Uma das expressões que mais ouço no meio espírita é esta: “A Natureza não dá saltos!”
Quem toma contato com o Espiritismo num momento de entusiasmo pode pensar que os espíritas, de um modo geral, e os trabalhadores dos centros espíritas, em particular, são pessoas especiais, diferenciadas, até superiores. Eu mesmo, que engatinho na caminhada evolutiva, às vezes sou chamado de iluminado ou de anjo. Um dia desses me chamaram de anjo de luz. Anjo de luz!
Não há nada de especial na condição de espírita. A não ser a incessante busca do conhecimento. Principalmente o conhecimento de si mesmo. E é inevitável que isso se torne uma prática diária. Caso contrário, não há como levar adiante o projeto de reforma íntima, as tentativas de caridade.
Como transformar um arquivo milenar de erros de toda espécie num programa voltado para o bem do próximo? Como modificar um passado que se perde na memória do tempo, cheio de sentimentos menos nobres e ações indignas em atitudes renovadas e vontade firme e forte de vencer a si mesmo? Só com disciplina e perseverança.
Há dois exemplos citados pelos cristãos em geral de homens que se transformaram numa única reencarnação: O apóstolo Paulo e Santo Agostinho. Paulo é frequentemente citado em sua famosa afirmação: “Já não sou eu quem vive, mas o Cristo que vive em mim”. Paulo, antes de se converter ao cristianismo, era perseguidor dos cristãos. Mas fazia isso acreditando ser o certo. Seguia as leis de sua religião. Paulo era já um espírito elevado, não resta dúvida.
Nós temos inúmeros compromissos e pendengas familiares e sentimentais a resolver. Nos enredamos num monte de ocupações que nos parecem muito importantes. É verdade que a evolução não dá saltos, que não podemos apressar demais nosso progresso; não suportaríamos um estágio mais avançado para o qual não estamos preparados.
Mas não podemos viver de desculpas. E é comum entre espíritas esses argumentos, de que não estamos prontos para grandes passos, que ainda somos crianças espirituais, que precisamos dos prazeres da matéria. Pode ser verdade. Acho que é. Isso não quer dizer que não precisamos nos esforçar, todos os dias de nossas vidas, para sermos pessoas melhores, dignas de recebermos o auxílio e o apoio dos espíritos superiores que se interessam por nós.
Muitos desses que são condescendentes consigo mesmos têm grande bagagem literária, onde são fartos os exemplos de casos de espíritos que reencarnam cheios de planos e bons propósitos e se perdem no meio do caminho, deslumbrados com os prazeres e as ilusões de poder e status terrenos. Parece que a literatura se presta muito bem para a pregação e as discussões filosóficas, mas na prática vêm as desculpas famosas, do tipo “a natureza não dá saltos”…
Antes de reencarnarmos, nos comprometemos com um programa envolvendo inúmeros outros espíritos, encarnados e desencarnados. Não é um planejamento determinista, não existe determinismo. Mas ficamos de fazer a nossa parte, prometemos a nós mesmos e aos nossos orientadores que seguiríamos o caminho reto, sem desvios e tentativas de atalhos.
Passamos por um longo e complexo treinamento. Convivemos, antes de reencarnarmos, com espíritos com quem afinizamos, com amigos queridos de muito tempo. Lá é fácil. Lá estivemos cercados de cuidados e treinamentos rigorosos para desenvolvermos disciplina. Lá passamos no teste com louvor. Lá é teoria, aqui é prática. Tiramos nota dez na prova teórica. Que nota tiraremos na prova prática? Três? Quatro? Com que cara voltaremos, depois do desencarne, para junto dos que nos instruíram, ajudaram, facilitaram nossa vinda para a matéria? É verdade que a natureza não dá saltos, mas não podemos adiar o nosso progresso indefinidamente…