúvidas sobre a decisão de ter entregue Jesus para a condenação e a morte provocariam nele um remorso imenso. Passados dois mil anos, Judas ainda é sinônimo de traidor. A tradição popular pratica todos os anos o ato simbólico, por sinal anticristão, da malhação de Judas.
“E começaram a perguntar entre si qual deles seria o que havia de fazer isto”. – Realmente, nesta leitura, fica a impressão de que competia a Judas entregar Jesus, e não que se tratava de uma traição. No Evangelho de João isso fica ainda mais evidente. Quando perguntam a Jesus quem o havia de entregar, Jesus responde: “É aquele a quem eu der o bocado molhado. E, molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa”. (João 13:26-27)
24. E houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o maior.
25. E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores.
26. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve.
27. Pois qual é maior: quem está à mesa, ou quem serve? Porventura não é quem está à mesa? Eu, porém, entre vós sou como aquele que serve.
28. E vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações.
Há pouco perguntavam entre si quem haveria de entregar Jesus, e essa disputa deve tê-los levado a discutir sobre qual deles seria o maior. Não foi a primeira vez que fizeram isso. Isso demonstra que os discípulos de Jesus eram pessoas como nós. O que os diferenciava era a verdadeira fé, que é fidelidade, lealdade, obediência. Pois, mesmo tendo fraquejado, como nós também fraquejaríamos, eles foram os primeiros responsáveis pela difusão do Evangelho de Jesus, e muitos deles foram mortos em defesa do Evangelho.
Jesus ensina novamente o valor do servir, do ser útil ao próximo. No Evangelho de João ele nos dá o exemplo vivo ao lavar os pés dos apóstolos (João 13:5).
29. E eu vos destino o reino, como meu Pai mo destinou,
30. Para que comais e bebais à minha mesa no meu reino, e vos assenteis sobre tronos, julgando as doze tribos de Israel.
Jesus fala em “comer e beber à mesa” e “assentar sobre tronos” porque eles estavam comendo e bebendo à mesa, em torno da mesa. Jesus retoma o tema da evolução espiritual que eles alcançariam por permanecerem fieis ao seu ensinamento.
As doze tribos de Israel simbolizam todos os povos do mundo, e por extensão, todos os espíritos da Terra. O verbo grego krinontes (κρινοντες) que é traduzido como “julgar”, “julgando as doze tribos de Israel”, é o particípio presente, voz ativa, nominativo masculino, segunda pessoa do plural do verbo krinô, que quer dizer separar, escolher. Da raiz deste verbo derivam as palavras “critério” e “crivo”, quando nós falamos em “usar o crivo da razão”.
Esse julgamento, então, é uma seleção natural baseada no critério da Lei de causa e efeito: a cada um segundo as suas obras. Os espíritos mais adiantados – como são os que alcançam o reino de Deus – são responsáveis por zelar e orientar os menos adiantados, inclusive organizando o planejamento reencarnatório dos espíritos que já desenvolveram suficientemente a consciência. É neste sentido o julgamento, ou melhor, a separação de espíritos em determinados grupos, a seleção de espíritos para determinadas tarefas ou provas.
31. Disse também o Senhor: Simão, Simão, eis que Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo;
32. Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos.
Sabemos que satanás é o nosso adversário interno. “Satanás vos pediu para vos cirandar como trigo”. – A palavra grega traduzida como “cirandar” é siniáze (σινιασαι), que quer dizer “joeirar” (de joio), “peneirar”, separar o joio e o trigo. O homem Pedro, a personagem Pedro, o homem guiado pelo raciocínio estritamente material, põe em dúvida aquilo que ele não pode provar materialmente. Pelo raciocínio procura separar o joio do trigo, peneirar os valores da matéria e os valores do espírito.
Essa dúvida, essa hesitação é que nos faz perder a sintonia com o Cristo que está dentro de nós, e é isso a que Jesus se refere quando diz que orou por ele para que a sua fé não desfaleça, para que a sua fidelidade, a sua sintonia não desfaleça.
“… e tu, quando te converteres, confirma teus irmãos”. – Essas palavras são usadas por alguns religiosos para defender a primazia de Pedro, o mesmo princípio que defende que Pedro foi o primeiro papa. “Converteres”, no grego Epistrépsas (επιστρεψας), que pode ser traduzido como “converter” e também como “retornar”, “voltar”. Quando retornar ao estado de fidelidade ao Cristo, quando voltar a sintonizar com o Cristo, “confirma teus irmãos”. – A palavra traduzida como “confirma” é stéricson (στηριξον), que tem o sentido de “suportar”, “corrigir”. Confirmar no caminho; suportar, servir temporariamente de suporte para a fidelidade deles; e corrigir, corrigir a sua sintonia, para que voltem a se bastarem por si mesmos, sem precisarem do suporte de ninguém. – Neste sentido é a nossa explicação para Lucas 8:13, na parábola do semeador, que fala da semente que caiu sobre a pedra.
35. E disse-lhes: Quando vos mandei sem bolsa, alforje, ou alparcas, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada.
36. Disse-lhes pois: Mas agora, aquele que tiver bolsa, tome-a, como também o alforje; e, o que não tem espada, venda a sua capa e compre-a;
37. Porquanto vos digo que importa que em mim se cumpra aquilo que está escrito: E com os malfeitores foi contado. Porque o que está escrito de mim terá cumprimento.
38. E eles disseram: Senhor, eis aqui duas espadas. E ele lhes disse: Basta.
Jesus está mencionando a primeira vez em que mandou os seus apóstolos em missão
e lhes recomendou que só levassem consigo o estritamente necessário, pois o espírito não traz nada consigo ao reencarnar e não leva nada consigo ao desencarnar, e temos que saber viver sem sermos dependentes de nada exterior a nós.
Jesus diz que se cumprirá com ele o que está escrito, que será “contado entre os malfeitores”. Jesus está se referindo a uma passagem de Isaias; Jesus sabe que haverá grande perseguição aos seus seguidores, e lhes orienta, agora, a se prevenirem.
Isso também se refere a cada um de nós. Não devemos nos apegar às coisas materiais, não devemos depender de nada para a nossa realização, mas para seguirmos o caminho do Cristo temos que estar prontos para enfrentarmos quaisquer adversidades.
A bolsa – simbolizando o dinheiro, as coisas materiais indispensáveis. Para que haja um centro espírita ou uma igreja é preciso dinheiro, para que se imprima um livro é preciso dinheiro.
O alforje – onde se guardavam alimentos, simbolizando o alimento do espírito, que deve estar sempre conosco.
E Jesus recomenda trocar a capa por uma faca. A palavra grega macaira (μαχαιραν) não quer dizer “espada”, quer dizer “faca”. A capa protege as costas, simboliza a passividade; a faca é empunhada de frente, simboliza a ação cortante e decisiva. Não devemos esperar que as coisas aconteçam, protegidos pela capa. Temos que agir, cortando os obstáculos, abrindo caminho.
É evidente que os discípulos de Jesus não tinham espadas. Não havia nenhum soldado entre eles. Havia entre eles pelo menos quatro pescadores, e pescadores usam facas. Além disso, para preparar a páscoa era preciso sacrificar o cordeiro ou cabrito. Não se mata um animal com uma espada, mas com uma faca. Traduzir como “espada” talvez seja uma nostalgia do tempo das Cruzadas, em que exércitos eram formados, armados de espadas, para matar e esquartejar em nome de Jesus.
Os discípulos, como muitas vezes acontecia, não entenderam o sentido figurado que Jesus utilizava, e disseram a ele que tinham duas facas. A resposta de Jesus não deixa dúvida quanto ao erro deles. Jesus diz apenas: – Basta!
Jesus jamais recomendaria a violência, tanto é que logo depois Pedro se exalta e corta a orelha de um soldado e Jesus ordena: – Deixai-os, basta!
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