Perguntas dos leitores

Por que Deus permite a dor e a maldade?

dor-espiritismo

Morel Felipe Wilkon

Por que Deus permite a dor e a maldade? Não poderia haver um meio de evolução mais ameno, em que progredíssemos espiritualmente sem experimentarmos tanto sofrimento? O leitor Ricardo Felice formulou o questionamento que publico a seguir. O tema é recorrente, o que me exigiu uma resposta um pouco mais longa do que o habitual. Boa leitura!

Oi Morel!

Acompanho seu trabalho há alguns anos e gostaria muito de lhe perguntar a maior dúvida que tenho nesse mundo, dúvida que durante toda a minha vida tive dificuldade de entender e anda me incomodando muito. Seu dia deve ser extremamente corrido pra ficar lendo e respondendo os vários recados que chegam a você, então ao menos se essa minha dúvida puder ficar como sugestão pro seu próximo tema na página do Espírito Imortal eu já agradeceria muito!

Meu nome é Ricardo, tenho 23 anos, vejo espíritos desde os meus 5 anos e acompanho sempre seu site Espírito Imortal. Acompanho você desde os meus 20 anos. Já aprendi muito com você e reforcei muito do que já sabia também, sempre fiquei feliz porque acho que suas opiniões pessoais sobre assuntos diversos se parecem muito com as minhas, então me sinto menos sozinho nas minhas opiniões e feliz por existirem pessoas nesse mundo como você cuja evolução espiritual me inspira a melhorar sempre quem eu sou.

Parabéns pelo seu incrível trabalho de divulgação e esclarecimento do espiritismo através da internet, tenho certeza que todo seu esforço e trabalho está sendo uma grande contribuição pra esse mundo e sem dúvida nenhuma pra muitas pessoas que lhe acompanham e procuram por esclarecimento. É um grande trabalho que você faz em prol das pessoas que buscam mais esclarecimento nesse mundo.

Enfim, tentando não enrolar e lhe fazer perder muito tempo, minha maior dúvida e tristeza nesse mundo é a dificuldade de entender toda a maldade que é permitida existir nele. Eu até entendo o motivo, mas não consigo deixar de sentir uma decepção profunda com Deus pelo fato dele permitir ela existir. Eu sei que estamos aqui pra passar por diversas superações no intuito de aprimoramento da alma, sei que colhemos o que plantamos em vidas passadas, sei que tudo de ruim que fazemos teremos que reparar depois e que todo mal que recebemos já é uma maneira de repararmos erros antigos e ao mesmo tempo nos fortalecermos e evoluirmos.

Até criei uma teoria que chamo de ciclo do bem e do mal, que é o seguinte:

Pra mim o ”mal” e o ”bem” não são nada mais que sinônimos pra “pouco esclarecido” e “mais esclarecido”. O mal é a definição e derivação do pouco esclarecimento de um indivíduo ou grupo deles, assim como o bem é e deriva de um esclarecimento maior, porque quanto mais a gente evolui mais entende a importância do amor e a necessidade de fazer o bem ao próximo.

Mas o mal é importante pro bem, assim como o bem pro mal, porque tudo de ruim nesse mundo acontece por causa de pessoas mal esclarecidas (más), logo, pessoas mais esclarecidas (boas) ajudam essas más e nesse processo ajudam as más a evoluírem mais até se tornarem boas. As que já eram boas evoluem mais ainda nesse processo e deixam de voltar a esse mundo nas próximas vidas, pois já não precisam mais. Agora serão substituídas pelas antigas pessoas más, que agora são boas e ajudarão outras más, tornando-se mais boas ainda e assim por diante. É um ciclo perfeito!

Quero apenas que você entenda que eu sei o porquê da necessidade do mal, do sofrimento e de tudo de ruim que acontece. É a melhor maneira que Deus achou pra nós evoluirmos nosso amor e quem somos. Nós aprendemos e evoluímos muito mais com a dor do que com o amor. Só que mesmo sabendo disso não consigo concordar, eu sei que não sou ninguém pra discordar do que Deus julgou como a melhor maneira pra nós evoluirmos, sou um mero humano pouco esclarecido ainda, mas acho que eu tenho o direito de não concordar com esse sistema, de discordar da necessidade de toda essa maldade.

Na minha opinião nós poderíamos aprender só pelo amor. Claro que seria muito mais lento o processo, porque eu entendo a importância da dor, mas o que importa demorar muito mais? Somos eternos, não precisa de tanto sofrimento e maldade assim apenas pra ser mais rápida e eficiente nossa evolução e aprendizado.

deus e a dor
Por que a dor?

Eu fico extremamente decepcionado quando vejo mulheres que foram estupradas, pessoas apanhando até a morte, animais que são judiados e espancados, pessoas torturadas, pessoas que morrem queimadas numa aflição enorme. Uma natureza onde um animal come a carne do outro, mata e causa sofrimento ao outro – existem animais que não matam imediatamente a presa, comem ela lentamente, viva, a presa sente aflição até poder finalmente morrer, especialmente os insetos são assim.

A própria existência da dor física pra mim já é muito decepcionante, me entristece, acho uma coisa horrível. Aqui em MG, meu Estado, descobriram uma mulher morta com um cabo de vassoura enfiado até a metade nas suas partes íntimas, disseram que ela foi muito torturada e estuprada antes de morrer. Quanta maldade com a coitada, ela podia ter sido o pior ser humano do mundo na vida passada dela, mesmo assim não acho que merecia algo tão horrível.

Quantas coisas tristes e macabras, quanta aflição, dor moral e física inimagináveis acontecem com tantas pessoas e animais nesse mundo, e Deus permite acontecer. Mesmo que seja com o objetivo de desenvolver o amor cada vez mais, não consigo deixar de me sentir muito decepcionado com Deus por permitir isso. Pra mim não importa o motivo nem o objetivo dos espíritos superiores por trás de uma mulher ser esfaqueada e estuprada na frente dos filhos, nada pra mim justifica isso ou faz isso valer a pena, na meta de chegar no amor não deveriam permitir essas coisas tão horríveis.

Deus poderia criar um outro sistema de aprendizado e evolução espiritual, mas julgou ser esse o melhor e permite todo esse sofrimento acontecer, por isso não consigo gostar dele e nem ser fiel a ele, a Deus. O próprio Jesus morreu torturado e em extrema dor e aflição, de uma maneira extremamente brutal e horrível. Deus podia ter aliviado pra ele e ajudado ele nesse momento, mesmo que essa tenha sido a escolha de Jesus, não importa, não podia ter deixado ele sofrer daquele jeito no final, assim como tanta crueldade que acontece de tantas maneiras e com tantos seres vivos, não acho que esses meios sejam os corretos pra se chegar na verdadeira evolução e amor durante nossa jornada.

Não consigo gostar de Deus por isso e nem acreditar no sistema que ele criou de evolução, isso acaba me deixando triste e meio sem rumo às vezes, porque eu não queria um sistema que envolvesse tanta crueldade, queria que as coisas fossem apenas com o amor, podia até ter a dor e as superações que são muito importantes, claro, mas não desse jeito tão macabro e cruel, com tantas atrocidades. Demoraria muito mais pra evoluirmos, mas não precisaríamos ver tanta crueldade com tanta gente e animais. Entende como eu penso? Não consigo deixar de me sentir muito triste com a tristeza dos outros e a aflição horrível que muitos seres vivos passam, aí depois da tristeza que sinto vem a raiva e decepção com Deus por ter permitido. Mas ainda tenho esperança de que algum dia, depois que eu desencarnar, eu veja que na verdade não era bem assim, que as coisas e esse sistema na verdade são bem melhores e menos cruéis do que eu enxergo agora. O que você acha? Abraço, Morel.

 – Sempre que me deparo com este tema a primeira imagem que me vem à cabeça é o tamanho insignificante da Terra quando comparada a outros planetas do nosso sistema solar, como Saturno e Júpiter, e, mais ainda, quando comparada ao próprio Sol. E o Sol é uma tímida estrela de 5º grandeza, em meio a centenas de bilhões de outras estrelas que compõe a nossa Via-Láctea. E a Via-Láctea é uma entre centenas de bilhões de galáxias.

A Terra vista de longe é um minúsculo grão de areia. E cada um de nós, dentro da Terra, corresponde a uma partícula de pó. Este vídeo dá uma vaga ideia da nossa pequeneza.

Temos consciência, temos pensamento contínuo, raciocinamos, temos memória, imaginação. Isso nos faz refletir, o que é bom. A capacidade de reflexão é um grande avanço para espíritos atrasados como nós. Mas só somos capazes de refletir a respeito de dados que conhecemos. E as razões do funcionamento das Leis de Deus só podem ser compreendidas infimamente por nosso pequeno intelecto.

O maior responsável pela nossa incompreensão talvez seja a imagem antropomórfica que ainda fazemos de Deus. Mesmo que não tenhamos sido criados com esta imagem, ela nos acompanha há milênios. Nos acostumamos a imaginar o Creador como um super-homem à semelhança do Zeus dos antigos gregos ou um velho barbudo como o Jeová da Bíblia.

O que conhecemos de Deus são as Suas Leis. Como não temos capacidade de compreender Deus, atribuímos a Ele características que consideramos as mais elevadas. Mas, por mais que nos esforcemos, nossa imagem de Deus é apenas a maior ideia que conseguimos formular. Deus não pode ultrapassar a nossa capacidade de entendimento. Assim, cada um O concebe de acordo com a sua compreensão e alcance mental.

Analisando, mesmo que timidamente, a imensidão do Universo, chegamos facilmente à conclusão de que há seres incalculavelmente mais experientes que nós. Eles compreendem Deus de acordo com o seu entendimento, que é imenso se comparado ao nosso raciocínio incipiente.

O primeiro filme que a minha filha Sofia assistiu foi o Bambi. Nunca esquecerei a sua tristeza, o seu choro sentido quando percebeu que a mãe do Bambi havia sido morta pelo caçador e que o Bambi não teria mais mãe. Como explicar para uma criança de três anos que isso faz parte do processo da vida?

Relatei essa experiência da Sofia neste artigo: Espiritismo e a empatia

Mas como pai de cinco filhos (por enquanto) sei perceber as reações que os conhecimentos e experiências agregam a eles. E percebo claramente que a sensibilidade à dor alheia, o conhecimento da dor, a empatia proporcionada pelo contato com a dor é um dos fatores que moldam o caráter da Sofia, fazem dela um ser melhor.

A dor é incompreensível apenas se estivermos focados nela. Quando nos distanciamos da dor compreendemos o seu caráter ilusório. Se eu disser isso a alguém que tenha passado recentemente por um grave acidente, que tenha “perdido” mulher, filhos pequenos, pai e mãe, e que tenha ficado tetraplégico, ele possivelmente irá me amaldiçoar. Mas é verdade.

Conheço a dor. Não enfrentei grandes tragédias, mas conheço a dor moral. Houve momentos de grande dor em que eu trocaria minha dor por praticamente qualquer dor. Não todas; sabemos que há dores terríveis. Mas já invejei moradores de rua, por exemplo. No auge da dor uma situação degradante, como morar na rua, já me pareceu algo ameno e despreocupado. É que a visão que fazemos da dor é influenciada pelo nosso egoísmo…

Hoje, distante da dor, percebo o quanto ela foi importante para a consolidação de meus valores morais. É claro que se eu pudesse retroceder no tempo faria outras escolhas, escolheria caminhos que evitassem a dor. Aprendemos com os erros. Mas não é só isso. A dor não é apenas fruto de más escolhas. Você citou os animais, e sabemos que os animais, não tendo consciência, não têm livre-arbítrio, logo, não são responsáveis por suas escolhas. A dor é um estímulo necessário para o progresso. Tudo na natureza precisa de um estímulo para que haja a transformação. Sem a dor ficaríamos estagnados. Para que haja a chuva é preciso que a água evapore. Para que a semente brote é preciso que ela seja destruída. Para que a Terra se tornasse habitável para os humanos foram necessários bilhões de anos de transformações, de destruição e reconstrução em novos moldes.

Além disso, a dor, sozinha, não existe. A dor é percebida e sentida de acordo com o grau de conscientização. É sabido que os primeiros cristãos morriam devorados pelas feras no coliseu. Morriam cantando e dando graças a Deus.

A maldade das pessoas é pura ignorância, é uma deturpação transitória da natureza divina. Se houvesse limite para a maldade haveria limite para o livre-arbítrio, nosso poder de escolha seria limitado, não teríamos a mesma liberdade, e, consequentemente, o progresso seria finito. É o mesmo poder de escolha que opta pelo bem ou pelo mal. Alterando um dos pólos, o outro também seria atingido. O mesmo em relação à dor. O oposto da dor é o prazer. Dor e prazer são reações da nossa sensibilidade. O único modo de limitar a dor seria limitar a sensibilidade, e isso afetaria, igualmente, a nossa capacidade de sentir prazer.

Precisamos nos afastar do foco da dor para percebermos a sua função benéfica. Se tivermos em mente que somos imortais, que a nossa percepção de tempo é provisória, que temos a eternidade pela frente, os momentos de dor que experimentamos em nossa infância espiritual neste planeta desaparecem. Assim como as preocupações de uma criança de cinco anos não são as preocupações de um adulto maduro, também a dor e a maldade das pessoas, que parecem fugir do que esperaríamos de Deus, mostrar-se-ão facilmente compreendidas quando amadurecermos mais.

As Leis de Deus são perfeitas; o fato de nossa compreensão ser ainda insuficiente para apreendê-las não modifica a sua aplicação a tudo e a todos. E uma das Leis de Deus é a Lei de sintonia. Ao nos focarmos na dor, seja ela real ou imaginária, presencial ou à distância, em nós ou nos outros, estamos sintonizando com a dor. Sempre sintonizamos com as mentes que estejam focadas na mesma faixa vibratória que nós. Focando-nos na dor perceberemos cada vez mais dor, atrairemos para nós situações de dor. “A quem tem, mais será dado”, disse Jesus. Ao nos focarmos na dor estamos contribuindo para a sua manutenção no planeta. Cada pensamento que emitimos sintoniza com pensamentos semelhantes, fazendo com que o pensamento inicial seja potencializado pela soma dos pensamentos de mesmo teor.

Hoje é comum, através das redes sociais, o compartilhamento de cenas terríveis de dor e maldade. Isso produz, através da soma dos pensamentos e sentimentos focados nestes temas, uma massa psíquica coletiva capaz de estimular mais e mais dor.

Temos muito a aprender, temos muito que progredir. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, também disse Jesus. Através do conhecimento e da aplicação do conhecimento nos libertaremos da maldade e da dor. E então, mais maduros e desenvolvidos, teremos condições de avaliar melhor o que hoje nos parece incompreensível.

Apenas temos que evitar qualquer revolta contra Deus. Somos imagem e semelhança de Deus. Somos partículas divinas. Revoltar-se contra Deus é revoltar-se contra a nossa própria natureza, mesmo que inconscientemente. O melhor a fazer é manter bons pensamentos e sentimentos na mente, não consumir assuntos que tratem da maldade e da dor, contribuir com o que estiver ao nosso alcance para a extinção da dor, e pedir inspiração a Deus para que possamos cada vez mais compreender as Suas Leis.

Alguns pontos da sua argumentação devem ser corrigidos ou melhor analisados.

Você diz: “(…) todo mal que recebemos já é uma maneira de repararmos erros antigos e ao mesmo tempo nos fortalecermos e evoluirmos”.

– Não é verdade. O mal que recebemos, ou a dor que experimentamos não são capazes, por si mesmos, de reparar os nossos erros. O mal ou a dor que nos atingem são estímulos para que retifiquemos a caminhada evolutiva, para que abandonemos atitudes equivocadas, mas isso passa pela nossa compreensão,  aceitação e consequente mudança de atitude. Há espíritos, encarnados e desencarnados, que sofrem por décadas ou séculos e não movem uma palha para mudarem a situação em que se encontram. É necessário esse esclarecimento porque ainda há, no meio espírita, a  crença errônea de que a dor cura, liberta ou repara. A dor é um mecanismo; a decisão de mudar é nossa.

Você diz entender “o porquê da necessidade do mal, do sofrimento e de tudo de ruim que acontece. É a melhor maneira que Deus achou pra nós evoluirmos nosso amor e quem somos.”

– O mal, o sofrimento e tudo de ruim que acontece só é necessário na medida de nossas imperfeições e teimosia em não seguir as Leis de Deus. E isso não é a melhor maneira que Deus achou para a nossa evolução. Deus não é um legislador humano que quebrou a cabeça buscando solução para administrar o Universo creado por ele mesmo. Deus não legisla, Deus É a própria Lei. Deus é a causa primária de todas as coisas, então a Lei decorre do fato de Deus Ser, assim como nós somos decorrência de Deus. O que há, antes de tudo e por trás de tudo, é Deus. Nós somos decorrência de Deus. Para O compreendermos, então, é preciso que estejamos em harmonia com Ele. Pois, se não O entendemos, é porque estamos desviados da Lei, e, se estamos desviados da Lei, estamos em desarmonia com Deus.

Você diz: “Nós aprendemos e evoluímos muito mais com a dor do que com o amor.”

– Isso só é verdadeiro em nossos estágios iniciais de evolução, em que não temos a consciência desenvolvida. As Leis de Deus estão gravadas em nossa consciência. Assim que despertamos a consciência já sabemos o que fazer e o que deixar de fazer. Assim, o estímulo da dor já não é necessário, e se ainda o experimentamos é por nossa inadequação consciente à Lei. Mas falamos apenas do que conhecemos, e não temos ideia de como seja a vida em outros mundos. É possível que a dor, tal como a conhecemos, seja uma característica do nosso planeta justamente para abrigar espíritos renitentes na ignorância como nós. Acredito que o que você julga um mundo ideal seja realmente o que predomina no Universo, e que estejamos na Terra por nossa própria teimosia. Como Deus é infinitamente misericordioso, sempre nos proporcionando novas oportunidades, temos este planeta-reformatório como uma nova chance para o nosso reajustamento com a Lei.

Você diz: “Pra mim não importa o motivo nem o objetivo dos espíritos superiores por trás de uma mulher ser esfaqueada e estuprada na frente dos filhos”.

– Os espíritos superiores não comandam as nossas vidas, não somos marionetes em sua mãos. Os espíritos superiores procuram organizar e planejar nossa evolução, mas somos sempre responsáveis por nós mesmos, e não cabe a nossos superiores espirituais interferirem em nossas vidas. As lições competem a nós. Um pai não pode fazer o dever de casa pelo seu filho, pode  e deve orientá-lo, mas o dever compete ao filho.

Não há efeito sem causa. Os crimes bárbaros que nos chocam têm, como tudo o mais, a sua origem no passado. A vítima de hoje quase sempre é o algoz de ontem. Se retornarmos indefinidamente no tempo, em busca das origens do mal que acomete estes espíritos hoje, encontraremos sempre a teimosia em não prestar atenção ao que diz a consciência. Quem não ouve a voz da consciência em seus estágios iniciais, atrai a dor automaticamente como um mecanismo de alerta, pois esta é a Lei. Se, então, retrocedendo várias existências, chegarmos ao ponto em que a consciência estava recém despertando e quisermos “cortar o mal pela raiz”, estaremos interferindo na Lei. E a Lei não admite interferências, pois, alterando a sua aplicação sobre um espírito, automaticamente outros espíritos envolvidos seriam atingidos e estaria decretada a Injustiça. Ou a Lei é para todos ou não é para ninguém. Como ela funciona para todos, não há como cortar os seus efeitos.

Você diz: “Deus poderia criar um outro sistema de aprendizado e evolução espiritual, mas julgou ser esse o melhor e permite todo esse sofrimento acontecer, por isso não consigo gostar dele e nem ser fiel a ele, a Deus.”

– Quando você diz que Deus julgou melhor esse sistema, dá novamente a ideia de um deus humano, um legislador arbitrário, quando na verdade somos nós que não temos condições de compreendê-lo. Não se pode mostrar as diferentes nuances de cores numa aquarela a um cego, não se pode mostrar as peculiaridades harmônicas da música barroca a um surdo, eles não estão de posse das faculdades necessárias para apreciarem essas artes. Pois nós não temos, ainda, as faculdades imprescindíveis à correta análise da Lei.

Ser fiel a Deus não é defendê-lo com unhas e dentes. E se eu defendo a Lei neste momento é por estar convencido de que este é o caminho, não por compreender perfeitamente. Não defendo a Lei como um religioso que defende Deus. Defendo a fidelidade a Deus por ser exatamente este o meio que nos leva à Sua compreensão. A fé ensinada por Jesus no Evangelho, que no texto original grego se chama pistis, que muitas vezes é traduzida como crença, é na verdade a fidelidade a Deus. Mas esta fidelidade não é à imagem de um velho barbudo, não é a fidelidade a um livro, não é a fidelidade a princípios que não compreendemos bem. Fidelidade a Deus é fidelidade à Lei. É harmonia com a creação divina, é sintonia com a Lei. Precisamos estar em sintonia com a Lei para compreendê-la. Deus é a Lei. Sintonizar com a Lei é estar de pleno acordo com ela, é o caminho que Jesus nos ensinou.

Você diz: “O próprio Jesus morreu torturado e em extrema dor e aflição, de uma maneira extremamente brutal e horrível, Deus podia ter aliviado pra ele e ajudado ele nesse momento, mesmo que essa tenha sido a escolha de Jesus, não importa, não podia ter deixado ele sofrer daquele jeito no final”.

– Talvez a imagem que você faça de Jesus seja influenciada pelos conceitos que o cristianismo tradicional estabeleceu. Nos passam uma ideia de Jesus sofredor, permanentemente pregado na cruz. Chamam Jesus de “cordeiro de Deus”, como se ele tivesse sido sacrificado para aplacar a ira do velho barbudo. Não é nada disso. Jesus é incalculavelmente superior a nós. Sabemos de faquires que dominam a dor. É claro que Jesus sentiu dor física, mas, se um faquir domina a dor, é evidente que o sofrimento de Jesus nada teve de anormal. Jesus morreu. Pessoas morrem todos os dias. Hoje morreu o Eduardo Campos, anteontem morreu o Robin Williams. Jesus não é um heroi porque morreu. A dor física que ele sentiu não acrescenta nada a ele. Jesus veio nos ensinar o caminho reto das Leis de Deus, a dor física que experimentou foi apenas um mal necessário. Jesus não queria nenhum alívio para ele. Jesus compreende Deus, e sabe que a evolução exige esforço. Foi Jesus que nos trouxe a imagem de Deus como um pai amoroso e bom.

Teria muito mais a dizer, o tema é instigante e as dúvidas a seu respeito são recorrentes. Agradeço ao Ricardo pela clareza com que expôs seu pensamento.

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