Análise das interpretações bíblicas que forjam uma imagem deturpada de Deus, um Deus que se ira contra seus próprios filhos.
ARTIGO DE AUTORIA DE RODRIGO PNT
“Conversão é coisa séria”, é o que sempre ouço. “Não brinque com Deus” ou “ai de quem cai nas mãos do Deus vivo” ou “cuidado com o peso da mão de Deus”. Sempre achei estranhas essas afirmações, já que na minha mente tenho a imagem de um Deus que é pai amoroso, compreensivo e sereno. Nunca me senti à vontade com esses jargões que o povo inventa, aliás, o povo sempre inventou jargões para referir-se ao suposto caráter de Deus, veja nos tempos dos israelitas, por exemplo:
“Quando, pois, te perguntar este povo, ou qualquer profeta, ou sacerdote, dizendo: Qual é o peso do Senhor? Então lhe dirás: Este é o peso: Que vos deixarei, diz o Senhor.
E, quanto ao profeta, e ao sacerdote, e ao povo, que disser: Peso do Senhor, eu castigarei o tal homem e a sua casa.
Assim direis, cada um ao seu próximo, e cada um ao seu irmão: Que respondeu o Senhor? e que falou o Senhor?
Mas nunca mais vos lembrareis do peso do Senhor; porque a cada um lhe servirá de peso a sua própria palavra; pois torceis as palavras do Deus vivo, do Senhor dos Exércitos, o nosso Deus.
Assim dirás ao profeta: Que te respondeu o Senhor, e que falou o Senhor?
Mas, porque dizeis: Peso do Senhor; assim o diz o Senhor: Porque dizeis esta palavra: Peso do Senhor, havendo-vos ordenado, dizendo: Não direis: Peso do Senhor.” Jeremias 23: 33-38
O profeta inspirado divinamente desaprovou esse costume de criar jargões a respeito da divindade. Também Ezequiel, ao referir que cada homem é julgado pelo seu próprio pecado. Veja o que ele diz:
“E veio a mim a palavra do Senhor, dizendo:
Que pensais, vós, os que usais esta parábola sobre a terra de Israel, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos se embotaram?
Vivo eu, diz o Senhor Deus, que nunca mais direis esta parábola em Israel.
Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá”. Ezequiel 18: 3,4
Veja que a ignorância leva o homem a afirmativas extremamente errôneas do caráter divino e não é diferente nos dias atuais, mesmo tendo vindo Cristo revelar Deus, suas qualidades e a moral evangélica, ainda há pessoas pretendendo viver no tempo das leis cerimoniais judaicas, e o pior de tudo é que trocam os mandamentos do Cristo pela sua própria verdade com essas más conversações, pervertendo assim a fé a alguns.
“Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes”. 1 Coríntios 15: 33
Nos dias do Cristo foi justamente contra isso que ele pregou, os doutores da lei e os fariseus já haviam criado tantos costumes e tradições que não se importavam mais com o que era certo ou errado, viviam suas vidas alheios à essência da lei que é o amor, pensavam só em si e achavam que a eles estavam confiados os portões do reino de Deus. Jesus durante todo o seu ministério precisou suportá-los ferrenhamente e com muitas parábolas os representava, porque eles deveriam ter aprendido os conceitos divinos verdadeiros da lei e no entanto viviam suas vidas dissolutamente sem se importarem com o próximo.
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” Mateus 5: 20
“E Jesus disse-lhes: Adverti, e acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus.” Mateus 16: 6
“Então compreenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus.” Mateus 16: 12
“Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos,
Dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus.
Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem;
Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los;
E fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes,
E amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas,
E as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi.” Mateus 22: 1-7
Nos dias atuais nos deparamos com o mesmo problema dentro do cristianismo, mais propriamente dentro das igrejas evangélicas, não todas, mas muitas vivem sob um misticismo exacerbado, principalmente no meio pentecostal, a falta de conhecimento aliada às mistificações da espiritualidade, como a ignorância sobre a mediunidade, que também se manifesta nesse meio, acaba criando doutrinas humanas muito distantes do evangelho, o que desvia totalmente o ente da verdade, achando que o evangelho é alguma forma de obter lucros, sejam financeiros ou pessoais. Certamente o evangelho é um lucro muito grande para aquele que se despoja do velho homem e se reveste do homem espiritual, à imagem do Cristo bendito, porém, se alguém almeja a promoção carnal, acaba caindo em muitas ciladas e abandonando a fé.
A fé que o conhecimento espírita nos traz é diferente porque nos abre a mente para o que realmente é importante, esclarecendo-nos que as doutrinas humanas não possuem valor algum, que os jargões criados pelos sectários são perigosos, já que estão destituídos do raciocínio. A própria fé irracional é destruidora e leva o seguidor a obediência cega, lançando-o no precipício dos neófitos.
O termo “ira de Deus”, subentendido na bíblia como se Deus pudesse irar-se contra a criatura saída das suas mãos, leva muitas pessoas sinceras a desviar-se do caminho do evangelho na primeira queda. Sabemos que somos espíritos imortais e viciados em um padrão de comportamento vivenciado por muitas reencarnações, e que por isso é muito difícil abandonar de imediato esses comportamentos que parece já fazerem parte da nossa vida.
Quando conhecemos o evangelho do Cristo entendemos que temos que mudar, e num primeiro momento recebemos uma força muito grande da espiritualidade para começarmos a caminhar na verdade da reforma intima. Porém, mais dias ou menos dias, temos uma recaída, e isso é normal, mas os jargões criados a bel-prazer por aí por vezes entram tão fundo na mente do principiante do cristianismo que o fere mortalmente e este acaba desistindo de sua reforma íntima, pensando ter Deus se irado consigo e lhe abandonado.
Certos espíritos maus que perambulam na erraticidade aproveitam-se desses encarnados que pensam ter Deus lhes abandonado à própria sorte e lhes estimula a que não tentem nunca mais por que não adianta, eles nunca vão conseguir, e aí multiplica-se esse numero monstruoso de desviados do evangelho. Sim, pessoas que cederam e não têm mais força de levantar-se, tudo por causa da ignorância do verdadeiro caráter divino.
Vivemos em um mundo onde se aspira constantemente sentar-se nos primeiros lugares, os primeiros lugares do saber, da razão e da sabedoria, as pessoas sempre querem provar as suas teorias, ideologias e crenças como se pudessem forçar as mentes a lhes raciocinar em igualdade. Ora, ninguém pensa igual, já que os nossos pensamentos derivam de nossa personalidade, a qual é formada pela longa senda das múltiplas vidas, por isso não podemos ser iguais. Mas os que não compreendem isso ainda querem forçar aos outros a que pensem como eles, é a isso que Jesus se referiu também, o assentar nos primeiros lugares. Como senhores do saber abundam em seu raciocínio egoísta e muitas vezes por isso derrubam os pobres de espírito.
A maior caridade que podemos ter para com o nosso próximo é entendê-lo e respeitá-lo, e os jargões e provérbios criados à toa ferem o homem de bem em sua compreensão sobre a verdade. De tanto se dizer uma coisa, se convence de que aquilo é verdade, e existem supremas verdades no meio religioso que são mentiras destrutivas, porém se fizeram verdades de tanto serem ditas e já entraram na galeria das tradições meramente humanas. Assim como nos dias do Cristo eram os escribas e fariseus em suas tradições hoje também tem se levantado muitos fariseus com seus conceitos e preconceitos firmados em passagens mal interpretadas da bíblia e muitas vezes negando o evangelho por aquilo que criaram para si como verdade, gostam de divinizar o Cristo e humanizar a Deus afirmando que ele se ira, quando entendemos que Deus não pode ser atingido por nada daquilo que praticamos, e, se sofremos, é por nossa própria culpa.
Rodrigo Pnt é presbítero evangélico e estudioso da Doutrina Espírita