Neste vídeo estudamos o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, que trata de um único assunto: A religação com Deus. Há duas pequenas parábolas, que são a parábola da ovelha perdida e a parábola da moeda perdida; e a primorosa parábola do filho pródigo, uma lição espiritual de valor inestimável. Ofereço a minha análise e interpretação neste que é o 20º vídeo de uma série de 30 vídeos sobre o Evangelho de Lucas.
Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.
CAPÍTULO 15
Este capítulo, assim como o anterior, trata de um tema único: a inevitável evolução do espírito, a sua religação com Deus (que deu origem à palavra religião, do latim religare), e a conseqüente percepção da infinita misericórdia de Deus que se manifesta em todos os lugares, em todos os tempos, desde que estejamos receptivos a ela. São duas pequenas parábolas e a primorosa parábola do filho pródigo, uma das maiores e mais perfeitas lições acerca da nossa trajetória espiritual.
1. E Chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir.
2. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles.
Já vimos que os fariseus se preocupavam demasiadamente com as aparências, com os aspectos externos da lei judaica, havendo esquecido o fundamento dessas leis que era a aproximação com Deus. Criticavam Jesus por ele misturar-se com os cobradores de impostos, com as prostitutas, com todas as pessoas consideradas impuras.
3. E ele lhes propôs esta parábola, dizendo:
4. Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove, e vai após a perdida até que venha a achá-la?
5. E achando-a, a põe sobre os seus ombros, jubiloso;
6. E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.
7. Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.
“… justos que não necessitam de arrependimento”. Jesus nos disse antes que não veio chamar os justos, mas os pecadores, ou seja, não veio chamar os que já estão ajustados com as leis divinas, mas os que estão desajustados com as Leis de Deus (Lucas 5:32).
No Evangelho de João é dito que nenhuma das ovelhas confiadas a Jesus se perderá (João 10:28-29). Isso não deixa dúvidas quanto à salvação universal. Milhões de cristãos acreditam que a salvação é para alguns, e que outros serão condenados ao inferno.
Que Pai seria esse que condenaria os seus filhos desobedientes ao fogo do inferno? Que Pai seria esse que criaria um inferno para punir os seus filhos desobedientes? Se nós, que somos cheios de falhas de caráter e imperfeições costumamos dar novas oportunidades aos nossos filhos, como é que Deus, infinitamente justo e bom, condenaria os seus filhos ao castigo eterno?
Deus sempre nos oferece novas oportunidades através da reencarnação. Pela L ei de causa e efeito, sempre colhemos o que plantamos, e o que não colhemos numa existência colheremos ao longo das existências seguintes. Mas, como nos disse o apóstolo Pedro, o amor cobre uma multidão de pecados (1 Pedro 4:8).
Jesus, responsável maior pelo planeta, tem sob os seus cuidados todas as suas ovelhas, todos os espíritos que aqui habitam. E nenhuma delas há de se perder. Neste mesmo sentido é a segunda parábola de Jesus:
8. Ou qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a achar?
9. E achando-a, convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida.
10. Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.
Novamente, ao final da parábola se fala em arrependimento, na metanóia, a mudança de mente, a transformação mental, ou seja, a conscientização da sua realidade espiritual.
A dracma era uma moeda grega equivalente a um dia de trabalho. Vemos que a moeda, o dinheiro, não é um bem em si, mas é apenas um meio de possuir bens. Se a dracma perdida representa o espírito, percebemos que na verdade o espírito não está perdido, falta apenas o meio de encontrá-lo. E para isso a mulher acende a candeia e varre a casa.
Do mesmo modo, é nosso dever iluminar, lançar luz sobre o espírito temporariamente perdido, e varrer o seu caminho, limpar o caminho à sua volta, afastar as influências impuras que o mantêm perdido.
Vamos agora ver a primeira parte da parábola do filho pródigo:
11. E disse: Um certo homem tinha dois filhos;
12. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda.
13. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.
14. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades.
15. E foi, e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos, a apascentar porcos.
16. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada.
17. E, tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!
18. Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti;
19. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros.
20. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou.
21. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho.
22. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés;
23. E trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos;
24. Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se.
Esta parábola normalmente é vista como um sinal da infinita misericórdia de Deus, e é disso mesmo que se trata. Mas o seu sentido é muito mais profundo do que aparenta.
Vemos que o filho mais novo, provavelmente entrando na juventude, pede a seu pai a sua parte na herança. Segundo as leis judaicas, dois terços da herança cabiam ao filho mais velho; os demais filhos repartiam o que sobrava.
Este filho, então, teria tomado sua parte na herança e partido em busca de aventuras, dissipando os seus bens, gastando com prostitutas, como dirá depois o seu irmão.
Mais tarde, tendo gastado tudo, se arrepende e volta ao seu pai, que o recebe de braços abertos.
Isso pode representar a nossa jornada terrena. Ao reencarnarmos recebemos uma oportunidade, concedida por Deus, nosso Pai.
Ele nos dá o que precisamos para nos materializarmos neste plano, respeitando o nosso livre-arbítrio. Chegando aqui nos entusiasmamos com os prazeres materiais, com o apelo da matéria, e nos esquecemos de nossa origem, esquecemos que somos um espírito habitando um corpo físico.
Quando os prazeres já não nos satisfazem, quando atingimos o fundo do poço (simbolizado pela vida em meio aos porcos e pelo desejo de comer a comida deles, ou seja, quando nos assemelhamos aos animais), então nos damos conta de que deve haver algo mais do que essa vida de animalidade, e nos lembramos de quem somos, de quem é o nosso Pai. Ansiamos por voltar à origem, por abandonarmos a vida de animalidade e voltarmos, humildes, reconhecendo a nossa pequeneza, ao nosso Pai.
Nossa conscientização faz com que percebamos os nossos inúmeros erros, e não nos achamos no direito de sermos considerados filhos de Deus.
Mas Deus nos recebe de braços abertos. Quando nos conscientizamos, quando mudamos a nossa mente e nos tornamos humildes, retomamos o contato com Deus e somos recebidos com infinito amor.
Mas o sentido maior desta parábola diz respeito à nossa trajetória como espíritos, filhos de Deus, creados à imagem e semelhança de Deus, portanto, perfectíveis.
“Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence”. O Haroldo preferiu traduzir, em vez de “bens”, como “propriedade”; mas nos indica que a palavra traduzida como “propriedade” também pode significar “substância”, no sentido de coisa; ou “essência”, no sentido de ser.
A palavra grega é ousia (ουσιας),que é normalmente traduzida como “substância”. Mas temos que prestar atenção ao significado de substância: sub é aquilo que está por baixo, que é inferior, que se aproxima, que substitui. Sub-estância, do verbo estar. Para o grego, “ser” e “estar” são a mesma coisa. Sub-estância, então, é aquilo que sub-está, que sub-jaz.
Nós somos creados da substância de Deus. Nós estamos. Deus é. Nós somos substância de Deus, no sentido de que derivamos de Deus, somos provenientes de Deus, sub-estamos em Deus.
O filho que pede ao Pai a porção da substância que lhe cabe é o espírito recém creado, é o espírito em seus primórdios, que adquire o livre-arbítrio e começa a sua grande experimentação na matéria. O filho pediu ao Pai a porção da substância que lhe cabia e o pai repartiu a vida entre eles. Repartiu a vida.
“E ele repartiu por eles a fazenda”. – A Almeida Revista e Atualizada diz que o pai “repartiu os seus haveres”. A Bíblia de Jerusalém e a tradução de Rohden dizem que o pai “repartiu os bens”. O espanhol Francisco Lacueva diz que o pai “repartiu o seu sustento”. Mas a palavra original é vida. Bion (βιον) é vida.
O filho é substância da substância do Pai e o Pai lhe concede a Vida. Impossível ser mais claro que isso.
Algumas vezes temos que buscar um sentido espiritual numa parábola que trata de coisas materiais. Nesta parábola os comentadores encontram um sentido material num ensinamento que é explicitamente espiritual.
“E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente”. – O espírito no início da sua trajetória, ajuntando tudo, ou seja, tomando posse dos seus veículos de manifestação – perispírito e corpo físico – encarna e desperdiça os seus bens, desperdiça a sua substância, vive dissolutamente, de forma totalmente material.
Fartou-se de prazeres e sensações materiais, até que não se satisfazia mais com o que a matéria lhe oferecia. Ansiando por novos prazeres, novas sensações, por novidades para os seus sentidos físicos, subordinou-se a um criador de porcos.
Lembramos que o porco era considerado pelos judeus o animal mais imundo. Os irmãos Macabeus, pouco antes de Jesus, preferiram morrer a ter que comer carne de porco (2 Macabeus 7).
O dono dos porcos é o espírito muito comprometido, repleto de impurezas, criador de impurezas. No entanto, o filho subordina-se a esse espírito e também passa a criar impurezas.
Ele gostaria de ser como os porcos, de comer o que eles comem, de ficar satisfeito como eles ficam. Chegou ao auge da materialidade, chegou ao fundo do poço, e ninguém, naquele meio, era capaz de satisfazê-lo, ninguém lhe oferecia nada, ninguém acrescentava nada para a sua vida. Então, “tornando em si”, ou seja, consultando o seu íntimo, lembrou da sua origem divina, se deu conta de que aqueles que trabalham para o Pai, para o Creador, têm abundância de pão, do pão espiritual, do alimento do espírito de que Jesus nos fala na oração que nos ensinou – “O pão nosso sobressubstancial nos dai hoje” – e notou que a sua fome das coisas do espírito seria saciada se trabalhasse para o seu pai.
Tornou-se um mendigo do espírito, conforme a bem-aventurança de Jesus, quase sempre traduzida como “bem-aventurados os pobres de espírito”. São os mendigos do espírito, os que mendigam, os que imploram pelas coisas do espírito.
“Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus jornaleiros”. – A palavra traduzida como levantar é anastás (αναστας), a mesma palavra grega que é traduzida como “ressurreição”. Pois este espírito levantou-se para a vida, ressurgiu para vida, iniciou o seu caminho de volta ao Pai Creador. Ele reconhece os seus erros e não se considera digno de ser considerado filho de Deus, quer ser apenas um trabalhador (“jornaleiro”) do Pai, quer uma oportunidade de serviço e receber o alimento espiritual.
“E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço e o beijou”. – Assim que o espírito se levanta, ressurge para a vida em direção ao Pai Creador, Deus nos recebe de braços abertos. Deus está sempre pronto a nos receber. Nós é que precisamos estar receptivos. Nós é que precisamos abrir as portas do nosso coração e da nossa mente para que possamos novamente sentirmo-nos como seus filhos, como substância da sua substância.
O Pai manda que lhe coloquem a melhor roupa, que é a estola, uma roupa especial usada por pessoas importantes, o anel na mão e a alparca (ou sandália) nos pés.
A melhor roupa, um perispírito livre das antigas impurezas graças a um estado de consciência novo;
- O anel na mão, como símbolo de um ciclo que se completa quando o espírito que partiu de Deus para desenvolver o livre-arbítrio volta a Deus pela conscientização;
- A sandália nos pés, representando a separação entre o espírito e a matéria: o espírito já não está grudado ao pó da terra, já sabe que está na matéria, mas não é matéria.
“Porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado”.
- Estava morto, havia perdido a consciência da sua imortalidade;
- Tinha-se perdido, assim como a ovelha perdida, ou a dracma perdida, das outras parábolas.
Ninguém, nenhum espírito está perdido para sempre. A perdição do espírito é um estado provisório, é um período de experiência, de onde ele sai experimentado e consciente das consequências de suas escolhas, pronto para retornar a Deus, religar-se com Deus.
Agora vem a segunda parte da parábola do filho pródigo, em que vemos a reação do seu irmão mais velho ao vê-lo de volta:
25. E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças.
26. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo.
27. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo.
28. Mas ele se indignou, e não queria entrar.
29. E saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos;
30. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado.
31. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas;
32. Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.
Como o irmão mais velho teria agido se fosse o pai? Provavelmente castigaria duramente o irmão mais novo. Mas o Pai não exigiu pedidos de piedade.
Vemos dois extremos nos dois irmãos. O irmão mais novo esbanjador e o irmão mais velho avarento.
O irmão mais velho, apesar de mais velho, é menos experiente. Não cometeu erros como o irmão mais novo; mas, se não cometeu erros, também não progrediu, pois o espírito progride através da experiência.
Muito se questiona se o mal é necessário, se o espírito é obrigado a experimentar o mal para reconhecer e valorizar o bem. Essa questão filosófica não cabe neste estudo a que nos propusemos. Mas não há como negar que o que nos faz progredir é a experiência. Talvez um dia, num futuro distante, o que hoje consideramos como mal seja considerado de outra forma.
Esta parábola lembra a disputa entre Caim e Abel, filhos de Adão e Eva, no Gênesis. Abel era quem agradava a Deus, e Caim o matou. Mas Abel não deixou descendência, não aproveitou nada de construtivo, enquanto Caim ergueu cidades e deixou descendentes que formaram povos.
Abel é como o irmão mais velho da parábola. Ficou junto de Deus, mas não progrediu. Caim é como o irmão mais novo. Afastou-se de Deus, mas foi efetivamente mais conhecedor da obra e da grandeza de Deus do que Abel.
Podemos analisar a diferença entre os dois irmãos nesta parábola de um modo mais terreno:
Dois espíritos reencarnam com a tarefa de trabalhar em benefício do próximo num centro espírita. Um deles, representado pelo irmão mais velho, desde cedo toma contato com o Espiritismo, se interessa pelo assunto e se torna um trabalhador da casa.
O outro, o mais novo, embora se interesse pelas coisas do espírito, se perde no meio do caminho, se distrai com inúmeros outros interesses, comete vários erros, compromete-se com espíritos encarnados e desencarnados de baixa evolução, busca a satisfação material como solução para o seu vazio interior, até que chega ao auge da decadência.
Então, sem alternativa material, sem que nada mais o satisfaça e resolva seus problemas existenciais, recorre a Deus e volta ao estudo do Espiritismo, muda a sua mentalidade, encontra no serviço ao próximo um meio construtivo de viver.
Por ter experimentado tantas dores e dissabores, compreende facilmente os anseios e angústias do próximo; diferentemente do seu irmão mais velho, que nunca experimentou nesta existência as dores relatadas nos livros que lê.
O mais novo, apesar de sua apresentação tardia para o trabalho, é mais preparado que o mais velho.
Estas são algumas de muitas análises possíveis desta parábola, uma síntese da nossa caminhada espiritual.
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