– Quem pecou, este ou os seus pais, para que nascesse cego? – Essa pergunta feita a Jesus pelos seus discípulos demonstra que eles acreditavam na reencarnação. Pois, se o homem não estava pagando pelos pecados dos seus pais – o que seria uma imensa injustiça da parte de Deus – quem havia pecado teria sido ele mesmo. Mas, se ele era cego de nascença, como poderia ter pecado? Evidentemente, numa existência passada. Aliás, o historiador Flávio Josefo, que era contemporâneo de Jesus, atesta que a crença na reencarnação era comum na época, embora de maneira confusa.
Este é o tema do capítulo 9 do Evangelho de João, de que trata este vídeo. Este é o 18º vídeo desta série de estudos sobre o Evangelho de João.
Abaixo você pode ler todo o texto do vídeo.
JOÃO 9
Este capítulo trata de um único episódio: a cura do cego de nascença e as reações das autoridades religiosas em relação a este fato.
- E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença.
- E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?
- Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus.
Algumas passagens das escrituras davam a entender que os filhos pagavam pelos erros dos seus pais. Precisamos esclarecer que “pais”, na linguagem bíblica, tanto se refere ao pai e à mãe quanto aos antepassados – assim como “filho” tanto se refere à prole direta quanto aos descendentes.
Algumas passagens das escrituras diziam que os descendentes pagavam pelos erros dos seus antepassados. Um exemplo clássico é a passagem do Êxodo 20:5:
“Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.”
A Vulgata Latina, a tradução da Bíblia para o latim feita por São Jerônimo na virada do século IV para o século V, de onde surgiram as primeiras traduções para o português, diz:
“Non adorabis ea neque coles ego sum Dominus Deus tuus fortis zelotes visitans iniquitatem patrum in filiis in tertiam et quartam generationem eorum qui oderunt me”.
“(…) in tertiam et quartam (…)”, ou seja, na terceira e quarta. A preposição latina in quer dizer “em”, e não “até”. “Até a terceira e quarta” é uma tradução tendenciosa. O correto é “na terceira e quarta”. Jesus nos ensinou “a cada um segundo as suas obras” (Mateus 16:27). Deus não seria justo se fizesse uma pessoa pagar pelos erros de outra. Isso pode acontecer (e acontece) devido às imperfeições e as mentiras dos homens, mas Deus não tem nada a ver com isso.
Vivemos, ainda, num planeta de provas e expiações. Se analisarmos o passado da pessoa que hoje é injustiçada, remontando às suas existências anteriores, quase sempre ela foi injusta com alguém, ela cometeu injustiças semelhantes às que experimenta agora. Colhemos o que plantamos, sempre. O que não colhemos numa mesma existência, colheremos numa existência posterior.
Através da reencarnação Deus nos proporciona oportunidade de reparar o mal que praticamos. Não somos castigados, não existe castigo divino – pelo menos não da maneira como vulgarmente entendemos a palavra “castigo”. “Castigo” vem do latim castus, que quer dizer “puro”. “Castigar”, do latim castificare, é “purificar”, “tornar puro”. Deus age através das Suas Leis, perfeitas e imutáveis. As Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. Tudo o que sentimos, pensamos, falamos e fazemos fica gravado em nosso subconsciente. Como disse Jesus, até os fios de cabelo de nossa cabeça estão todos contados (Mateus 10:30). Podemos nos esconder da lei, da justiça, dos homens, mas não podemos nos esconder da nossa própria consciência. As Leis de Deus, que estão gravadas em nossa consciência, nos conduzem, mais cedo ou mais tarde, à reparação do mal que causamos.
Quando nos rebelamos, quando nos revoltamos contra as Leis divinas, achando que tudo o que nos acontece é injusto (por causa de nosso egoísmo), quando não nos conformamos (“conformar”: formar juntamente) com as Leis de Deus, não colaborando com os mecanismos que a Vida nos oferece para a reparação dos erros que causamos, somos compulsoriamente conduzidos a experimentar em nós mesmos a dor que causamos no próximo.
Nem todos precisam experimentar a dor. O caminho das Leis de Deus é uma reta. Sempre que nos desviamos do caminho reto das Leis de Deus, enveredando por desvios e atalhos, somos alertados pela dor de que devemos voltar ao caminho. Se, quando erramos, percebemos nosso erro e prontamente nos disponibilizamos a repará-lo, não há necessidade da dor.
Falávamos da passagem do Êxodo que diz que os filhos pagam pelos erros dos pais na terceira e quarta geração. Nós somos espíritos; os nossos entes queridos que já morreram são espíritos. Nós somos espíritos encarnados, estamos temporariamente revestidos de um corpo de carne; eles são espíritos desencarnados, não têm esse corpo. Mas todos somos espíritos.
Os espíritos formam grandes grupos – famílias espirituais que evoluem em conjunto reencarnando próximos uns dos outros nos mais diversos papeis. Reencarnamos no meio em que tivermos vínculos. Depois que morrermos, e passado um certo tempo tivermos que reencarnar de novo, dificilmente iremos reencarnar no Japão ou na Escócia, pois não temos nenhum vínculo espiritual nestes lugares. Pode acontecer de haver espíritos com quem tenhamos nos relacionado há muitos séculos ou milênios que estejam nestes lugares – mas o mais provável, o quase certo, é que venhamos novamente a este plano material através de um meio espiritual com que tenhamos mais afinidade, seja ele composto por afetos ou desafetos.
Formamos vínculos através de laços de amor e ódio. Quando reencarnarmos procuraremos dar continuidade às tarefas que iniciamos nesta existência. E o lugar mais apropriado para isso é entre o grupo espiritual a que estamos vinculados. Iremos renascer, então, como netos ou bisnetos dos nossos filhos, ou seja, na terceira ou quarta geração depois de nós.
Se eu reencarnar como meu bisneto, este bisneto vai ter muitas características minhas, eventualmente vai demonstrar as mesmas aptidões que eu, e, se for o caso, vai “pagar”, por algum erro mais grave que eu tenha cometido nesta atual existência. E não há nada de injusto nisso, pelo contrário. Ele é eu. Sou eu reencarnado, somos o mesmo espírito.
Esse entendimento não era muito claro nos dias de Jesus. Eles tinham uma noção sobre isso, mas nada muito definido. O historiador Flavio Josefo, que era fariseu e contemporâneo de Jesus, diz que as almas dos homens bons voltavam a este mundo em novos corpos, e as almas dos homens maus iam para as zonas inferiores do hades, o lugar dos mortos para os gregos -algo semelhante ao que os espíritas conhecem como plano astral.
Champlim, que é protestante, um dos maiores biblistas que conhecemos, afirma que a reencarnação era ensinada nas escolas dos fariseus e dos essênios.
Os discípulos de Jesus compreendiam a reencarnação. Isso fica claro, por exemplo, quando Jesus fala que Elias já veio e eles entenderam que Jesus se referia a João Batista (Mateus 17:12-13); ou quando Jesus pergunta a eles quem diziam que ele era, e eles dizem “um dos antigos profetas” (Lucas 9:19) – um dos antigos profetas só poderia voltar a esse mundo reencarnado, ou seja, em outro corpo, que no caso seria o corpo de Jesus.
Aqui elas perguntam: “(…) quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” – eles estão se referindo a essas duas hipóteses: ou que os descendentes pagavam pelos erros dos antepassados, ou que o próprio cego havia cometido um erro pelo qual pagava agora – pecado quer dizer erro.
O homem era cego de nascença, então o erro que ele tivesse cometido para ficar cego não poderia ter sido cometido nesta existência, mas numa existência anterior. Fica aqui demonstrada a crença na reencarnação. Jesus diz que não foi nenhuma dessas duas hipóteses, mas uma terceira: “(…) para que se manifestem nele as obras de Deus” – temos que prestar atenção ao fato de que Jesus não corrige os seus discípulos. Se não houvesse reencarnação Jesus não perderia a oportunidade de corrigir este equívoco por parte dos seus discípulos. Sua resposta seria outra: “Como me perguntais se ele pecou para que nascesse cego? Como poderia ter pecado antes de nascer?”
Mas Jesus não os corrige. Esclarece que a cegueira deste homem não se devia a erros anteriores. Deste homem – Jesus está tratando de um caso específico. Vimos em 5:14 que Jesus disse ao homem que havia sido paralítico: “Não tornes a errar para que não te aconteça algo pior”.
A Terra é um planeta de provas e expiações. Vivemos um período de transição para um mundo de regeneração, mas as provas vão permanecer por muito tempo ainda. Precisamos de provas para progredir. Sem as provas permaneceríamos estagnados. Desde a infância, na escola, somos submetidos a provas. Estudamos durante alguns meses e fazemos uma prova para consolidar os nossos conhecimentos adquiridos.
O homem cego submeteu-se a reencarnar com esta prova. Todos os espíritos mais esclarecidos escolhem provas antes de reencarnar. Preparam-se para estas provas – as provas são parte importante do seu planejamento reencarnatório. É através das provas que nós fortalecemos o caráter, que nós desenvolvemos novas habilidades, que nós descobrimos forças dentro de nós mesmos de que nós nem suspeitávamos.
Um espírito pode escolher reencarnar com determinada limitação como um modo de proteger a si mesmo. Nós costumamos repetir indefinidamente os mesmos erros. São características negativas que desenvolvemos ao longo de várias existências, sempre falhando nas mesmas áreas. Um espírito consciente das suas falhas, das suas deficiências, pode se propor a reencarnar com determinada limitação que dificulte ou impeça a manutenção das suas falhas. Jesus nos apontou isso ao dizer: “se o teu olho te escandalizar, arranca-o, e atira-o para longe de ti” (Mateus 18:9).
As provas nem sempre são direcionadas para si mesmo, podem ser direcionadas para os pais do espírito que está reencarnando, podem ter por objetivo conscientizar as pessoas através da sensibilização.
- Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar.
A tradução mais correta é “quando”, não “enquanto”. É a tradução que encontramos na Vulgata.
E os manuscritos mais antigos trazem “que nós façamos” e não “que eu faça”. A Bíblia de Jerusalém e a tradução de Haroldo Dutra Dias trazem assim. Talvez tenham tentado corrigir o verbo para concordar com “aquele que me enviou”.
“Convém que nós façamos as obras daquele que me enviou” – nós devemos fazer as obras de Deus, os trabalhos de Deus, as ações de Deus através do enviado de Deus, que é o Cristo. O Cristo é o enviado, a manifestação de Deus no mundo sensível. O Cristo está dentro de cada um de nós.
Hoje são possíveis várias atividades durante a noite, no tempo de Jesus isso era inviável. O dia é a luz, a noite é a escuridão. O dia é a visão, a noite é a cegueira. Jesus disse antes que o homem nasceu cego para que se manifestem nele as obras de Deus – “manifestem”, tradução de phanerothe (φανερωθη) subjuntivo aoristo, na voz passiva, terceira pessoa do singular do verbo phaneroo (φανεροω), que quer dizer “fazer brilhar”, “iluminar”. A raiz deste verbo é phos (φως), que quer dizer “luz”. O homem nasceu cego para que as obras de Deus o façam brilhar, para que as ações de Deus o iluminem. O espírito nasce cego, o espírito traz em si uma fagulha da luz divina, mas não é capaz de perceber essa luz.
“Convém que nós façamos as obras daquele que me enviou quando é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” – a noite “vem” quando ninguém pode trabalhar. Em português nós temos palavras específicas para designar a direção de um movimento: “ir” e “vir”, um movimento de ida e um movimento de vinda. No grego não é assim. O verbo erchomai (ερχομαι) se refere tanto a ir quanto a vir. São necessárias outras palavras ou a observação do contexto para definir se o movimento é de ida ou vinda.
Neste caso não há como definir. A tradução diz “a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” – a impressão é que temos que trabalhar enquanto podemos, porque depois vem a noite e não poderemos mais trabalhar.
Respeitamos esse ponto de vista, mas a impressão que o texto nos passa é bem outra. O homem era (passado) cego e agora (presente) pode ver. Nós éramos espíritos sem luz e vamos pouco a pouco nos iluminando. Sabemos que o espírito jamais retrograda. Sabemos também que sempre temos condições de trabalhar, sempre podemos ser úteis de algum modo. É muito mais lógico traduzirmos como “vai a noite, quando ninguém pode trabalhar” – passou a noite, passou a escuridão, passou a cegueira, agora temos luz, agora é dia, agora enxergamos. “Convém que nós façamos as obras daquele que me enviou quando é dia; vai a noite, quando ninguém pode trabalhar”.
- Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.
Novamente a partícula de tempo hote (οτε) traduzida como “enquanto”. A tradução mais adequada é “Quando estou no mundo sou a luz do mundo”. O mundo somos nós. Hoje há um ditado bastante comum: “Quando você muda, o mundo muda”. O mundo é, em última análise, como nós o vemos. Não há no mundo duas pessoas que vejam o mundo da mesma maneira, porque isso depende do nosso mundo interior.
Há uma passagem em Lucas em que Jesus saiu de barco com os seus discípulos e adormeceu, e logo começou uma tempestade. Então acordaram Jesus e ele acalmou a tempestade. O que essa passagem nos conta é que eles deixaram o Cristo adormecer no fundo do barco, o seu Cristo não estava desperto, e por isso começaram a enfrentar tempestades (Lucas 8:23).
Quando o Cristo está desperto, quando trazemos a presença do Cristo para o nosso mundo, ele nos ilumina.
- Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego.
A cura com saliva ou com saliva e terra é citada na Antiguidade, devidamente documentada, não há nada de extraordinário na ação de Jesus. O que é extraordinário é a cura, mas não esses elementos utilizados por Jesus.
Hoje causa muita estranheza cuspir no chão, misturar a saliva com terra e aplicar nos olhos, untar os olhos. Temos que nos reportar àquele tempo, em que não havia remédios como hoje. O bom samaritano aplicou azeite e vinho nas feridas do homem assaltado (Lucas 10:34). Eram os recursos disponíveis na época.
A saliva podia ser vista como a substância essencial do indivíduo. Vemos isso na comunhão através do beijo na boca, em que duas pessoas comungam suas essências.
Jesus untou os olhos do cego. “Untou” é a tradução do verbo epichrió (επιχριω), formado a partir do verbo chrio (χριω), o mesmo verbo que dá origem à palavra “cristo”. “Cristo” que dizer exatamente isso: “untado”, “ungido”. Antigamente se derramava azeite sobre a cabeça de alguém para consagrá-lo. A palavra “cristo”, que é a tradução da palavra hebraica “messias”, quer dizer “ungido”, é o ungido de Deus, aquele que Deus consagrou.
Jesus misturou a sua saliva com terra. O Gênesis diz que Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida (Gênesis 2:7). Jesus, que representa o Cristo, a manifestação de Deus no mundo sensível, misturou a sua saliva, a sua substância essencial ao pó da terra e untou os olhos do cego – “untou”, do grego chrio: “cristificou” os olhos do cego. Deus formou o homem do pó da terra. O Cristo “cristificou” a visão do homem, para que o homem tivesse “olhos de ver”.
Por que Jesus fez isso? Porque “é dia, já vai a noite, quando ninguém pode trabalhar” – é hora de vermos a luz e fazermos os trabalhos que Deus nos delega.
- E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o Enviado). Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo.
O tanque de Siloé recebia suas águas subterrâneas da fonte de Gion. Em 7:38 Jesus disse que rios de água viva correriam do íntimo de quem aderisse a ele. O tanque de Siloé recebe as suas águas da fonte de Gion assim como nós recebemos a água viva do Cristo – a água viva que simboliza a espiritualização na matéria.
O espírito teve a sua visão cristificada e mergulhou no tanque de Siloé (que quer dizer “enviado”), mergulhou na matéria, simbolizada pela água, a água viva de que nos falou o Cristo. Como teve a sua visão cristificada, aderiu ao Cristo e rios de água viva passaram a correr do seu íntimo. Desenvolveu olhos de ver, abriu a sua visão espiritual.
É a saga espiritual na Terra. A reencarnação é a oportunidade que Deus nos oferece para o nosso progresso espiritual, para que a nossa visão espiritual seja cristificada.
- Então os vizinhos, e aqueles que dantes tinham visto que era cego, diziam: Não é este aquele que estava assentado e mendigava?
- Uns diziam: É este. E outros: Parece-se com ele. Ele dizia: Sou eu.
A palavra traduzida como vizinho é geitón (γειτων), da raiz γη, que quer dizer “terra”. Os da terra o viram e o estranharam. Os geitón, os da terra, simbolizam ao espíritos que nos acompanham há muito tempo. Nossos afetos e desafetos, nossos obsessores, que nos viam mendigar as coisas do espírito (como diz a primeira bem-aventurança de Jesus, “bem-aventurados os pobres de espírito” – na verdade os “mendigos” de espírito) e agora estranham a nossa nova condição.
É comum que espíritos obsessores (que quase sempre são mais vítimas do que algozes nossos) não acreditem na sinceridade dos nossos propósitos. Nós nos regeneramos, firmamos o propósito de seguir o caminho reto das Leis de Deus, mas eles não acreditam. Como a imagem que eles têm de nós é a nossa imagem do passado, acham que estamos nos disfarçando num outro corpo a tramando algum golpe.
Também é verdade que quando se convencem da nossa sinceridade muitas vezes se convertem, mudam a sua postura, se regeneram e se preparam para recomeçar.
- Diziam-lhe, pois: Como se te abriram os olhos?
- Ele respondeu, e disse: O homem, chamado Jesus, fez lodo, e untou-me os olhos, e disse-me: Vai ao tanque de Siloé, e lava-te. Então fui, e lavei-me, e vi.
A palavra traduzida como “vi” é aneblepsa (ανεβλεψα), indicativo aoristo na voz ativa, primeira pessoa do singular do verbo anablepó (αναβλεπω), que quer dizer “tornar a ver”. Blepó (βλεπω) quer dizer “ver”; anablepó (αναβλεπω) é “tornar a ver”. O prexixo ana quer dizer “de novo”, “novamente”.
Por que traduzem como “vi” e não como “tornei a ver”? Porque o homem era cego de nascença – um cego de nascença só poderia ter visto (enxergado) antes de nascer, ou seja, numa reencarnação anterior. O texto indica isso claramente. Como os tradutores não aceitam a reencarnação, preferem “corrigir” o texto.
- Disseram-lhe, pois: Onde está ele? Respondeu: Não sei.
- Levaram, pois, aos fariseus o que dantes era cego.
- E era sábado quando Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos.
Sabemos que a proibição de trabalhar aos sábados era uma “neura” para os fariseus. Levavam isso tão a sério que havia grandes discussões a esse respeito. Eles elaboraram leis sobre o que podia e o que não podia fazer-se no sábado, e uma das coisas que não podiam ser feitas era a aplicação de medicamentos nos olhos – não se podia tratar enfermidades crônicas no sábado.
Os fariseus já estavam enlouquecidos com Jesus. Talvez este episódio tenha ocorrido imediatamente depois da discussão que Jesus teve com os judeus, quando disse que eles eram filhos do diabo (8:44). Eles ficaram furiosos e tentaram apedrejar Jesus. Talvez tenham chegado a apedrejá-lo. É possível que Jesus tenha saído do templo e, no caminho, passando pelo tanque se Siloé, tenha aproveitado a oportunidade para deixar uma lição para a posteridade – de modo que mais tarde, como fazemos hoje, percebêssemos os simbolismos que se encontram por trás das letras mortas e compreendêssemos o que ele queria realmente dizer naquele tempo.
- Tornaram, pois, também os fariseus a perguntar-lhe como vira, e ele lhes disse: Pôs-me lodo sobre os olhos, lavei-me, e vejo.
- Então alguns dos fariseus diziam: Este homem não é de Deus, pois não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tais sinais? E havia dissensão entre eles.
Aqui confirma-se o que Jesus disse em outra ocasião: “Não vim trazer a paz, mas a divisão” (Mateus 10:34-36). As opiniões a seu respeito eram divididas. E aqui novamente, quando os fariseus perguntam ao homem como vira, o original é como tornara a ver.
- Tornaram, pois, a dizer ao cego: Tu, que dizes daquele que te abriu os olhos? E ele respondeu: Que é profeta.
- Os judeus, porém, não creram que ele tivesse sido cego, e que agora visse, enquanto não chamaram os pais do que agora via.
- E perguntaram-lhes, dizendo: É este o vosso filho, que vós dizeis ter nascido cego? Como, pois, vê agora?
- Seus pais lhes responderam, e disseram: Sabemos que este é o nosso filho, e que nasceu cego;
- Mas como agora vê, não sabemos; ou quem lhe tenha aberto os olhos, não sabemos. Tem idade, perguntai-lho a ele mesmo; e ele falará por si mesmo.
- Seus pais disseram isto, porque temiam os judeus. Porquanto já os judeus tinham resolvido que, se alguém confessasse ser ele o Cristo, fosse expulso da sinagoga.
O homem foi interrogado pelos seus vizinhos e pelos fariseus, e agora os seus pais eram interrogados. Embora essa história seja muito resumida, na verdade se tratava de um inquérito com poderes legais. Os fariseus expulsariam todos que confessassem que Jesus era o Cristo – “confessar” é a tradução do verbo homologeo (ομολογεω), que quer dizer “confirmar”, “declarar”. Deste verbo deriva o verbo português “homologar”. Homologeo é formado por homo, que quer dizer “igual”, e lego, que quer dizer “falar”. Literalmente, homologeo quer dizer “falar igual”, ou “dizer igual”. Seria expulso, então, quem “falasse igual” ao Cristo, quem repetisse o que o Cristo falava.
A expulsão da sinagoga consistia em exclusão da sociedade, não era apenas a proibição de frequentar a sinagoga. Quem fosse expulso da sinagoga seria desprezado por todos, ouviria terríveis maldições por parte dos líderes religiosos e corria o risco de não se relacionar com mais ninguém.
- Por isso é que seus pais disseram: Tem idade, perguntai-lho a ele mesmo.
- Chamaram, pois, pela segunda vez o homem que tinha sido cego, e disseram-lhe: Dá glória a Deus; nós sabemos que esse homem é pecador.
Os fariseus agora não estavam apenas interrogando, estavam o conjurando para que dissesse a verdade. Era um depoimento oficial, utilizado normalmente pela autoridades, como vemos em Josué 7:19-20:
“Então disse Josué a Acã: Filho meu, dá, peço-te, glória ao Senhor Deus de Israel, e faze confissão perante ele; e declara-me agora o que fizeste, não mo ocultes. E respondeu Acã a Josué, e disse: Verdadeiramente pequei contra o Senhor Deus de Israel, e fiz assim e assim”.
Os fariseus dizem saber que Jesus era pecador, como forma de coagir o homem.
- Respondeu ele pois, e disse: Se é pecador, não sei; uma coisa sei, é que, havendo eu sido cego, agora vejo.
Poucos depoimentos são tão corajosos e reais como este. O que importa a ele é o resultado inequívoco da ação de Jesus. Como disse Jesus, pelo fruto se conhece a árvore. Uma árvore má não pode dar bons frutos (Mateus 7:16-17).
Todos nós que temos ou que estamos desenvolvendo olhos de ver, visão espiritual, entendimento das coisas do espírito, um dia também fomos cegos, um dia nossos olhos foram abertos, e é isso que nos anima a desejar que outros como nós também passem a ver. Sem impor nada, sem tentar convencer ou converter ninguém. Jamais nos passa pela cabeça provar alguma coisa a quem quer que seja. Mas oferecemos reflexão. Reflita, tire as suas próprias conclusões.
- E tornaram a dizer-lhe: Que te fez ele? Como te abriu os olhos?
- Respondeu-lhes: Já vo-lo disse, e não ouvistes; para que o quereis tornar a ouvir? Quereis vós porventura fazer-vos também seus discípulos?
- Então o injuriaram, e disseram: Discípulo dele sejas tu; nós, porém, somos discípulos de Moisés.
- Nós bem sabemos que Deus falou a Moisés, mas este não sabemos de onde é.
- O homem respondeu, e disse-lhes: Nisto, pois, está a maravilha, que vós não saibais de onde ele é, e contudo me abrisse os olhos.
- Ora, nós sabemos que Deus não ouve a pecadores; mas, se alguém é temente a Deus, e faz a sua vontade, a esse ouve.
- Desde o princípio do mundo nunca se ouviu que alguém abrisse os olhos a um cego de nascença.
- Se este não fosse de Deus, nada poderia fazer.
- Responderam eles, e disseram-lhe: Tu és nascido todo em pecados, e nos ensinas a nós? E expulsaram-no.
Os fariseus acreditavam que as doenças físicas eram decorrentes de doenças do espírito. Aquele homem, para ter nascido cego, devia ter cometido pecados graves. Notamos aqui que não é o conhecimento, por si só, que nos transforma. Os fariseus acreditavam na reencarnação, pois tinham como certo que aquele homem devia a sua cegueira por ter cometido pecados em outras existências, e acreditavam na Lei de causa e efeito, segundo a qual nós colhemos aquilo que plantamos. Os fariseus eram a classe mais esclarecida do seu tempo, por isso as constantes cobranças de Jesus aos fariseus que nós encontramos nos Evangelhos sinóticos. Quanto mais conhecimento nós temos, maior é a nossa responsabilidade. Por isso Jesus cobrava tanto os fariseus. Mesmo conhecendo importantes verdades espirituais, não progrediam moralmente – o conhecimento não era suficiente para transformá-los moralmente.
Vemos também que o homem havia se tornado discípulo de Jesus, pois no versículo 27 ele pergunta aos fariseus se eles também queriam se fazer discípulos de Jesus. Ele teve coragem de seguir Jesus abertamente, mesmo correndo o rico de ser expulso da sinagoga, como de fato foi. Enquanto isso, alguém esclarecido e importante como Nicodemos, que era fariseu, procurou Jesus à noite, provavelmente para que não fosse visto por ninguém.
- Jesus ouviu que o tinham expulsado e, encontrando-o, disse-lhe: Crês tu no Filho de Deus?
Das doze traduções que costumamos consultar, essa é a única que ainda traz “filho de Deus”, quando na verdade é “filho do homem”. Utilizamos essa tradução como padrão para este estudo justamente por ser uma tradução antiga e muito conservadora. Grande parte dos cristãos (ou das pessoas que se dizem cristãs) baseiam suas crenças, suas opiniões nesta tradução Almeida revista e corrigida ou em outras traduções mais tendenciosas.
- Ele respondeu, e disse: Quem é ele, Senhor, para que nele creia?
- E Jesus lhe disse: Tu já o tens visto, e é aquele que fala contigo.
- Ele disse: Creio, Senhor. E o adorou.
O “filho do homem” é o nosso próximo estágio evolutivo, que todos temos dentro de nós, em estado embrionário. “Crer no filho do homem” é sintonizar com esta ascensão do espírito, é aderir ao nosso próximo estágio evolutivo esforçando-nos para nos aproximar dele.
Vemos que Jesus prega a um homem isoladamente. Essa é uma lição que poucos de nós colocam em prática. É emocionante palestrar para grandes públicos, é enriquecedor ensinar grupos de pessoas. Mas somos seres individuais. Cada um de nós eleva-se individualmente.
- E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos.
- E aqueles dos fariseus, que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe: Também nós somos cegos?
- Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece.
Aqui temos a confirmação do que dissemos há pouco sobre a responsabilidade que acompanha o conhecimento. Quanto mais sabemos, maior é a nossa responsabilidade. Se os fariseus desconhecessem as Leis de Deus, não estariam errando conscientemente.
“(…) Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos” – O substantivo traduzido como juízo é krima (Κριμα), derivado do verbo krino (κρινω), de que já falamos outras vezes. Krino quer dizer “escolher”, “distinguir”. Da raiz deste verbo deriva a palavra “critério”. A palavra aqui é krima. Krima é o resultado do krino, ou seja, é o resultado da escolha, da distinção – é o resultado das nossas escolhas, da distinção que fazemos em relação a pessoas, a valores.
Krima, quase sempre traduzido como “juízo” ou “julgamento”, é a colheita do que plantamos. O que era cego e queria ver, vê. O que via e não queria ver, não vê. O homem era cego e queria recuperar a sua visão: passou a ver. Os fariseus viam, mas não queriam enxergar a verdade: tornam-se cegos, espiritualmente cegos. Carregam consigo (mesmo que não assumam) a culpa de terem se deparado com Jesus, que resumia em si mesmo todas as melhores promessas das escrituras que eles tanto estudavam, e não o terem reconhecido.
Não reconheceram por quê? Por causa do seu orgulho. Teriam que reconhecer a si mesmos como menores, teriam que rever os seus conceitos, muitas das coisas que eles tinham aprendido com muito esforço teriam que ser revistas…
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