A leitora Paloma fez uma pergunta recorrente em relação à Lei de ação e reação, dentro do que vulgarmente chamamos de “relacionamentos cármicos”.
Olá.Tenho uma dúvida sobre espiritismo. Muito se fala sobre ação e reação. Ok, mas penso que se sempre for assim, será uma cadeia sem fim. Quando será estancada a cadeia de ação e reação? Outra coisa: haveria realmente necessidade de colocar o algoz na situação que ele gerou em outra vida? não caberia um perdão sincero da vítima? Tenho dificuldade em entender isto, pois geraria uma cadeia sem fim… tenho dúvida se a prova não é justamente reagir e se afastar de quem nos faz o mal… ao contrário do que já ouvi que, se for uma prova, pedimos por ela e devemos suportar… Obrigada. Agradeço, se puder esclarecer.
– Paloma, a Lei de ação e reação não é invenção do Espiritismo, é um princípio conhecido em todas as grandes religiões, principalmente no Oriente. A palavra carma, às vezes usada com um sentido negativo, vem do sânscrito e quer dizer ação. Toda ação gera uma reação. Com o Espiritismo esta Lei ficou mais conhecida porque o Espiritismo trata da reencarnação, o que torna mais visível e compreensível o conceito de semeadura e colheita. Ação e reação é uma lei universal, demonstrada pela física.
Imagine que você tem uma bola de borracha que caiba na sua mão. Se você atirá-la contra o chão, ela irá subir e descer algumas vezes, não vai? Mas a sua subida vai ser cada vez menor. Pelo princípio da inércia ou 1º lei de Newton, desde o momento em que você deu movimento à bola, ela permaneceria permanentemente em movimento. A bola só vai diminuindo a sua velocidade por causa do atrito e da força contrária. Ela sofre a ação de uma força contrária ao encostar no chão e entra em atrito com o ar ao subir e descer. A ação e reação é Lei, e como tal, funciona sempre.
Você fala em cadeia sem fim. O movimento da bola entraria numa cadeia sem fim, se não fosse a força contrária exercida pelo chão e o atrito com o ar, que faz com que o impulso diminua. Do mesmo modo, a cadeia de ação e reação entre espíritos perde impulso graças às “forças contrárias” e aos “atritos”. É através das contrariedades e dos atritos que nos polimos. Somos como diamantes que precisam ser burilados e polidos em contato uns com os outros, através de longos milênios, até que a nossa natureza divina, que temos em nosso interior, venha à tona.
Perceba que, ao longo da História, as relações entre as pessoas vêm melhorando, e muito. Como você fez o seu comentário num artigo sobre traição, vou utilizar-me deste assunto como exemplo. Hoje falamos sobre “traição”. Algumas décadas atrás ainda era normal que o homem frequentasse bordeis, muitas vezes com o conhecimento e mesmo o consentimento da esposa, pois eram “coisas de homens”. Hoje isso já não é admissível. O homem podia matar a mulher que o traísse e ser inocentado, pois teria matado “em legítima defesa da honra”.
A cada reencarnação vamos nos aperfeiçoando um pouco, até que já não haja nada a ser reparado. A cadeia de ação e reação “estanca” quando houver a compreensão, o perdão, o amor. Amor é harmonia.
– Haveria realmente necessidade de colocar o algoz na situação que ele gerou em outra vida? não caberia um perdão sincero da vítima?
Quem você acha que coloca o algoz na situação que ele gerou? Deus? As Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. Neste sentido, podemos dizer que é Deus que faz isso. Mas deve ficar claro que é a própria consciência culpada que se autocondiciona a experimentar o mal que causou. O mal gerado fica impresso na consciência culpada. A experimentação na própria pele do mal causado a outrem é a exteriorização natural da impressão do mal que ele praticou.
Entenda que o mal que nós praticamos é um veneno que nós mesmos ingerimos. Assim como o corpo físico se protege de um veneno ingerido provocando vômito ou diarreia, para expelir, para exteriorizar o veneno, assim também o espírito exterioriza o mal que está nele a fim de purificar-se. Um religioso tradicional, ao observar o sofrimento de uma pessoa nessas condições, se desconfiar que há uma causa para que este sofrimento exista, vai concluir que se trata de castigo de Deus. O próprio Livro dos Espíritos se utiliza da expressão “castigo de Deus”, retratando os conceitos vigentes na época em foi escrito. Mas se analisarmos a origem da palavra “castigo”, fica mais fácil de compreender como age a Lei. Castigo vem do latim castus, que quer dizer “puro”. Castigar, do latim castificare, é purificar, tornar puro. Castigar, então, é purificar.
Deus age através das Suas Leis, perfeitas e imutáveis. As Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. Tudo o que sentimos, pensamos, falamos e fazemos fica gravado em nosso subconsciente. Como disse Jesus, “até os fios de cabelo de vossa cabeça estão contados” (Mateus 10:30). Podemos nos esconder da lei, da justiça, dos homens, mas não podemos nos esconder da nossa própria consciência. As Leis de Deus, que estão gravadas em nossa consciência, nos conduzem, mais cedo ou mais tarde, à reparação do mal que causamos. A vida nos oferece a oportunidade de reparação dos nossos erros através da reencarnação ao nos proporcionar o convívio com as nossas vítimas do passado. Vivendo em si mesmo a experiência do mal que praticou no passado, ao mesmo tempo
em que purga o mal que está dentro de si, o espírito encontra condições de consolidar o aprendizado relacionado com este mal, podendo transformar o que era mal num bem.
– Não caberia um perdão sincero da vítima?
Isso é outra questão. Vítima e algoz são seres independentes, cada um tem a sua própria experiência. A vítima deve perdoar, sem dúvida alguma. Mas o seu perdão não apaga o mal que foi praticado. Só o que apaga o mal é a sua reparação. Se a vítima for um espírito mais esclarecido, aceitará de boa vontade a sua prova, que lhe proporcionará boas condições de progresso e aprendizado. Se a vítima não for muito esclarecida espiritualmente, o que é o mais comum, aproveitará essa prova para burilar-se a si mesma ao mesmo tempo em que tem a chance de fazer o bem ao seu antigo algoz, acabando, assim, com o que você chamou de “cadeia de ação e reação”.
– Tenho dúvidas se a prova não é justamente reagir e se afastar de quem nos faz o mal… ao contrário do que já ouvi que se for uma prova, pedimos por ela e devemos suportar…
Não podemos afirmar que escolhemos nossas provas. Pelo menos não conscientemente. Não temos condições para isso. Só espíritos mais adiantados, mais conscientizados, têm condições de escolher suas provas. Nós, no máximo, passamos por um planejamento elaborado por espíritos superiores a nós. É verdade que escolhemos nossas provas se considerarmos que fazemos essa escolha todos os dias através das nossas atitudes. Todos os dias estamos plantando o nosso futuro, desta e de outras reencarnações.
É possível, sim, afastarmo-nos de quem nos fez mal. Mas isso depende de nossas ligações psíquicas, que em muitos casos podem se reportar a vários séculos e milênios, não sendo, então, tão fácil nos desvencilharmos.
Temos que suportar as nossas provas, sim. As provas que a Vida nos apresenta são oportunidades para o nosso progresso. Se percebermos, no entanto, que não estamos fazendo proveito, e que há outras possibilidades claras de termos uma vida mais produtiva e útil, para nós e para o próximo, compete a nós mesmos decidirmos se insistimos ou não com esta prova. É importante frisar que nem todas as nossas provas foram programadas. Nos envolvemos com espíritos encarnados e desencarnados com quem simpatizamos em períodos específicos da vida e acabamos criando vínculos afetivos. Não temos como saber se os laços que nos prendem a esses espíritos são de agora ou se já vêm de mais tempo. Por isso temos que desenvolver a capacidade de discernir; para analisarmos friamente os prós e contras de nossas possíveis decisões.