O leitor Marcio enviou dez perguntas sobre sexo na visão espírita. Como tantos outros, quer saber o posicionamento do Espiritismo em relação a assuntos que envolvam o sexo.
Todos os dias recebo perguntas a respeito. Nem sempre posso responder, então aproveito as questões bem formuladas pelo Marcio para esclarecer dúvidas que atingem muitas pessoas e que nem sempre são abordadas com clareza.
Deixo claro que o Espiritismo não se pronuncia sobre essas questões especificamente. Minhas respostas, evidentemente, refletem a minha opinião. Mas esta opinião é pautada na Doutrina, na literatura espírita e através dos conhecimentos e experiências adquiridos pela observação. Por estar seguro de minha interpretação doutrinária, dispenso longas e incômodas citações de autores consagrados.
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1 – Como o Espiritismo analisa a questão da castidade e virgindade pregada pela Igreja Católica como lei divina e virtude moral gloriosa, símbolo de pureza e santidade que deve ser praticada até o casamento?
– A ideia de manter-se casto surge em primeiro lugar com o apóstolo Paulo. Paulo ensinava que tudo é lícito, mas nem tudo convém. Aconselhava às pessoas que se mantivessem no mesmo estado em que estavam quando entraram em contato com o Cristianismo. Quem fosse casado que permanecesse casado; quem fosse solteiro deveria permanecer solteiro. Paulo achava que, abrindo mão do sexo e do casamento, os homens poderiam dedicar-se de corpo e alma à causa cristã.
Mais tarde, com Santo Agostinho, a ideia de castidade ganha força. Agostinho, pelo que deixa entrever nas suas “Confissões”, era obcecado por sexo. Tinha muito desejo e sofria por isso. Mais tarde, quando a idade o ajudou a libertar-se do desejo, teve a má ideia de acusar o sexo como uma coisa totalmente negativa, como se o sexo, em si, fosse o culpado pelo desejo desenfreado das pessoas. Para Agostinho, sexo só para procriação. Mesmo dentro do casamento, para ele, o sexo era sujo e feio.
Isso são opiniões destes dois homens. Opiniões, apenas isso. Jesus não se manifestou a respeito.
Sexo não é sujo, nem feio, nem errado. Sexo é troca de energias, e energias divinas, pois através delas as pessoas são atraídas umas às outras e nós temos a oportunidade de reencarnar. Sexo deve ser feito com afeto e responsabilidade, pois somos corresponsáveis pelo que despertarmos no outro.
Pelas energias que movimenta e pelas emoções que desperta, a prática sexual requer maturidade. Somos responsáveis pelos nossos pensamentos, palavras e ações, sempre. Com o sexo não é diferente. Se há afeto e responsabilidade, o sexo é troca de energias divinas. Se o que há é só desejo carnal, a prática sexual é manifestação de instintos animais que ainda sobrevivem em nosso íntimo.
2 – Como a Doutrina analisa a sentença da Igreja Católica que fala que a Justiça Divina poderá corrigir com duros revezes as pessoas que exercerem o sexo desvinculado e fora do casamento, mesmo que essas pessoas justifiquem o ato dizendo que o fizeram com amor e com respeito ao parceiro? Do ponto de vista espírita não haveria algum carma negativo no ato sexual pelo prazer, simplesmente, sem o compromisso de namoro sério?
– O posicionamento da Igreja a esse respeito reflete a opinião dos teólogos, não a orientação de Jesus. Se Jesus julgasse importante que o sexo só fosse praticado estritamente dentro do casamento, ele teria se pronunciado a respeito. No tempo de Jesus a mulher era um objeto do marido, era um bem como qualquer outro. O adultério era proibido para a mulher, não para o homem. Os costumes mudaram, a mulher tem direitos iguais e, consequentemente, responsabilidades iguais.
Carma é uma palavra do sânscrito que quer dizer ação. A toda ação corresponde uma reação. Ao nos envolvermos sexualmente com alguém, somos responsáveis pelo que este envolvimento possa gerar, fisicamente, emocionalmente, moralmente. Por isso a necessidade de respeito e afeto. O sexo só por prazer, mesmo que praticado com o consentimento dos envolvidos, pode ocasionar sequelas emocionais, como sensação de culpa, arrependimento ou a paixão sem reciprocidade. Responderemos pela eventual dor ou desequilíbrio que causarmos em quaisquer pessoas, isso inclui o sexo.
3 – Como a doutrina enxerga a liberdade sexual da mulher? Como algo positivo ou como algo degradante nos dias atuais?
– Homens e mulheres são espíritos, portanto, têm direitos e deveres iguais. Nos espíritos reencarnados como homens predomina a atividade, nos espíritos reencarnados como mulheres predomina a passividade. Mulheres são mais delicadas e sensíveis que os homens, e devem fazer valer a liberdade recentemente conquistada para tornarem os relacionamentos afetivo-sexuais mais delicados e sensíveis, mais humanos e menos animais.
A liberdade feminina tem cerca de cinquenta anos. É, portanto, ainda uma novidade, ainda não alcançou o necessário equilíbrio social. Se a mulher usa a sua liberdade para imitar os homens, para fazer o que os homens fazem há séculos, ela está subutilizando a sua potencialidade e abusando dos direitos conquistados. Os homens se aproveitaram durante séculos e milênios da sua liberdade sexual para satisfazerem seus instintos sem se importarem com as consequências, sem se lembrarem que a sua parceira sexual, seu objeto de desejo, é um ser com sentimentos, anseios e ideais.
A mulher deve usar a sua liberdade para tornar os envolvimentos afetivo-sexuais mais amorosos e elevados, exigindo essa mesma postura dos homens.
4 – Como o Espiritismo vê os casais amasiados? Eles estariam vivendo em desacordo com a Lei Divina ou não? Várias religiões condenam duramente os amasiados. Justifique a sua resposta.
– A palavra “amasiado” deriva do latim “amare”, amar. Se é realmente o amor que prevalece, não há nada a ser reprovado. A Lei Divina não estabeleceu normas para a união de duas pessoas que se querem bem. O casamento civil e religioso é invenção dos homens. Somos espíritos, e para o espírito não faz diferença uma folha de papel ou as palavras sacramentais decoradas por um religioso, por mais respeitável que seja.
As religiões tradicionais têm sua origem num tempo em que imperava o regime patriarcal, em que quem dava as regras do jogo era o homem. O homem, para preservar os seus direitos, criou normas que favorecessem a manutenção destes direitos. Os povos eram mais rudes e ignorantes, necessitavam de regras bem estabelecidas que regessem as suas relações. A mulher era propriedade do homem, e o casamento legal era como um contrato que estabelecia a posse do homem sobre a mulher.
O amor é do espírito, não da matéria. Os espíritos unem-se por afeto, não por práticas legais ou sacramentais.
5 – O beijo na boca é proibido por várias religiões porque representa, na visão deles, uma intimidade pertencente somente aos casados. Portanto, o casal somente poderia se beijar no altar depois do casamento, o contrário disso seria um ato egoísta e pecaminoso de exploração sexual de ambos os namorados. Como a Doutrina esclarece essa questão?
– É bom lembrar que a Doutrina Espírita não é um código de certo X errado, de pode X não pode. A Doutrina Espírita enfatiza, sempre, a consciência livre. Não há proibições, o que há é a proposta de conscientização de nossas responsabilidades.
Alguns povos antigos viam no beijo na boca uma comunhão entre dois seres, pois ao beijar na boca estamos “provando o gosto de alguém”, e absorvendo parte da substância deste alguém. O mesmo sentido de comunhão era visto na refeição em comum. Quando duas ou mais pessoas se reúnem para fazer uma refeição, comendo os mesmos alimentos, elas estão ingerindo uma mesma substância, todas passam a ter, dentro de si, algo em comum. Este, aliás, é o sentido da “santa ceia”, em que Jesus compartilhou o pão e o vinho com os seus discípulos. Ao compartilharem todos do mesmo alimento, todos estão em comunhão, estão comungando de alguma coisa.
Isso acontece com o beijo, até mesmo energeticamente. O beijo também é troca de energias, e ao beijar alguém estamos comunicando a este alguém os nossos sentimentos e emoções mais íntimos. Tudo envolve intenção e responsabilidade.
6 – O pensamento religioso dogmático cristão prega que o único lugar para o ser humano manifestar o seu impulso sexual que agrada a Deus é dentro do matrimônio, fora dele tudo é pecado… tipo: sexo solitário, masturbação a dois, toques em partes íntimas, pornografia, olhares ardentes, visualização de pessoas nuas ou seminuas, fantasias sexuais com alguém não casado, fetiches e intensos desejos de prazeres. Como a Doutrina Espírita esclarece essa questão?
– A questão sexual exige muito cuidado pelo grau de energia que envolve o sexo. Sempre sintonizamos com os espíritos, encarnados ou desencarnados, que mantêm os mesmos desejos, ideias, sentimentos e ideais que nós. Focando-nos no sexo, real ou imaginário, com ou sem o estímulo de imagens, estamos sintonizando com milhares de mentes que alimentam esses mesmos desejos. Nosso desejo inicial, então, é potencializado pela soma dos mesmos desejos externalizados por milhares de mentes sedentas de sexo. Por isso nascem os vícios, as fixações mentais; por isso o aumento incessante da pornografia e do sexo banalizado. A prática sexual, seja ela qual for, requer afeto e responsabilidade. Fantasias que envolvam outras pessoas devem ser evitadas. Fantasias sexuais, mesmo entre casados, formam imagens mentais que são vistas ou sentidas por espíritos que sentem-se atraídos pelo seu conteúdo. Essas imagens são, na verdade, convites para que outros espíritos participem da relação. Não modificamos nossos interesses, gostos e tendências só porque desencarnamos. Quem era viciado quando encarnado permanece viciado depois de desencarnar. Poder-se-ia dizer que o espírito viciado morre mas não desencarna, pois continua ligado aos interesses e desejos materiais. Para satisfazerem os seus desejos, espíritos viciados e sem escrúpulos aproximam-se dos encarnados que sentem e desejam o mesmo que eles. A linguagem primordial do espírito é o pensamento. Pelo pensamento entramos em sintonia com os nossos semelhantes, inevitavelmente. O sexo, ou mesmo a masturbação, só deve ser praticado se houver desejo suficiente que dispense quaisquer artifícios mentais. Se há necessidade de fantasias é porque o desejo não é suficiente para alcançar a satisfação. Logo, não havendo desejo premente, não há porque haver prática sexual. Sexo é energia. Não convém conter essa energia forçadamente nem liberá-la sem critério. A palavra-chave, como em tudo, é equilíbrio.
7 – Como a Doutrina Espírita analisa o discurso de Paulo de Tarso nas suas epístolas referente à questão sexual? Vários filósofos e teólogos acusam Paulo de ser o principal precursor do pensamento neurótico sexual da Igreja pelos seus escritos em que ele enfatiza uma intensa pureza sexual com jejuns, penitências e martírios.
– Novamente lembramos que a Doutrina não se pronuncia sobre todas as questões especificamente. A Doutrina orienta ao uso da razão, e pelo uso da razão temos condições de analisar que a intenção de Paulo era boa, e suas recomendações não eram assim tão severas.
O desejo sexual exacerbado nos prende à matéria. É impossível conciliar desejo carnal e elevação espiritual. Estamos encarnados, temos corpos físicos sensíveis ao prazer e à dor, e faz parte do uso do livre-arbítrio optar pelo prazer. O prazer é necessário em nosso estágio evolutivo. A busca por prazer nos estimula ao progresso. Mas nesta busca nos movimentamos praticamente apenas nos aspectos materiais da vida, quando nosso grande objetivo é o progresso do espírito. Paulo, então, propunha a superação do desejo para facilitar a elevação moral e espiritual.
Sabemos que forçar a natureza tem as suas consequências. Se represarmos um rio sem lhe dar vazão, a represa pode se romper e causar grandes danos. Por outro lado, a civilização só foi possível porque o homem conseguiu usar a natureza a seu favor, construindo diques, canais e barreiras de modo a aproveitar racionalmente os recursos dos rios, em torno dos quais se formaram as primeiras cidades.
O mesmo cuidado devemos ter com o sexo. Não impedir o seu fluxo normal com barreiras estanques, mas controlar o seu fluxo para tirar dele o melhor proveito para o corpo e o espírito.
8 – Qual o significado da passagem bíblica em que Jesus fala que aquele que olhar para uma mulher cobiçando ela estará em seu coração já adulterando com ela? Seria uma condenação ao desejo sexual ou atração física pelo sexo oposto?
– Não há nada de errado em apreciar a beleza de alguém. Uma das características da evolução é a apreciação do belo. Mas desejar sexualmente alguém, se um ou os dois forem comprometidos, é, sim, adultério em pensamento. A relação só não é concretizada por falta de coragem ou oportunidade.
A monogamia é necessária para disciplinar os desejos, as intenções, as emoções, os sentimentos e os pensamentos. Convém, então, que as pessoas já comprometidas eduquem seus próprios desejos, canalizando-os para o parceiro. Também é aconselhável evitar que o alvo do desejo seja uma pessoa já comprometida. Não nos esqueçamos de que não existe segredo. Vivemos imersos num oceano de pensamentos, em que somos reconhecidos pelas imagens que externalizamos com nossos desejos, emoções e intenções.
Mas este ensinamento de Jesus não se limita a essa questão. Jesus está nos demonstrando, com isso, que o nosso pensamento é a origem de tudo, que tudo nasce com o nosso pensamento, e que, controlando os pensamentos, teremos condições de controlar nossas palavras e ações.
9 – Qual seria o “raio x” do Espiritismo acerca do uso da camisinha? Seria positivo ou seria um estímulo ao sexo descartável?
– Pode ser as duas coisas, dependendo da intenção. É prática responsável por manter o planejamento familiar, para evitar filhos em relacionamentos que não comportam essa responsabilidade em comum ou para proteger-se de doenças.
A decisão sobre ter ou não ter filhos compete a cada um. A consciência de cada um sabe os motivos pelos quais resolve ter filhos ou evitá-los, e, como em todas as decisões, arca com a responsabilidade.
O sexo descartável existiria com ou sem camisinha.
10 – Como o Espiritismo encara o drama da AIDS? As pessoas deveriam se abster do sexo para evitar uma trágica e mortal infecção ou elas só poderiam realizar o ato sexual depois de submeter o parceiro ao teste de HIV, evitando, assim, o sexo de risco, já que hoje qualquer pessoa pode ter a doença?
– O cuidado que todos devemos ter é em relação aos sentimentos do próximo. O ideal, mais do que exigir exames, é examinar os sentimentos antes de envolver-se sexualmente com alguém. Guardadas as devidas proporções, exigir teste de HIV para realizar o ato sexual é o mesmo que pedir teste de gripe ou virose para dar beijo na boca.
O Espiritismo orienta que sigamos a moral do Cristo. Se fizermos isso, naturalmente seremos responsáveis a ponto de cuidarmos da própria saúde e de zelarmos pela saúde do próximo. Enquanto não chegamos todos neste estágio ideal, o uso da camisinha, como mencionado na resposta anterior, cumpre a sua função nesses casos.
O Espiritismo não é dogmático, então não oferece uma lista de “certo” e “errado”. O Espiritismo ensina que as Leis de Deus estão em nossa consciência, e, de acordo com elas, sabemos intimamente o que convém e o que não convém.
Todas as questões acima giram em torno da responsabilidade. Quem fica com alguém sem compromisso, só pelo prazer momentâneo, pode fazer isso várias vezes sem prejudicar nem a si mesmo nem ao outro. Mas não há como saber o que pode resultar de um encontro íntimo aparentemente sem compromisso. Uma lei de trânsito cabe aqui: “Na dúvida, não ultrapasse”.