Estudo do Evangelho em vídeo, Vídeo

A multiplicação dos pães numa visão espírita

Neste vídeo ofereço a minha visão espírita sobre um tema controverso. Será que a multiplicação dos pães aconteceu de verdade, ou foi outro fenômeno que ocorreu? Se aconteceu, como isso se deu? Mais importante que dirimir esta dúvida, é compreender o simbolismo que se encontra em todos os ensinos e atos da vida de Jesus. Este e outros assuntos são tratados neste que é o 12º vídeo de uma série de 30 vídeos em que analisamos o Evangelho de Lucas.

Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.

CAPÍTULO 9

1. E, convocando os seus doze discípulos, deu-lhes virtude e poder sobre todos os demônios, para curarem enfermidades.
2. E enviou-os a pregar o reino de Deus, e a curar os enfermos.
3. E disse-lhes: Nada leveis convosco para o caminho, nem bordões, nem alforje, nem pão, nem dinheiro; nem tenhais duas túnicas.
4. E em qualquer casa em que entrardes, ficai ali, e de lá saireis.
5. E se em qualquer cidade vos não receberem, saindo vós dali, sacudi o pó dos vossos pés, em testemunho contra eles.
6. E, saindo eles, percorreram todas as aldeias, anunciando o evangelho, e fazendo curas por toda a parte.

Jesus envia pela primeira vez os doze apóstolos em missão. A palavra “apóstolo” quer dizer “emissário”. Lucas diz que Jesus deu-lhes virtude e poder”, ou “poder e autoridade” aos apóstolos.

O poder e autoridade deles provinha do ensinamento obtido através de Jesus, da elevação moral alcançada pelo contato com Jesus e a prática do seu ensino, e consequentemente do padrão vibratório elevado, que facilitava a influência e a ajuda por parte dos bons espíritos que seguiam Jesus no plano astral.

Mesmo que Lucas tenha dito que Jesus deu-lhes poder e autoridade sobre todos os demônios (ou espíritos atrasados), neste mesmo capítulo, depois da transfiguração de Jesus, nós vemos que um homem procura Jesus para que expulsasse um espírito do seu filho, pois havia pedido aos discípulos de Jesus e eles não o conseguiram.

Nos capítulos anteriores já observamos algumas curas de Jesus, e o que nós constatamos foi que é preciso a conjunção de dois fatores para haver a cura – que é, antes de mais nada, espiritual, pois o corpo é consequência do espírito.

Para haver a cura é preciso o poder curador por parte de quem age e a receptividade por parte de quem sofre a ação. A parte ativa é o poder, a parte passiva é a receptividade. E o que provoca esta receptividade é a fé. Quando Jesus esteve em sua cidade, Nazaré, Mateus e Marcos relatam que Jesus não pode realizar ali nenhuma grande obra por que eles não tinham fé. As pessoas de Nazaré não tinham fé.

Se nem mesmo Jesus tem poder de curar o espírito se o espírito não tem fé, se o espírito é incrédulo e endurecido, é evidente que seus discípulos ou seguidores também não têm. Pode-se depreender disso, então, que as curas realizadas pelos apóstolos de Jesus, nesta sua primeira missão, como as curas realizadas até hoje no meio espírita ou em qualquer meio religioso, são curas espirituais, em que há uma projeção de força em direção ao espírito. Mas os mecanismos de transformar os fluidos doentes em fluidos salutares estão em cada indivíduo.

Jesus disse aos apóstolos para que pregassem o reino de Deus, para que dissessem que o reino de Deus está próximo – pois está dentro de cada um. O reino de Deus é o nosso próximo estágio evolutivo e nós o alcançaremos nos elevando espiritualmente.

Entre as recomendações de Jesus aos apóstolos, ele diz para eles não levarem com eles nada que não fosse o estritamente necessário e que se hospedassem na casa de alguém, como era de costume, e que ficasse na mesma casa até irem embora do lugar.

Essas recomendações são um alerta para que eles (assim como nós) não se deixassem levar por facilidades e ofertas de conforto que certamente viriam com a sua fama.

Mateus, se referindo a este episódio, diz que Jesus falou a eles para não cobrarem nada: “De graça recebestes, de graça dai” (Mateus 10:8). As coisas de Deus não podem ser objeto de lucro. Não podemos cobrar por algo que recebemos de graça.

Jesus diz que onde não os recebessem, que eles sacudissem a poeira dos pés ao saírem dali. Era um costume judaico sacudir a poeira dos pés ao saírem de uma cidade dos pagãos, de alguém que não fosse do seu povo. Não poderiam contaminar a sua terra santa com a poeira dos impuros – todos os outros povos eram considerados impuros por eles.

Essa recomendação de Jesus nos lembra de não carregarmos conosco nenhuma impureza, nenhuma ofensa que tenha sido dirigida a nós. Quando não nos aceitarem, quando não aceitarem nosso ponto de vista, quando não quiserem nossa ajuda, quando não estiverem prontos para o esclarecimento, não guardemos mágoas, não carreguemos a poeira conosco.

 

7. E o tetrarca Herodes ouviu todas as coisas que por ele foram feitas, e estava em dúvida, porque diziam alguns que João ressuscitara dentre os mortos; e outros que Elias tinha aparecido;
8. E outros que um profeta dos antigos havia ressuscitado.
9. E disse Herodes: A João mandei eu degolar; quem é, pois, este de quem ouço dizer tais coisas? E procurava vê-lo.

Este Herodes é Herodes Ântipas, filho de Herodes, o Grande, que governava na época do nascimento de Jesus. Herodes Ântipas era o tetrarca da Galileia.

Lucas não narra a morte de João Batista. Certamente quando Lucas escreveu o seu Evangelho os detalhes da morte de João Batista já eram suficientemente conhecidos por todos.

João Batista foi degolado por ordem de Herodes. Numa noite de festa, a enteada de Herodes, Salomé, dançou para ele e os seus convidados, e Herodes ficou tão entusiasmado que prometeu a Salomé que daria qualquer coisa que ela pedisse. Instigada pela sua mãe, Herodíades, Salomé pediu a cabeça de João Batista numa bandeja.

João Batista estava preso no cárcere do palácio de Herodes. Herodíades tinha ódio de João Batista por que João Batista denunciou publicamente a relação adúltera dela com Herodes, já que Herodíades era mulher do irmão de Herodes, Filipe.

Sabemos que João Batista foi a reencarnação de Elias, e sofreu a consequência da Lei de causa e efeito por ter mandado matar à espada 450 profetas de Baal (1 Reis 18:17-40). Matou pela espada e morreu pela espada, como disse Jesus: “Quem matar pela espada, pela espada perecerá” (Mateus 26:52).

***

Aqui nos temos três situações diferentes:

No 1° caso achavam que Jesus era João que houvesse ressuscitado, neste caso haveria a ressurreição do corpo, João Batista teria retornado à vida com o mesmo corpo. 

No 2° caso, achavam que Jesus fosse Elias que tinha aparecido, pois muitos acreditavam que Elias não tinha morrido, mas que tinha sido “arrebatado”, que tinha subido aos céus num carro de fogo. Até hoje os que acreditam na Bíblia ao pé da letra, sem tentarem descobrir o que se esconde por trás das figurações, acham que Elias não morreu. Ora, se até Jesus teve que morrer, por que Elias teria essa privilégio?

E no 3° caso achavam que Jesus fosse um dos antigos profetas que havia reencarnado. A quase totalidade das traduções não utiliza a palavra “reencarnação”. Essa palavra foi criada por Allan Kardec, não existia quando estes textos bíblicos foram escritos, mas o conceito presente aqui é de reencarnação, não de ressurreição.

Ressurreição seria se Jesus fosse João Batista, neste caso João Batista teria reconstituído, de alguma forma, o seu corpo, e ressuscitado.

Mas se Jesus fosse um dos antigos profetas, é evidente que seria um dos antigos profetas com outro corpo, já que o antigo corpo desses profetas não existia há séculos, além do que, muitas pessoas conheciam Jesus desde criança. A ressurreição do mesmo corpo não poderia ser, pois os profetas morreram adultos ou velhos – se Jesus fosse um antigo profeta ressuscitado, teria retomado o mesmo corpo adulto ou velho, não poderia ter sido criança. Se Jesus, portanto, fosse um dos antigos profetas, seria o espírito que animou um dos antigos profetas que teria retornado ao plano material em novo corpo, ou seja, reencarnado.

Champlim, que é protestante, e que tem a sua obra adotada por muitos pastores protestantes, confirma o que já sabemos; que alguns julgavam que Jesus fosse a reencarnação de Elias ou de outro profeta.

Champlim afirma que ensinava-se a reencarnação nas escolas dos fariseus e dos essênios. Champlim também menciona o que ele chama de “teoria popular” de que Jeremias e Elias haviam reencarnado.

São palavras de um homem estudioso, erudito, que adota uma corrente de pensamento diferente da nossa, que não trabalha com a ideia de reencarnação, mas que sabe que este conceito vigorava no tempo de Jesus, coisa que qualquer pessoa que se dê ao trabalho de pesquisar reconhece e admite a hipótese, mesmo que não a corrobore em seu íntimo.

São três casos diferentes, mas os tradutores, por não admitirem a reencarnação, só usam duas palavras: “aparecer”, no caso de Elias, e “ressuscitar”, nos casos de João Batista ou algum dos antigos profetas.

Mas no texto grego não são duas palavras, são três palavras. São três palavras por que são três sentidos diferentes.

No caso de Elias, achavam que Jesus fosse Elias que “apareceu”: A palavra grega é efane (εφανη), indicativo aoristo na voz passiva, terceira pessoa do singular do verbo faino, (φαίνω) que quer dizer justamente “apareceu”, “tornou-se visível”.

No caso de João Batista, achavam que Jesus fosse João Batista ressuscitado: A palavra grega é egêgertai (εγηγερται), indicativo aoristo na voz passiva, terceira pessoa do singular do verbo egeiró (ἐγείρω) que quer dizer levantado, acordado, despertado. Os judeus não tinham uma palavra específica para designar nem a reencarnação nem o que conhecemos como ressurreição. Diziam “levantar”, ou “levantar dos mortos”. É o caso aqui, εγηγερται εκ νεκρων, ou seja, “levantado dos mortos”, ou “despertado dos mortos”.

No caso de quem achava que Jesus fosse um dos antigos profetas, a palavra grega é anéste (ανεστη), indicativo aoristo na voz ativa, terceira pessoa do singular do verbo anístemi (ἀνίστημι) que quer dizer levantado, que regressou, que tornou a ficar de pé. Esta palavra está se referindo à reencarnação, está se referindo à possibilidade de Jesus ser um dos antigos profetas reencarnado.

São três palavras no grego traduzidas por duas palavras no português. Por que será?

10. E, regressando os apóstolos, contaram-lhe tudo o que tinham feito. E, tomando-os consigo, retirou-se para um lugar deserto de uma cidade chamada Betsaida.
11. E, sabendo-o a multidão, o seguiu; e ele os recebeu, e falava-lhes do reino de Deus, e sarava os que necessitavam de cura.

Quando os apóstolos de Jesus retornaram da sua primeira missão, do seu estágio como emissários de Jesus, narraram a Jesus o que eles haviam feito. Jesus levou os apóstolos a um lugar afastado, recolhido, longe dos outros.

Isso nos serve de lição para que sempre que nos doarmos a alguém, sempre depois de permitirmos a manifestação de Deus através de nós, devemos nos recolher, nos afastarmos do burburinho do mundo e ficarmos a sós, em recolhimento, com o nosso Cristo interno. É o contato com o Cristo que habita dentro de nós que nos reenergiza, que nos revitaliza e nos mantém equilibrados.

Mas as multidões foram atrás de Jesus e Jesus voltou a falar a elas do reino de Deus, que é o nosso próximo estágio evolutivo, e também voltou a restituir a saúde aos necessitados de cura.

É interessante notar que Jesus não curava a todos. Curava os necessitados de cura. Jesus, pela sua imensa superioridade, sabia quem precisava ser curado e quem ainda precisava da doença como um estímulo para o abandono dos seus erros e para purgar as suas impurezas espirituais através do corpo físico.

12. E já o dia começava a declinar; então, chegando-se a ele os doze, disseram-lhe: Despede a multidão, para que, indo aos lugares e aldeias em redor, se agasalhem, e achem o que comer; porque aqui estamos em lugar deserto.
13. Mas ele lhes disse: Dai-lhes vós de comer. E eles disseram: Não temos senão cinco pães e dois peixes, salvo se nós próprios formos comprar comida para todo este povo.
14. Porquanto estavam ali quase cinco mil homens. Disse, então, aos seus discípulos: Fazei-os assentar, em ranchos de cinqüenta em cinqüenta.
15. E assim o fizeram, fazendo-os assentar a todos.
16. E, tomando os cinco pães e os dois peixes, e olhando para o céu, abençoou-os, e partiu-os, e deu-os aos seus discípulos para os porem diante da multidão.
17. E comeram todos, e saciaram-se; e levantaram, do que lhes sobejou, doze alcofas de pedaços.

Este é um dos atos de Jesus mais debatidos até hoje, a chamada multiplicação dos pães. Nós não concebemos a existência de milagres, pelo menos não no sentido que geralmente se dá a esta palavra. As Leis de Deus são perfeitas e não podem ser derrogadas. Tudo o que Jesus fez está dentro das Leis de Deus.

Este é o único chamado milagre de Jesus que é narrado nos quatro evangelhos. Mateus e Marcos narram dois episódios de multiplicação dos pães, Lucas e João narram uma.

É interessante notar que não há a palavra multiplicação nos textos, não se fala em multiplicação.

Devemos acreditar que esse fato aconteceu materialmente? Nada impede que Jesus tenha feito isso. Jesus, pela sua superioridade, conhecia Leis que nós estamos longe de conhecer.

Se no tempo de Jesus o povo fosse apresentado à nossa tecnologia certamente consideraria tudo isso um milagre. A eletricidade, o automóvel, o avião, a ida do homem à lua, o computador, a comunicação instantânea entre pessoas do mundo todo, tudo isso para eles pareceria um milagre.

Duas hipóteses estudadas pelo Espiritismo poderiam ter ocorrido:

– O fenômeno de transporte – neste caso os pães teriam desaparecido de algum lugar para aparecerem ali, e isso poderia ser desonesto, já que os pães seria subtraídos a alguém.

– O fenômeno de materialização, ou a condensação ou transformação instantânea do fluido cósmico universal, que é a matéria elementar primitiva.

A semente se multiplica a partir do seu contato com o solo, e ninguém sabe exatamente o que acontece, mas uma semente dá origem a muitas outras sementes.

O que Jesus teria feito seria uma aceleração de um processo natural de transformação da matéria. Nada impede que isso tenha acontecido.

Mas os textos não falam em milagre ou multiplicação. O que vemos é uma divisão, não uma multiplicação.

Havia cinco mil homens mais mulheres e crianças, umas dez mil pessoas. Reunir dez mil pessoas naquele tempo não devia ser muito simples.

Os povoados tinham 100 ou 200 habitantes. Cafarnaum ou Betsaida tinham entre mil e três mil habitantes. Teriam que esvaziar várias cidades e povoados para juntar tanta gente.

No Evangelho de João consta que era perto da páscoa, época em que muitas caravanas passavam pela estrada que ligava Damasco a Cafarnaum em direção a Jerusalém para as festividades da páscoa. Isso poderia explicar o grande número de pessoas, um número extraordinário para aquele tempo e lugar.

Ainda no Evangelho de João nós vemos que quando Jesus pergunta quantos pães tinham, o apóstolo André mostrou um menino que tinha cinco pães e dois peixes – provavelmente foi do menino que partiu a iniciativa de oferecer o seu alimento, pois André não iria se adonar, se apropriar da comida do menino.

Não há nenhuma menção à falta de comida. Os discípulos pensaram em liberar a multidão para que fosse comprar comida, porque alguns não tinham, mas outros certamente tinham.

As pessoas que estavam na região se dirigindo a Jerusalém certamente tinham provisões, não iriam viajar sem comida. Não existia o comércio como o conhecemos hoje. Se fosse para comprar comida para toda aquela gente nem haveria onde comprar.

É muito provável que algumas pessoas tivessem comida e outras pessoas não. Não faz sentido achar que só aquele menino tivesse comida. Que, aliás, era muita comida para apenas um menino. André se referiu a um menino que se apresentou a ele, mas é impossível que em meio à multidão muitos não tivessem comida.

Nos outros evangelhos consta que logo depois deste episódio os fariseus (ou o próprio povo, no caso do Evangelho de João) pediram sinais a Jesus, para que acreditassem que ele era o messias, o enviado de Deus. Se Jesus tivesse realmente acabado de fazer um fenômeno milagroso como seria a multiplicação dos pães, porque estariam pedindo sinais a Jesus?

Em Marcos e Mateus, em seguida a este episódio Jesus caminha sobre as águas, e os apóstolos têm muito medo ao vê-lo. Se eles tivessem presenciado a multiplicação dos pães, será que ainda estranhariam alguma coisa vinda de Jesus?

Ainda nestes Evangelhos, os discípulos percebem que esqueceram de levar pão:

“E eles se esqueceram de levar pão e, no barco, não tinham consigo senão um pão.
E ordenou-lhes, dizendo: Olhai, guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes. E arrazoavam entre si, dizendo: É porque não temos pão. E Jesus, conhecendo isto, disse-lhes: Para que arrazoais, que não tendes pão? não  considerastes, nem compreendestes ainda? tendes ainda o vosso coração endurecido?”
Marcos 8:14-17

Jesus fala de fermento de forma figurativa, eles entendem que ele falava de fermento material e Jesus os repreende. Se tivesse havido uma multiplicação milagrosa, porque Jesus perguntaria a eles se eles ainda não entenderam? E porque eles estavam com os corações endurecidos? Se Jesus tivesse feito sinais para o povo, como teria sido o milagre dos pães, eles não deveriam estar contentes?

Eles ficaram com os corações endurecidos justamente porque os fariseus pedem um sinal a Jesus e Jesus não faz nenhum sinal. Por isso Jesus os alerta para terem cuidado com o fermento dos fariseus.

Nota-se, ainda, que eles se esqueceram de levar pão. Isso confirma que era costume das pessoas carregarem pão consigo, então certamente muitos da multidão tinham pão.

No Evangelho de João, no dia seguinte a este episódio dos pães, há novamente uma multidão e Jesus diz:

“Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna”. João 6:26-27

Logo adiante, algumas pessoas da multidão citam o Êxodo para dizer que Moisés, durante a peregrinação no deserto à frente do povo israelita, havia lhes dado o “maná do céu”, ou pão do céu:

“Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, para que o vejamos, e creiamos em ti? Que operas tu? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do céu. Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo: Moisés não vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo.
Disseram-lhe, pois: Senhor, dá-nos sempre desse pão. E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.
” João 6:30-35

“Não terá fome e nunca terá sede”. Nas bem-aventuranças, Jesus diz que são felizes (ou bem-aventurados) os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados (Mateus 5:6). A justiça, que Pastorino traduz como justeza, esse ajustamento com as leis de Deus é que sacia a fome do espírito.

E depois disso, no Evangelho de João, vem uma longa fala de Jesus conhecida como “o pão da vida”.

Repetimos que não duvidamos, de modo algum, da possibilidade de Jesus realizar um fenômeno como este. Há inúmeros casos registrados de materializações de objetos e de espíritos. Alguns médiuns produzem fenômenos assim em centros espíritas. Se um médium pode, é evidente que Jesus pode.

Mas o ensinamento de Jesus é todo espiritual. Imaginarmos um milagre – ou um fenômeno desconhecido, considerado como milagre – é muito menos provável do que imaginarmos que o que realmente aconteceu foi que, seguindo o exemplo do menino que deu os seus cinco pães e dois peixes, e estimulados pela ação decisiva e contagiante de Jesus, cada um dos que tinham alimento tenha fugido ao seu costume de avareza e egoísmo e repartido o seu pão com o próximo. Todos repartiram o que tinham, todos comeram, todos se fartaram e ainda sobrou.

Jesus disse noutra ocasião, para um jovem que queria segui-lo, que repartisse os seus bens entre os pobres (Lucas 18:22) – a solidariedade era um ensino básico de Jesus. Isso está claro nesta passagem de Mateus:

“Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me ;estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver. Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? e quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos? e quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Mateus 25:35-40

É isso que parece ter havido aqui. Um fenômeno de solidariedade espontânea, de amor ao próximo, de entendimento, como nunca havia acontecido antes. Particularmente, achamos isso muito mais grandioso do que um fenômeno físico.

O Cristo é o pão da vida, é a substância da vida, é o nosso alimento espiritual, é isso o que nós pedimos quando oramos o Pai nosso, em que dizemos “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. É o alimento do espírito.

No Evangelho de João, ao final desta fala de Jesus conhecida como “pão da vida”, Jesus diz que as palavras que ele nos disse são espírito e vida (João 6:63). O pão da vida é a palavra de Jesus.

Jesus, o espírito que anulou a sua personalidade e assumiu totalmente o Cristo que habita em todos nós, desperta o nosso Cristo com a sua palavra. Palavra em grego é logos. Já vimos que o Evangelho de João começa dizendo que “no princípio era o logos e o logos estava com Deus e o logos era Deus” (João 1:1). Nós saímos de Deus. Nós somos substância de Deus. Nós somos partículas divinas. Nós somos manifestação viva da essência de Deus em forma de existência individual. Nós somos deuses, nas palavras de Jesus (João 10:34). E é essa natureza divina que Jesus desperta de dentro de nós com a sua palavra, com o seu ensinamento, com a sua manifestação crística.

Este episódio conhecido como a multiplicação dos pães nos deixa outra inestimável lição. A multiplicação dos nossos recursos de trabalho em benefício do próximo. O pouco que temos a oferecer de nós mesmos é multiplicado pela espiritualidade. Nossa boa vontade para com o próximo encontra nos bons espíritos o amparo necessário.

O auxílio divino está sempre à nossa disposição. Mas para recebê-lo precisamos contribuir com a nossa parte, por menor que seja. Em Mateus Jesus pergunta aos discípulos: “Quantos pães tendes?” (Mateus15:34) – Jesus não pergunta quantos pães seriam necessários para saciar a fome da multidão. Quer saber, apenas, com quanto podemos contribuir.

Assim é nossa relação com Deus e com a espiritualidade. Pedimos, em nossas orações, o pão espiritual, para nós e para os que nos cercam. Sempre somos atendidos, desde que estejamos dispostos a contribuir com as nossas migalhas, a fazer a nossa parte, a dar o melhor de nós mesmos, mesmo que este melhor seja ainda diminuto.

Pedimos paz de espírito e proteção para a nossa família, pedimos que possamos, como instrumentos de Deus, emanar energia positiva e vontade de viver, que possamos esclarecer a todos que estejam receptivos ao esclarecimento, pedimos força e paz a todos os que nos lêem, que nos ouvem, que nos assistem, pedimos boa disposição e alegria a todos aqueles com quem convivemos, em todos os nossos círculos sociais. Sabemos que conseguimos funcionar como instrumentos de Deus quando estamos impregnados de boa vontade e mantemos à risca a disciplina a que nos propusemos. Mas, se nos damos o direito de nos sentirmos cansados, ou desanimados, ou entediados, já não estamos contribuindo com as nossas migalhas, já não temos os cinco pães e dois peixes para dar início ao processo de multiplicação de recursos. E, se não contribuímos com a nossa parte, já não temos o direito de pedir ajuda, já não somos instrumentos.

Este episódio trata também da potencialização da fé, como veremos logo mais no episódio em que um menino obsediado é curado por Jesus.

O pai do menino tinha pouca fé, mas o seu pedido de ajuda e o seu esforço em ter fé potencializou a sua fé.

Assim como cinco pães iniciais alimentaram uma grande multidão, uma fé do tamanho de um grão de mostarda pode mover montanhas (Mateus 17:20).

18. E aconteceu que, estando ele só, orando, estavam com ele os discípulos; e perguntou-lhes, dizendo: Quem diz a multidão que eu sou?

19. E, respondendo eles, disseram: João o Batista; outros, Elias, e outros que um dos antigos profetas ressuscitou.
20. E disse-lhes: E vós, quem dizeis que eu sou? E, respondendo Pedro, disse: O Cristo de Deus.
21. E, admoestando-os, mandou que a ninguém referissem isso,
22. Dizendo: É necessário que o Filho do homem padeça muitas coisas, e seja rejeitado dos anciãos e dos escribas, e seja morto, e ressuscite ao terceiro dia.

 Nós vemos mais uma vez a importância que Jesus dava à oração. Jesus se recolhia para orar. Isso confirma o sentido que encontramos na passagem narrada há pouco em que os apóstolos regressam e Jesus os convida ao recolhimento, ao afastamento do burburinho, do barulho.

O próprio Jesus, depois de sua atividade em benefício do próximo, se recolhia para orar. Nós, imperfeitos que somos, não podemos nos descuidar desta prática necessária de recolhimento para o encontro com o nosso Cristo interno.

Há aqui uma repetição da passagem já mencionada em que Herodes ouve falar de Jesus e de quem achavam que Jesus fosse. Agora é o próprio Jesus que pergunta aos seus discípulos. A resposta é a mesma.

Querendo saber a opinião deles próprios, Jesus pergunta e Pedro toma a frente e responde em nome de todos. Pedro reconhece em Jesus o Cristo de Deus.

Jesus, repetindo a atitude que já comentamos anteriormente, de pedir segredo depois das curas que realizava, agora adverte severamente para que não anunciem isso a ninguém.

***

O “filho do homem” é o homem em seu próximo estágio evolutivo, é o homem que conquistou o reino de Deus. Jesus algumas vezes refere-se a si mesmo como o filho do homem, mas essa expressão se refere a todos nós, espíritos encarnados e desencarnados, quando tivermos conquistado o reino de Deus, em que o espírito há de predominar sobre a matéria.

O que Jesus fala a respeito de si mesmo, prevendo o que aconteceria com ele, também se aplica a todos nós. Todos nós, em nossa trajetória milenar, sofremos pelas consequências dos nossos erros e pelas próprias características deste planeta, que ainda é um planeta de provas e expiações.

Todos nós, em nossa caminhada evolutiva, somos em algum momento rejeitados pelos mais conservadores, representados pelos anciãos; e pelos intelectuais materialistas, representados pelos escribas. Todos morremos e renascemos muitas vezes, desencarnamos, renascemos no plano astral e reencarnamos novamente.

23. E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me.

 Jesus nos convida a segui-lo, não nos impõe, respeita o nosso livre-arbítrio. Mas é claro que o convite para segui-lo é para seguir a ele, não a nenhum líder religioso. Jesus não diz para seguirmos qualquer intermediário, mas para seguirmos a ele.

O ensino a ser seguido é o que ele nos deixou, não o que fizeram ou tentaram fazer do seu ensino. Se quisermos seguir o seu caminho temos que renunciar ao nosso personalismo, ao nosso egoísmo, assumirmos a nossa individualidade divina, e tomarmos a cruz diária, que são os deveres que assumimos quando reconhecemos o nosso Cristo interno. A cruz é de todos os dias, pois todos os dias são dias de evoluir. Seguir o Cristo é um caminho sem volta. É um caminho de todos os dias.

24. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará.
25. Porque, que aproveita ao homem granjear o mundo todo, perdendo-se ou prejudicando-se a si mesmo?

A reencarnação não é um mergulho nos prazeres e sensações. Quem tenta salvar a sua vida de materialidade, quem pensa que aproveitar a vida é experimentar sensações corporais, está perdendo a vida.

De nada valem as conquistas materiais se dessas conquistas não resultarem aprendizados benéficos para o espírito. De nada valem o esforço e a determinação despendidos em busca de status, poder, posição, prazer, satisfação da vaidade, se disso não resultar benefício para o próximo e fortalecimento moral para o espírito.

26. Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na sua glória, e na do Pai e dos santos anjos.

 Emmanuel nos lembra que não se envergonhar de Jesus não quer dizer que devemos gritar o seu nome nas praças ou manter discussões calorosas em seu nome, discussões em que esquecemos do próprio Jesus e defendemos apenas o nosso ponto de vista, quase sempre egoístico e ridículo.

Não se envergonhar de Jesus é não se envergonhar do seu ensinamento, é seguir os seus princípios: “A vida de um homem é a sua própria confissão pública”.

27. E em verdade vos digo que, dos que aqui estão, alguns há que não provarão a morte até que vejam o reino de Deus.

Fica evidente que o reino de Deus é o próximo estágio evolutivo do espírito, e que não é preciso morrer (ou desencarnar) para alcançá-lo. O reino de Deus é alcançado com o progresso espiritual, é um estado de maior proximidade e assimilação do seu Cristo interno, em que a maior importância passa a ser, definitivamente, o espírito e as coisas do espírito.

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